O semblante cansado e o olhar abatido no rosto de Michel Persival Pereira, 43 anos, expressam toda a dor de quem viu seu mundo desmoronar nas últimas três semanas. Em menos de um mês, o pai das gêmeas Manoela e Antônia, de seis anos, perdeu as duas filhas e a esposa, Gisele Beatriz Dias, 42, que está presa suspeita de ter envenenado as meninas. O caso, que abalou a comunidade de Igrejinha, no Vale do Paranhana, é investigado pela Polícia Civil.
— Os meus bebês estão no céu, eu tenho certeza disso. Mas eu estou vivendo um inferno, porque elas estão na minha cabeça o tempo todo e eu não consigo imaginar alguém fazendo mal para elas.
Na tentativa de colocar a vida nos eixos, Michel procura ocupar a mente com o trabalho de motorista autônomo. No entanto, ele conta que em qualquer lugar que vá, as pessoas o questionam sobre as mortes das filhas. Ainda em busca de respostas para o que aconteceu, o pai conversou com a reportagem de Zero Hora na manhã da quarta-feira (30), em Igrejinha, cidade que fica a 90 quilômetros de Porto Alegre.
— As gêmeas eram agitadas. Eram a alegria da casa, da rua, do bairro. Elas lideravam as outras crianças. Eram perfeitas — lembra o pai, com os olhos marejados.
As gêmeas eram agitadas. Eram a alegria da casa, da rua, do bairro. Elas lideravam as outras crianças. Eram perfeitas
MICHEL PERSIVAL PEREIRA, 43 ANOS
Pai das gêmeas Manoela e Antônia.
Michel conta que ele e a esposa estavam juntos há 25 anos. Ele é natural de Igrejinha, e Gisele, de Taquara. Em busca de melhores condições de vida para o casal de filhos mais velhos, a família mudou-se para Santa Maria, na Região Central.
Lá, o filho mais velho, Michel Persival Pereira Júnior, entrou para o quartel. Já a filha mais velha, hoje com 19 anos, ingressou na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Também foi lá que as gêmeas Manoela e Antônia nasceram.
Separação e acusações
Em Santa Maria, Michel e a esposa tinham uma pizzaria, onde ambos trabalhavam. Apesar da melhoria de vida, Michel conta que o casal acabou se separando após uma acusação da esposa.
— Ela me acusou de abusar da minha maior. De espiar no banheiro. Aí tive que provar que não tinha feito nada. Ficou provado que eu não fiz nada — diz o pai.
Depois desse episódio, Michel voltou para Igrejinha. Em 2022, ele conta que recebeu uma ligação de um lar para crianças, localizado em Santa Maria, na qual o informaram que suas filhas estavam alocadas, pois a mãe havia perdido a guarda.
— Aí eu tive que tomar providências pra tirá-las do orfanato. Elas saíram de lá e vieram para Taquara. Elas passaram uma noite na casa do avô e da avó. No dia seguinte, eu tive audiência com o juiz e ele me deu a guarda delas. O avô tinha direito de pegar as meninas pra passar o final de semana a cada 15 dias — lembra.
Em novembro daquele ano, a primeira tragédia se abateu sobre a família. O filho mais velho do casal, Michel, com 22 anos à época, havia se envolvido o tráfico de drogas e foi morto a tiros. Com a morte do primogênito, Gisele voltou para Taquara, onde sua família vive. Com o objetivo de recuperar a guarda das gêmeas, mais uma vez, ela acusou o marido de estupro.
— Eles me tiraram o direito de ficar perto das minhas meninas, mas eu levei bastante tempo para conseguir provar que eu realmente não tinha feito nada e poder me reaproximar das minhas filhas.
Reconciliação e depressão
Michel conta que após as acusações, a perícia comprovou que ele não havia abusado das filhas. Depois disso, o casal resolveu reatar o relacionamento. Contudo, após a morte do filho, teve início o episódio depressivo da mulher. Ele garante que antes ela nunca havia sido depressiva. Ele também lembra que a mulher era uma pessoa calma e não batia nos filhos.
— Ela não era uma pessoa violenta, que surrava meus filhos. Eu não podia imaginar que isso fosse acontecer.
Crises e internação
Segundo Michel, a esposa foi levada ao hospital 10 vezes com sintomas semelhantes aos de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Em três delas, foi necessário pedir apoio do Corpo de Bombeiros.
