Problemas técnicos ou de burocracia têm interferido no funcionamento do projeto criado para ajudar a proteger mulheres que estejam sob risco de violência por parte de companheiros ou ex-companheiros. Policiais e advogados reclamam de falhas no sistema de monitoramento eletrônico desses agressores.
São relatos de tornozeleiras que não carregam a bateria, de peregrinação entre delegacias para conseguir o equipamento em tamanho adequado para o suspeito, de alertas que são gerados sem que o caso configure algum risco à vítima e até de problemas nos celulares que ficam com as mulheres para acionar a Brigada Militar quando estiverem em perigo.
No começo de setembro, uma situação inusitada foi registrada: bombeiros tiveram que atuar para romper o equipamento da perna de um suspeito. O motivo: a tornozeleira descarregou e o carregador não funcionou; o monitorado foi levado à delegacia em função dos protocolos de segurança para casos em que o aparelho desliga ou perde o sinal; e, no órgão policial, a chave mestra não funcionou para abrir o equipamento.
O caso é de Viamão, mas o atendimento teve de ser feito em Gravataí. O motivo é o fato de as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher não terem as tornozeleiras, que devem ser instaladas nos agressores a partir de decisões judiciais.
Os equipamentos ficam armazenados em delegacias por região, onde também fica a chave mestra. Isso, no dia a dia, causa a movimentação de policiais entre cidades para resolver cada caso que surge.
Para o advogado do homem citado acima — e que já está com a sexta tornozeleira desde a instalação da primeira —, a situação é grave, pois custa energia e tempo de trabalho aos policiais e causa transtornos ao monitorado:
— Desde o primeiro dia da colocação o equipamento já dava problemas. Ele já está usando a sexta tornozeleira. Não é culpa das polícias nem do Judiciário. O problema está nestes equipamentos. E isso faz com que a Brigada Militar tenha que agir, fazendo contato com o monitorado e indo até onde ele está. Teve situação de meu cliente estar em outra cidade a trabalho, ter o problema, e eu mandei se apresentar em uma delegacia para provar que não estava em área próxima da vítima. Mas é um transtorno — diz Luiz Alberto Wailer.
O projeto foi lançado no ano passado e prevê que o agressor fique monitorado por tornozeleira e a vítima tenha um celular com aplicativo, por meio do qual ela é avisada caso o homem invada a área de segurança definida em medida protetiva. O telefone também permite acesso a chamadas de emergência para que ela acione a polícia.
Os equipamentos fazem parte de 250 kits adquiridos pelo Estado da empresa suíça Geosatis.
Zero Hora teve acesso a relatos de policiais civis e militares que indicam dificuldades no sistema. Um ponto são os casos de problemas nos carregadores, que acabam gerando o deslocamento de PMs e do suspeito para delegacias em função de uma falha técnica e não porque o homem tenha desrespeitado a medida protetiva, por exemplo. Também há queixas pelo fato de as tornozeleiras ficarem em uma delegacia por região, obrigando que equipes se desloquem entre cidades para instalar o aparelho ou tentar resolver falhas.
Como funciona:
> Se o juiz avaliar que o programa pode ser aplicado em algum caso de violência contra a mulher, o agressor passa a ser monitorado pelo dispositivo e a vítima é orientada a ficar com um telefone específico com aplicativo. O juiz indica qual a zona de distanciamento que o homem deve cumprir e qual o período de tempo.
> Se ele desrespeitar, imediatamente um sinal sonoro é disparado para a vítima e um mapa mostrará no celular dela a localização em tempo real do agressor, permitindo que ela possa solicitar ajuda ou fugir. Enquanto isso, centrais 24 horas divididas por região do Estado ficam acompanhando os dispositivos. Os agentes se comunicam com o infrator e a vítima, podendo enviar uma viatura até o local, caso necessário.
> Se a tornozeleira ficar sem sinal, o homem será procurado por policiais militares e levado a uma delegacia para registro de ocorrência.
O que diz a Secretaria da Segurança Pública:
A pasta se manifestou por meio de nota; leia a íntegra:
"O projeto de monitoramento do agressor, do Programa RS Seguro, monitora atualmente 149 agressores. Desde o início da medida, 315 agressores já passaram pelo monitoramento eletrônico, sendo que 55 agressores foram presos por tentar descumprir a medida protetiva (25 em 2023 e 30 em 2024). Nenhum agressor conseguiu se aproximar da vítima, garantindo a efetividade do projeto.
O disparo sonoro emitido não significa que ocorrerá abordagem policial ao monitorado. Como os servidores da Secretaria da Segurança Pública que operam o monitoramento têm conhecimento da rotina tanto do monitorado quanto da vítima, apenas despacham viatura para abordagem quando há necessidade. Se o operador visualiza que o monitorado está seguindo seu caminho de rotina e que não oferece risco à vítima, não é feita a abordagem.
Pode ocorrer falha nos equipamentos disponibilizados por diversas razões, entre elas problemas nos equipamentos ou influência externa, como tentativa de rompimento da tornozeleira. Em caso de falha, o equipamento é imediatamente substituído pela empresa fornecedora, quantas vezes for necessário, primando pela manutenção da medida protetiva. As falhas, no entanto, não representam mais do que 1% dos equipamentos em uso.
Quem faz a instalação da tornozeleira é a Polícia Civil, conforme decisão do Poder Judiciário indicando uso do monitoramento eletrônico. Os equipamentos são armazenados nas delegacias regionais para otimizar a destinação, pois eles são distribuídos para todos os municípios da regional. A SSP reforça o compromisso do Estado com a proteção da mulher, para que ela se sinta segura."