Oito policias do Batalhão de Choque da Brigada Militar tornaram-se réus pela morte de Jane Beatriz da Silva Nunes, 60 anos. O Tribunal de Justiça do RS (TJ-RS) aceitou a denúncia do Ministério Público (MP).
A decisão foi resposta a um recurso do Ministério Público (MP) após a denúncia não ter sido acolhida pela Justiça. Com o acolhimento, os réus agora deverão responder a processo criminal na 1ª Vara do Júri do Foro Central de Porto Alegre.
Segundo a denúncia do MP, os policiais foram responsáveis pela morte de Jane, que caiu de escada e teve aneurisma cerebral após ter a casa invadida por PMs no dia 8 de dezembro de 2020.
A equipe envolvida é da Patrulhas Especiais (Patres), um grupo tático do 1º Batalhão de Choque (BPChoque), que não quis se pronunciar sobre o caso. Os nomes dos oito réus não foram divulgados.
Quem era a líder comunitária
Nascida em Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, Jane morava na comunidade Grande Cruzeiro, na zona sul de Porto Alegre, havia 40 anos.
Viúva, era servidora pública concursada da Secretaria Municipal de Segurança e trabalhava em função administrativa junto à Guarda Municipal. Além disso, atuava como Promotora Legal Popular (PLP), após participar de projeto da ONG Themis, que transforma mulheres da periferia em defensoras dos direitos humanos nas comunidades onde vivem.
Filho mais velho de Jane, Ederson Silva Nunes diz que a decisão do TJ-RS representa um passo importante "para que a justiça seja feita".
— Esse tipo de coisa não deve cair no esquecimento e não deve ficar impune. Assim como ela sempre lutou em vida para que essas coisas não acontecessem, depois da morte ela conseguiu deixar um legado, o de continuar lutando — afirmou Ederson.
Protesto
No dia da morte, moradores da região da Cruzeiro realizaram protestos pedindo justiça e denunciando o caso como resultado de violência policial.
A Front Line Defenders, uma fundação internacional para a proteção de defensores de direitos humanos, incluiu o caso de Jane na lista de ativistas de direitos humanos assassinados ao redor do mundo em 2020.
A líder comunitária deixou seis filhos — três biológicos e três adotivos —, nove netos e dois bisnetos.
A representante legal da família de Jane, Eduarda Garcia, afirma que a vítima foi defensora de direitos humanos, mulher negra, mãe, avó, servidora pública e referência para sua comunidade.
— Há quase cinco anos buscamos justiça por Jane, mas também uma resposta do sistema de Justiça, de que a polícia não pode agir fora da lei e com abuso de autoridade nas periferias da cidade — afirma a advogada.
A abordagem
No dia da queda da escada, Jane teria deparado com os oito PMs do Batalhão de Choque, dentro da casa dela, ao retornar de um mercado.
Os policias alegaram no processo que, durante uma ronda, um pedestre teria informado que haveria violência contra crianças na casa da mulher. Os PMs afirmaram que entraram no local para averiguar.
Segundo a representação legal da família da vítima, durante o processo não apareceu nenhum relato de violência ou abusos acontecendo na casa de Jane.
Ao tentar entrar na casa, a líder comunitária teria sido impedida pelos policiais e, durante a discussão, caiu da escada na entrada do terreno. Ela foi levada para atendimento médico pelos próprios policiais, mas não resistiu.
A defesa dos PMs alega que a morte de Jane foi natural (veja a nota abaixo). O advogado Maurício Adami Custódio adiantou que irá recorrer da decisão:
— Não conseguimos encontrar nexo de causalidade, autoria e justa causa deste processo criminal. Acreditamos que houve um erro gravíssimo desta acusação e do seu recebimento.
Já os representantes da vítima e o Ministério Publico dizem que o aneurisma foi causado porque Jane teria sido empurrada da escada por um dos militares, conforme relato de uma testemunha.
Contraponto
O que diz, em nota, Maurício Adami Custódio, advogado dos PMs:
"Pelo que foi possível compreender, acreditamos que o Tribunal tenha ignorado o Laudo Pericial, partindo de premissas equivocadas, interpretando de modo bastante amplo e sem conexão jurídica a morte de Jane que foi atestada ser por causas naturais. O aneurisma — o seu rompimento — foi demonstrado pelo perito oficial que, aliás, é neurologista, como sendo preexistente e os fatores que levaram ao rompimento são totalmente imprevisíveis mas, no mínimo, decorrentes de questões clínicas preexistentes.
Também, as investigações de ambas as instituições foram claras em dizer que não houve crime dos policiais.
Há uma injusta ação penal admitida pelo Tribunal, mas que será discutida ainda no âmbito Superior. Aguardamos a publicação do acórdão para discutir."
* Produção: Camila Mendes