O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o dia 11 de setembro a retomada da votação que vai decidir se condenados a mais de 15 anos no Tribunal do Júri devem cumprir as penas imediatamente após o julgamento.
A decisão pode afetar o caso da boate Kiss — quatro foram condenados a penas de 18 a 22 anos pelo incêndio que deixou 242 mortos em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em janeiro de 2013.
Em geral, as sentenças só começam a ser cumpridas depois que o processo "transita em julgado", ou seja, após todos os recursos serem esgotados. O modelo é adotado para evitar que o réu seja preso enquanto ainda tem chance de reverter a condenação. Mas, para os condenados em júri popular, o pacote anticrime, aprovado no Congresso em 2019, antecipou o cumprimento da pena.
Com a mudança, o Código Penal passou a prever que o juiz deve determinar a "execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos".
O Tribunal do Júri julga crimes dolosos contra a vida, como homicídios e feminicídios. Em geral, os resultados não podem ser revistos pelo Judiciário. O veredito popular é considerado soberano nesses julgamentos. A exceção é quando a defesa alega irregularidades formais na condução do júri. Nesse caso, a Justiça comum pode analisar os recursos e, se considerar que há vícios processuais, determinar a realização de um novo julgamento, mas nunca julgar as provas por conta própria.
O assunto começou a ser debatido no STF em 2020. Entre idas e vindas no plenário virtual, após dois pedidos de vista, o processo acabou sendo remetido ao plenário físico a pedido do ministro Gilmar Mendes.
Com isso, o placar é zerado e a votação precisa ser retomada do início. Antes da suspensão, havia maioria a favor da execução imediata da pena (veja mais abaixo). Pelo regimento interno do STF, apenas os votos de ministros aposentados são mantidos. Os demais precisam se manifestar novamente e podem mudar de posição.
Decisão pode afetar caso Kiss
Na segunda-feira (2), o ministro Dias Toffoli mandou prender os quatro réus condenados pelo incêndio na boate Kiss. Se o tribunal considerar que a execução imediata da pena é inconstitucional, eles podem ser beneficiados.
Para o advogado Bruno Seligman de Menezes, que defende Mauro Hoffmann, um dos sócios da boate, o ministro deveria ter aguardado o pronunciamento do plenário antes de decretar a prisão do seu cliente.
"É uma questão que afeta diretamente o nosso julgamento, porque se ele for considerado inconstitucional, essa prisão não poderia estar acontecendo. Nós entendemos que isso é uma manobra para pressionar o plenário. O mais prudente seria esperar esse julgamento dia 11, mas ao julgar antes acaba-se criando um mecanismo de pressão", afirmou.
A favor da execução imediata da pena
Luís Roberto Barroso
"A presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes."
Dias Toffoli
"O princípio constitucional da soberania dos vereditos confere à decisão dos jurados, em tese, um caráter de intangibilidade quanto a seu mérito."
Alexandre de Moraes
"Não há qualquer motivo para se impedir a execução provisória da pena de um condenado pelo Tribunal Popular, uma vez que eventual interposição de recurso de apelação não possibilitará, como regra, aos Tribunais de Justiça a reapreciação dos fatos e das provas."
Cármen Lúcia
A ministra não apresentou voto escrito.
André Mendonça
O ministro não detalhou os argumentos.
Edson Fachin
"Porque tanto o júri como a presunção de inocência são direitos fundamentais equivalentes e porque a atribuição de efeitos suspensivos aos recursos criminais ou à decisão do Tribunal do Júri apenas limitadamente atinge o núcleo desses direitos, há espaço de conformação para que o legislador delibere sobre a sua instituição. Dentro desse espaço, deve o Poder Judiciário, e este Tribunal de modo particular, guardar deferência em relação às opções legitimamente feitas pelo Poder Legislativo."
Contra a execução imediata da pena
Gilmar Mendes
"Não se pode admitir que a execução da condenação proferida em primeiro grau (ainda que por Tribunal do Júri) se inicie sem que haja a possibilidade de uma revisão por Tribunal, de modo a assegurar o controle apto a limitar e, assim, legitimar a incidência do poder punitivo estatal."
Ricardo Lewandowski (aposentado)
"A inconstitucionalidade dessa alteração legislativa mostra-se flagrante, seja pela violação dos princípios da presunção da inocência e do duplo grau de jurisdição, seja pela própria casuística legislativa, ao erigir a quantidade de pena (15 anos) como critério principal para execução imediata da sanção, violando, por consequência, o direito fundamental da individualização da pena."
Rosa Weber (aposentada)
"A presunção de inocência trata-se, é certo, de princípio cardeal do processo penal em um Estado Democrático de Direito."