A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que tornou válido o júri que condenou os quatro réus da boate Kiss não coloca fim a um dos processos mais extensos da Justiça do RS. Apesar da determinação de cumprimento de pena, expedida na tarde de segunda-feira (2), existem recursos pendentes e possíveis que buscam invalidar o júri, relaxar as prisões e até mesmo revisar a decisão de Toffoli.
Os quatros réus, Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, receberam penas de 18 a 22 anos de prisão.
"O que as pessoas precisam entender é que essa decisão do STF não coloca um ponto final, no máximo um ponto e vírgula".
AURY LOPES JÚNIOR
Advogado criminalista e doutor em Direito Penal
A decisão monocrática do ministro pode ser questionada e revisada no próprio Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de um agravo que será encaminhado pela defesa. Esse recurso busca fazer com que a decisão seja analisada pela 2ª Turma do Supremo, composta por cinco ministros.
Se revertida, a anulação do júri poderá vigorar novamente. Mas, ainda se mantida pelos demais ministros, a decisão do Toffoli determina que o julgamento de apelação seja retomado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o que poderia novamente resultar em anulação.
Isso ocorre porque, durante sessão que anulou o júri, em agosto de 2022, os desembargadores julgaram apenas as preliminares, sem entrarem no mérito do recurso.
— O STF devolve para o TJ, para que o tribunal continue o julgamento da apelação, porque aquele julgamento que nós assistimos foi dividido em duas partes. A primeira é a discussão dos aspectos formais. O júri vale ou não vale. O Tribunal de Justiça por dois a um entendeu que o júri era nulo. Agora, o resto das questões que não foram debatidas voltam para o TJ analisar — explicou Aury Lopes.
Defesa volta a pedir anulação
Uma dessas questões envolve apelação do advogado Jader Marques, do Elissandro Spohr, busca a anulação do júri por outro motivo. Ele aponta que houve decisão “manifestamente contrária à prova dos autos”, porque houve quesito aos jurados sobre o fato de seguranças da Kiss terem barrado a saída das pessoas. Segundo Marques, esse era um fato contrário ao que estava na prova.
— É uma decisão com cumprimento de pena num caso em que há recursos pendentes no Tribunal de Justiça. Agora, é muita cautela para entender qual caminho será tomado. Já houve impetração de habeas corpus por uma das defesas, que teve a liminar indeferida. É um caso complexo e decisões apressadas não podem ser tomadas — avaliou Jader Marques em declaração após audiência de custódia na manhã desta terça-feira (3).
Ou seja, ainda caberá recursos ao STJ e STF como ocorreu após a anulação. Superada esta etapa, ainda haverá a possibilidade de se discutir o mérito da questão e uma possível redução de pena, o que também será passível de novos recursos.
Além das questões envolvendo o júri em si, as defesas apontam que a decisão de Toffoli representa uma execução antecipada da pena. Os advogados também questionam o motivo de a decisão ser apenas de Toffoli, sem uma discussão com os demais ministros do supremo.
— A decisão monocrática suprime um elemento da decisão recursal que é a colegialidade. Ela cria um ambiente nervoso desse processo, porque cabe recurso da decisão, mas esse recurso que vai para a turma se tornou um processo com decisão pública, com réus presos mais uma vez, de modo que deixa o ambiente da discussão conturbado — apontou Bruno Seligman, advogado de Mauro Hoffmann.
O criminalista Aury Lopes Júnior sinaliza que o processo deve percorrer um caminho extenso, primeiro com a turma do Supremo pautando o processo da Kiss, o que pode ocorrer logo ou em um prazo maior.
Sobre uma possível prescrição de pena, o especialista entende que é prematuro tratar sobre assunto pelo tamanho das sentenças as quais os réus foram condenados.
Decisão de Toffoli e nova prisão
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli reverteu, na segunda-feira (2), a anulação do júri do caso da boate Kiss. A decisão, que atendeu recursos do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) e do Ministério Público Federal (MPF), também determinou a prisão dos quatro réus que foram condenados em dezembro de 2021.
Com a decisão, as condenações de Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, com penas que vão de 18 a 22 anos e meio de prisão, voltam a valer.
Elissandro e Mauro foram encaminhados, na tarde desta terça-feira, à Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan). Os dois haviam se apresentado na Polícia Civil no dia anterior.
Após a medida, o procurador-geral de Justiça do RS, Alexandre Saltz, comemorou a decisão.
— Hoje é um dia histórico para a Justiça brasileira. O STF acolheu a tese do Ministério Público do Rio Grande do Sul, dizendo que houve dolo eventual, sim, no caso Kiss, manteve a condenação firmada pelo Tribunal do Júri em Porto Alegre e determinou a prisão dos quatro acusados. Nós, imediatamente, ao tomarmos ciência dessa decisão, promovemos os atos necessários para que essas prisões fossem feitas e entramos em contato com os familiares das vítimas — afirmou o chefe do MP.
As sentenças haviam sido anuladas em 2022 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com base em supostos problemas na condução do júri que condenou os réus. O Ministério Público apresentou dois recursos tentando reverter esta decisão, um ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outro ao STF.
Em 2023, o STJ manteve a anulação do júri. Um novo julgamento chegou a ser marcado para fevereiro deste ano, mas a sessão foi suspensa por decisão do próprio ministro Dias Toffoli.