A repórter Cristine Gallisa, da RBS TV, ouviu depoimentos de um homem e de uma mulher que viveram na Comunidade Osho Rachana, localizada em um sítio em Viamão, sobre os supostos crimes praticados pelo intitulado líder espiritual Adir Aliatti, 69 anos. Ele foi alvo de uma operação da Polícia Civil na quarta-feira (11) por suspeitas de tortura psicológica, curandeirismo, estelionato e crimes financeiros. Por razões pessoais e de segurança, ambos falaram sob anonimato.
Em uma área rural da Região Metropolitana, homens e mulheres eram atraídos com um discurso de desprendimento e libertação diante do status quo, ruptura com a vida pretérita, curas e evolução espiritual por meio de terapias bioenergéticas e autoconhecimento. Cerca de cem pessoas chegaram a viver no local, mas recentemente o número havia caído para aproximadamente 20. Quem comanda a comunidade, também descrita como uma seita de conotação sexual, é Aliatti. Ele também é conhecido como Prem Milan, espécie de rebatismo em sânscrito, antiga língua originária da Índia e do Nepal.
— A filosofia inicial era ter um lugar para viver com amigos, onde dividíamos os custos, cada um contribuindo com uma parte. Todos com os mesmos direitos, vivendo no meio da natureza, ter filhos ali. Era um grupo de amigos. Isso é o mais cruel de tudo. Se aproveitar de uma coisa bonita das pessoas que queriam uma vida e um mundo melhor. Usar essa boa vontade para ter privilégios e poder. Um poder muito autoritário — diz o homem que habitou a comunidade.
Além dos ideais de uma vida diferente, parte dos moradores buscava na Osho Rachana um tratamento para doenças.
— Quando fui morar lá, eu estava em depressão profunda. E foi ficando bom, consegui parar com isso. Era uma alegria muito grande. Eram muito tentadoras a questão dos amigos e as propostas artísticas. (Mas) Existiam as reuniões (terapêuticas). O Adir expunha todos os teus defeitos, coisas que tu erravas, e ele instigava as pessoas a rirem de ti e te massacrarem. Tudo que tu fazia era reprovado, tinha de mudar muito para se encaixar. Eu comecei a ficar doente. Muita dor de cabeça, não dormia, tinha pesadelos de ouvir os gritos (das reuniões) — relata a mulher.
Isso é o mais cruel de tudo. Se aproveitar de uma coisa bonita das pessoas que queriam uma vida e um mundo melhor. Usar essa boa vontade para ter privilégios e poder. Um poder muito autoritário
EX-HABITANTE DE COMUNIDADE
Ela confirma que aconteceram agressões nas imersões, espécie de cursos em que, nos valores mais recentes, era necessário pagar entre R$ 8 mil e R$ 12 mil. Uma das pregações de Aliatti é de que seus seguidores deveriam romper com a vida pretérita, inclusive com os familiares.
— Na imersão que ele chamava de pai e mãe, que era de 21 dias, eu participei, ele puxou o cabelo e arrastou duas gurias para fora da sala porque elas não responderam ao processo terapêutico como ele gostaria. Deu tapa na cara de uma delas também, muito forte. Ele chegou a me ameaçar de que iria me bater, mas não bateu porque não estava próximo — conta a ex-moradora.
Ela diz ter ficado com fragilidades físicas e emocionais. Uma das supostas táticas de Aliatti era fazer as pessoas da Osho Rachana acreditarem que eram insignificantes e que não teriam uma vida feliz fora da comunidade.
O Adir expunha todos os teus defeitos, coisas que tu erravas, e ele instigava as pessoas a rirem de ti e te massacrarem.
EX-MORADOR DA COMUNIDADE
— Por mais coisas que já tivesse realizado na minha vida, eu acreditava firmemente nisso, que eu não servia para nada. E vi muitas pessoas passarem por isso — lamenta.
Aliatti, conforme relatos colhidos pela investigação, teria uma habilidade incomum de extrair segredos e fragilidades das pessoas nas sessões de terapia e, depois, usar isso para mantê-las sob domínio.
