Os R$ 70 mil apreendidos na manhã desta terça-feira (19) em notas diversas numa residência na zona leste de Porto Alegre exalavam um odor peculiar: o de entorpecentes. Para a Polícia Civil, que deflagrou operação contra uma facção envolvida em homicídios na zona sul da Capital, é mais uma mostra de que aqueles valores tinham sido obtidos com o tráfico de drogas. A investigação, que combate lavagem de dinheiro, conseguiu expor um esquema envolvendo empresas de fachada, aquisição de veículos e uma movimentação milionária.
A chamada Operação Riciclaggio é resultado de seis meses de investigação contra uma célula de uma facção com berço no Vale do Sinos, mas que atua em todo o Estado. Em Porto Alegre, segundo a polícia, o grupo criminoso é investigado pelo envolvimento em homicídios recentes na Zona Sul — entre eles, a morte da jovem Camilla Lopes Fruck, 25 anos, vítima de bala perdida na madrugada do último sábado (16) no bairro Restinga. A polícia decidiu adiantar a deflagração da ofensiva como uma forma de atacar a facção financeiramente.
O que a polícia conseguiu apurar ao longo desse período é que esse núcleo do grupo criminoso – com base na zona sul de Porto Alegre, na Vila Resvalo, no bairro Cristal – teria usado de diferentes estratégias para mascarar a origem do dinheiro do tráfico. Entre os investigados, estão três empresas, uma delas de reciclagem, uma de gesso e um guincho – há ainda uma quarta no qual foram identificadas movimentações suspeitas e a polícia pretende aprofundar as investigações.
— Eles se valiam da compra de automóveis, em nome de terceiros, de laranjas, e constituição de empresas e negócios. Notem que as facções procuram a criação de empresas para justamente dar uma aparência de licitude ao capital sujo — afirma o titular da Delegacia de Polícia de Repressão ao Crime de Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Marcus Viafore.
Ao longo do cumprimento dos mandados, quatro homens foram presos. Dois deles são apontados como laranjas, ou seja, emprestavam os nomes para serem usados em operações fraudulentas pelo grupo, o outro é dono de uma das empresas investigadas – com ele foram apreendidos dois fuzis – e o quarto é apontado como um dos líderes dessa célula da facção. Na casa do último, a polícia localizou um esquema de videomonitoramento sofisticado. Na visão da polícia, isso também evidencia o envolvimento com o crime organizado.
— Era um circuito fechado, com diversas câmeras de monitoramento. Isso é muito comum em quem exerce liderança, justamente para evitar que a polícia possa cumprir seus mandados. E muitas vezes para que possa precaver em relação a ataques de outros grupos criminosos — diz Viafore.
Armamento de guerra
Ao longo das buscas, a polícia apreendeu três pistolas, uma carabina e dois fuzis. Um deles era de calibre 762, considerado armamento de guerra, capaz até mesmo de perfurar blindados. A localização desse tipo de arma na mão de investigados por lavagem de dinheiro é outro ponto que, na visão da polícia, demonstra o elo entre os núcleos do grupo.
— É muito incomum localizar um fuzil desse calibre, com essa capacidade de destruição, em operações de lavagem de dinheiro. Isso demonstra a forte ligação da organização criminosa com os bandidos que realizam a outra parte, que são os homicídios. Essa arma representa muito da ligação com o crime organizado. Temos aqui drogas, dinheiro, veículos, armamentos, contabilidade e computadores — afirma o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
Ainda foram apreendidos ao menos seis veículos de alto padrão e executadas medidas de congelamento de R$ 1,1 milhão. A polícia apreendeu ainda uma série de documentos e celulares, que serão analisados para dar andamento às investigações.
As operações de lavagem de dinheiro integram o protocolo implementado na Capital de combate aos homicídios cometidos pelo crime organizado. Esse tipo de ofensiva é a quinta medida prevista na série de ações desencadeados contra os grupos criminosos, quando ocorre algum homicídio neste contexto.
— O objetivo aqui é focar em algo maior, que envolva todas as pontas da cadeia. E entre elas está a parte financeira. É com a parte financeira que esses criminosos compram fuzis, que conseguem amealhar matadores e conseguem se manter no mercado de drogas. A operação não se encerra aqui. Vamos seguir avançando para atingir outros criminosos vinculados a essa pirâmide criminosa — diz Viafore.
Morte de jovem
O assassinato de Camilla Lopes Fruck, 25 anos, ocorreu na madrugada do último sábado, na Esplanada da Restinga. A jovem estava dentro de um veículo, em frente a uma loja de bebidas, quando teve início um tiroteio. Alvejada por um disparo na cabeça, a estudante de enfermagem chegou a ser socorrida por amigos, mas não resistiu. Segundo a polícia, a morte dela aconteceu em meio ao confronto entre dois grupos criminosos que atuam na Restinga. Camilla, no entanto, não tinha qualquer relação com o tiroteio.
— É possível que essa tensão que esses criminosos geram na Zona Sul esteja envolvida na situação que ocorreu da bala perdida, que atingiu a moça inocente. Por isso, adiantamos a operação para buscar o outro lado. Que é o ataque à parte financeira da facção — diz o diretor do DHPP.
Além deste caso, o grupo também é investigado por um triplo homicídio ocorrido na Zona Sul, em agosto deste ano.