Em carta escrita à mão, Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, o Nego Jackson, líder de uma facção criminosa, alertou na sexta-feira (22) que poderia ser vítima de “uma tragédia como nunca ocorrera no sistema penitenciário gaúcho”. No texto, diz que drones costumam se aproximar com facilidade das janelas das celas da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan) 3 e afirma que está sendo mantido numa galeria “há poucos metros de seus inimigos”.
Esse documento, segundo o próprio governo do Estado, foi entregue a um servidor da casa prisional e repassado ao advogado do faccionado. A defesa chegou a pedir na Justiça que ele fosse retirado da casa prisional e retornasse à Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). No entanto, no dia seguinte, no fim da tarde, o preso foi executado com sete disparos. Os tiros teriam sido efetuados por uma portinhola. A suspeita é de que a arma tenha ingressado na unidade transportada por um drone.
O episódio desencadeou crise no sistema penitenciário gaúcho. Na segunda-feira (25), o governo do Estado anunciou, em entrevista coletiva, as medidas adotada até aqui. Entre elas, está o afastamento de cinco servidores da penitenciária. O caso passou ser apurado num procedimento administrativo e investigado pelo Departamento de Homicídios em razão do crime. Mas ainda existem questionamentos que precisam ser esclarecidos.
Confira o que se sabe até o momento e o que precisa ser elucidado:
1 – Quem são os autores?
São apontados como suspeitos do crime Rafael Telles da Silva, o Sapo, uma das lideranças de uma facção rival à de Nego Jackson, e Luis Felipe de Jesus Brum, também integrante do mesmo grupo e preso pelo assalto milionário ao aeroporto de Caxias do Sul, em junho.
Os dois foram detidos em flagrante após a morte de Nego Jackson e tiveram prisão preventiva decretada. Segundo a Polícia Civil, ao serem ouvidos, optaram por se calar.
Os dois foram removidos da Pecan na madrugada de sábado para domingo, segundo a Polícia Penal, “assim que foram realizadas as oitivas com a Polícia Civil e demais procedimentos de praxe”. Por questões de segurança, não é informado o local de destino dos presos.
2 – Qual o papel de cada um no crime?
A polícia ainda tenta esclarecer a dinâmica do crime. Não foi apurado até o momento qual dos dois teria atirado contra o rival. A polícia diz que aguarda perícias e outras diligências para elucidar o papel de cada um.
3 – Há mais pessoas envolvidas?
A investigação ainda apura se houve envolvimento de outras pessoas no crime. Isso não é descartado.
4 – Como a arma chegou à prisão?
A arma usada no crime é uma pistola de calibre 9 milímetros, que foi apreendida na penitenciária. Uma das hipóteses é de que ela tenha chegado até o local por meio de drone. Isso deve ser esclarecido pelas investigações.
5 – Por que a arma não foi encontrada na revista das celas?
Segundo o governo, são realizadas revistas regulares nas celas, mas, ainda assim, a arma não foi encontrada. Não foi esclarecido até o momento por qual motivo a pistola não foi encontrada nem quanto tempo ela ficou dentro da penitenciária. Na madrugada anterior ao crime, um avistamento de drone teria ocorrido por volta das 3h. Chegaram a ser apreendidos rádio e drogas.
6 – Quais são as facções envolvidas?
Estão envolvidas no crime duas facções. Nego Jackson chegou a ser considerado o foragido mais procurado do RS, em 2017, período no qual o Estado enfrentava disputas sangrentas nas ruas, especialmente na Capital. O faccionado foi capturado no Paraguai, pela polícia da cidade de Pedro Juan Caballero, e posteriormente transferido de volta para Brasil. Passou pelo sistema penitenciário federal — sendo enviado a Rondônia — mas retornou ao Estado.
Nego Jackson era rival da facção do bairro Bom Jesus, os Bala na Cara, integrando uma coalização de grupos criminosos denominada de Anti-Bala. Apontado como chefe do tráfico na Vila Jardim, recentemente, segundo a polícia, foi um dos principais articuladores da criação de uma nova facção, chamada de Família do Sul.
Do outro lado, Rafael Telles da Silva, o Sapo, é apontado como um dos articuladores da facção Bala na Cara.
7 – Por que os líderes de facções rivais estavam na mesma galeria?
Segundo o governo do Estado, a decisão de enviar presos líderes de facções para a Pecan se deu porque os bloqueadores de celulares não estavam funcionando na Pasc. Em razão disso, apenados estariam determinando novos crimes de dentro da penitenciária. A Pecan é a única prisão no RS que conta com bloqueadores.
Conforme a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, os presos estavam em celas separadas, mas na mesma galeria, na área de triagem. Esse espaço, segundo a explicação do governo, é usado para o isolamento de lideranças.
As celas que eles ocupavam são para dois presos e a movimentação é realizada de forma separada — com controle superior pelos policiais penais. Ainda assim, o governo não esclareceu até o momento porque os dois presos, mesmo inimigos, estavam tão próximos.
8 – Quais medidas foram adotadas?
O governo anunciou o afastamento de cinco servidores da Pecan 3 (dois servidores que estavam no turno, o chefe de segurança do complexo prisional, o responsável pela segurança da galeria e o diretor responsável pela Pecan 2, 3 e 4). Ainda foram determinadas três revistas diárias dentro da galeria onde houve o crime, na penitenciária.
Além disso, foram anunciados o reforço de 520 policias militares nas ruas e ações de saturação nas áreas conflagradas pelas facções. O intuito é tentar evitar o reflexo desse conflito nas ruas.
Outra medida é o retorno das lideranças de facções para a Pasc, após a inauguração do módulo de isolamento, com 76 celas individuais e bloqueio de celulares, o que deve se iniciar em dezembro.
9 – Quantos servidores estavam trabalhando naquela data na penitenciária?
Os servidores penitenciários reclamam de não haver policiais penais suficientes para dar conta do serviço. Segundo o governador em exercício, Gabriel Souza, havia 54 servidores na penitenciária no momento do crime, para cerca de 2 mil presos.
10 – Por que os cinco servidores foram afastados?
Segundo o governo do Estado, a decisão foi tomada como forma de manter a liberdade e lisura das investigações (administrativa e criminal). Um dos servidores afastados, de acordo com o governador em exercício, foi identificado como a pessoa que recebeu a carta escrita por Nego Jackson.
— Isso não é por qualquer tipo de confirmação ou crença do governo de culpabilidade de qualquer um dos servidores, mas no sentido de buscar apuração isenta, rigorosa, e também que, na medida do possível, seja célere, tanto do ponto de vista administrativo, como também pela própria investigação policial — disse Gabriel Souza.
11 - Quem era Nego Jackson?
Jackson chegou a ser considerado o foragido mais procurado do Rio Grande do Sul em 2017, até ser capturado no Paraguai, pela polícia da cidade de Pedro Juan Caballero, e posteriormente transferido de volta para Brasil. Ele esteve em penitenciárias federais brasileiros até ser transferido para o Rio Grande do Sul em 2020. O criminoso tinha extensa ficha criminal, por tráfico de entorpecentes, homicídios, lavagem de dinheiro e organização criminosa.