_ Era uma coisa muito refinada. A terapia era usada pra controle das pessoas. E o medo. Não era um medo palpável de 'vou te bater'. É um medo de 'aqui você tem tudo. Se sair daqui, vai se dar muito mal, tua vida vai piorar.' Você acabava fazendo o que fosse para ficar. Quem não fizesse exatamente o que ele quisesse, era escanteado. Perdia prestigio _ afirma o ex-morador.
Ambos confirmaram que havia vilipêndio financeiro dos habitantes.
Os relatos apontam que havia dois modelos de permanência na Osho Rachana. Os que têm emprego formal podiam sair diariamente para trabalhar. Para viver no local, tendo moradia, alimentação e espaços de lazer, pagavam um aluguel. As informações são de que, ultimamente, esse custo era de pelo menos R$ 5 mil por mês. Os que não tinham uma atividade tradicional eram envolvidos nos negócios da Comunidade Osho Rachana. Tinham de comercializar nas ruas de Porto Alegre, do Litoral e de cidades de outros Estados itens como agendas, cadernos e até pães de porta em porta. O dinheiro, depois de custeadas despesas, iria para Prem Milan, apesar do discurso de reversão à comunidade.
Eu acreditava firmemente nisso, que eu não servia para nada. E vi muitas pessoas passarem por isso
EX-HABITANTE DA COMUNIDADE
Uma outra forma do líder Aliatti arrecadar recursos era com a contração de empréstimos pelos seus seguidores.
_ Financeiramente, destruiu meus sonhos. Era um dinheiro juntado de uma vida inteira _ diz a mulher.
O homem relata que a prática mais comum era de os moradores serem chamados a assinarem como fiadores de financiamentos tomados em nome de Prem Milan.
— A maioria dos empréstimos é no nome dele. Tem um ou outro no nome de outras pessoas. Só que todos esses empréstimos têm pessoas como avalistas, imóveis e automóveis como garantia. Essas pessoas estão penduradas nessa situação. A gente descobriu que tem uma dívida milionária que tem como garantia a vida financeira das pessoas— diz o homem.
Financeiramente, destruiu meus sonhos. Era um dinheiro juntado de uma vida inteira
EX- MORADORA DA COMUNIDADE
Ele complementa dizendo que os habitantes eram "muito produtivos e criativos na confecção de itens que, depois, seriam vendidos nas cidades para manter a comunidade.
— Se produzia dinheiro que caía pelo ralo. Ele era viciado em jogo e gastou muito em bets — afirma.
A Polícia Civil estima que Prem Milan tenha obtido e desviado mais de R$ 20 milhões. Ainda assim, teria alcançado um prejuízo de R$ 4 milhões nas operações que realizou.
Contraponto
O que diz a defesa de Adir Aliatti:
"A defesa técnica de Adir Aliatti, realizada pelo advogado Rodrigo Oliveira de Camargo, ressalta que os fatos expostos na mídia estão distorcidos. Os denunciantes optaram por livre e espontânea vontade viver em sistema de subsistência, assim como ajudaram a gerenciar os valores arrecadados com os diferntes empreendimentos do grupo.
O resultado de todos esses investimentos feitos pelos seus membros eram revertidos em favor da comunidade. Os empréstimos bancários que favoreceram esta forma de organização social foram feitos em nome de Aliatti e com aval dos moradores. As alegadas coações jamais ocorreram.
O advogado garante que o seu cliente sempre se manteve ao dispor das autoridades, além de assegurar que a maioria dos relatos são fictícios e/ou adulterados com o objetivo de atacar Adir. Para a defesa, cabe relembrar que a maioria dos denunciantes detinha cargos de coordenação na Comunidade, aplicavam as terapias, assim como convidavam novas pessoas para participar da comunidade.
Por fim, a defesa afirma que a perseguição midiática tem por objetivo criar uma atmosfera de vulnerabilidade para eximir os denunciantes das suas responsabilidades e escolhas."