Ela desmaiava, falava enrolado, perdia a fala, perdia a força
MICHEL PERSIVAL PEREIRA, 43 ANOS
Pai das gêmeas Manoela e Antônia.
Ele diz que após oito dias internada em um hospital em Novo Hamburgo, os médicos apontaram que ela havia sofrido um Ataque Isquêmico Transitório (AIT), que ocorre quando uma artéria cerebral entope ou se rompe e há um déficit neurológico.
Em setembro deste ano, Gisele teve outra crise e ficou internada 11 dias no Hospital Bom Pastor, em Igrejinha. Ela teve alta 21 dias antes da morte de Antônia, a primeira gêmea a falecer.
Em depoimento à polícia, o médico que atendeu Gisele apontou que ela apresentava ideação suicida e já tinha histórico de intoxicação por ingestão de medicamentos. Um prontuário médico obtido pela polícia apontava que a mulher dizia não sentir afeto pelas filhas. Outro documento dizia que ela tinha ideação suicida e conduta perversa. Além disso, ela também dizia ouvir a voz do filho morto a chamando durante as madrugadas.
Pai diz que não foi avisado sobre riscos
Durante as internações, o pai recebeu ajuda de familiares para cuidar das meninas. De acordo com Michel, ele não sabia que a mulher poderia oferecer riscos a ela mesma ou às filhas e somente por isso a deixou com as meninas após sua alta.
Eu não podia imaginar e os médicos não imaginaram também. Eu nunca tive essa informação. Nunca chegou em mim essa hipótese. Depois da vinda do hospital, eu fui trabalhar fora porque eu acreditei que ela estava bem. Porque mesmo que não fosse risco para as meninas, que o risco fosse pra ela, eu não ia trabalhar fora.
MICHEL PERSIVAL PEREIRA, 43 ANOS
Pai das gêmeas Manoela e Antônia.
Sem vontade de rever a esposa
O homem diz que não teve contato com a esposa nem com a família dela depois que Gisele foi presa. Ele afirma que não quer revê-la caso seja comprovada sua culpa.
— Não quero ver. Não consigo imaginar que eu possa ver quem fez isso. Eu tenho interesse de, se houver um julgamento, eu não estar nem presente. Com certeza eu vou ter que dar um depoimento, alguma coisa, mas eu não quero nem ver — diz.
O luto após as perdas
Antes pai de quatro filhos, agora Michel só tem a filha mais velha, que mora em Santa Maria, com quem fala todos os dias. Ele diz que sente muito medo de perdê-la ou de que algo aconteça com ela.
— Eu sinto angústia, eu sinto medo, porque a minha mais velha agora está indo ao médico, no psicólogo, no psiquiatra, ela não dorme. E se acontecer alguma coisa com a minha menina? Eu tenho medo. Eu só tenho ela. Eu sempre sonhei com o futuro dos meus filhos e agora eu só tenho ela para me pensar — lamenta.
O pai espera por justiça e anseia que as investigações da polícia identifiquem o que aconteceu, de fato.
Investigação
A Polícia Civil aguarda os resultados dos exames periciais para identificar a substância que causou as mortes das gêmeas. Segundo o Instituto-Geral de Perícias (IGP), ainda há exames em andamento e os laudos só começam a ser elaborados após a conclusão desses exames. O delegado Ivanir Caliari, titular da DP de Igrejinha, pontua que a prioridade da polícia é definir o que provocou as mortes das gêmeas para concluir a investigação.
Entenda o caso
As gêmeas Manoela e Antônia, de seis anos, morreram no intervalo de oito dias, em Igrejinha, no Vale do Paranhana. Manoela morreu no dia 7 de outubro, e Antônia, na terça-feira (15). Elas moravam com os pais no bairro Morada Verde, no loteamento Jasmim.
A mãe das meninas teve a prisão temporária decretada pela Justiça, a pedido da Polícia Civil, na manhã da quarta-feira (16). A suspeita é de que ela tenha matado as filhas com o uso de algum medicamento ou veneno para atingir o marido.
O pai não é investigado como suspeito, apenas foi ouvido como testemunha. Ele contratou o advogado Fábio Fischer para representá-lo e orientá-lo, enquanto aguarda a conclusão do inquérito policial. Somente o laudo pericial poderá confirmar a causa das mortes.