Mais de uma década após o incêndio da boate Kiss, que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos, o Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) voltou a ficar de luto. Na madrugada de quinta feira (25), os professores Fabiano de Oliveira Fortes, 46 anos, e Felipe Turchetto, 35, do curso de Engenharia Florestal, foram mortos em assalto ao hotel em que estavam hospedados com alunos durante uma viagem de campo a Mato Castelhano.
— Há poucos dias ainda conversávamos sobre como nosso Centro tem que ser resiliente porque, de tempos em tempos, acontece algo. Depois da Kiss, ainda passamos por uma pandemia, por uma enchente catastrófica no Estado, por uma greve. Não sabemos muito bem expressar os sentimentos com palavras. Ficamos todos chocados — diz a professora Josita Monteiro, coordenadora do curso de Engenharia Florestal da UFSM.
A viagem à Floresta Nacional de Passo Fundo, que fica no norte do RS, é parte de uma Disciplina Complementar de Graduação (DCG) oferecida aos alunos de Engenharia Florestal. Embora seja optativa, a viagem é tradicionalmente um dos pontos altos do curso, com disputa de vagas pelos alunos.
Na segunda-feira (22) pela manhã, 15 estudantes da graduação e da pós partiram da universidade rumo à tão esperada atividade de campo, acompanhados de três professores, entre eles, Fabiano e Felipe. No entanto, somente um professor voltou com a turma na sexta (26).
— Essa viagem é um momento de muito trabalho, de muito aprendizado, mas também de muita alegria para os alunos. Para nós, engenheiros florestais, estar a campo é muito prazeroso. A floresta é um ótimo escritório. Ninguém esperava por isso — comenta Josita.
Segundo a coordenadora, a comunidade acadêmica está muito abalada com as mortes dos docentes. Ainda não há definições sobre o remanejo das aulas e retomada das disciplinas para o próximo semestre.
Nesta semana, os professores do departamento devem se reunir para concluir as avaliações dos alunos no semestre vigente.
Josita diz que, nesse momento, o foco da UFSM é oferecer apoio e solidariedade aos alunos. Na segunda-feira (29), deve ocorrer uma ação de acolhimento aos estudantes e funcionários da universidade.
Das quadras às salas de aula
O professor Fabiano ingressou na UFSM em 2008, no polo de Frederico Westphalen, a cerca de 290 km de Santa Maria. Há cerca de uma década, havia migrado para o polo central da universidade.
A coordenadora conta que ele dava aulas para alunos do quarto semestre da graduação na disciplina de dendrometria — anteriormente conhecida como biometria, é a ciência que estuda o crescimento das árvores. Josita diz que, devido a esse tempo de casa, ele era um “paizão” para os alunos.
Já o professor Felipe começou a lecionar no campus de Frederico Westphalen em 2019 e, em janeiro deste ano, também se mudou para Santa Maria. Ele assumiu as turmas de inventário florestal, disciplina do quinto semestre, devido à aposentadoria de um professor.
— Embora fizesse pouco mais de seis meses que o Felipe estava aqui, parecia uma década. Porque ele estava muito integrado, conquistou todo mundo de chegada, foi muito bem acolhido. Muito parceiro dos alunos, aliás, os dois eram — diz a coordenadora.
Neste semestre, Felipe e Fabiano dividiam a disciplina de manejo florestal. Além dos alunos, os professores também compartilhavam o gosto pelos esportes, que praticavam junto com os estudantes.
— Os alunos estavam sempre próximos deles. Se não tinham aula, tinha um chimarrão, tinha uma conversa, um aconselhamento. Não era só restrito à sala de aula. Os dois eram do futebol. O Felipe se tornou um parceiro do vôlei, porque antes eu era uma das únicas professoras que jogava vôlei com os alunos — lembra Josita.
A coordenadora comenta que o curso, que já foi maior, hoje tem 166 alunos, o que intensificava essa proximidade entre a comunidade acadêmica.
O estudante Giovani Mateus Wermeier Weber, 20, conta que, embora não tenha sido aluno dos professores, pois ainda está no primeiro semestre da graduação, já os conhecia das quadras de esportes.
— Eram pessoas muito legais e queridas, sabe? Atenciosas, muito inteligentes. Na hora que eu recebi a mensagem, eu não acreditei. Eu pesquisei o nome deles no Google e apareceu o acontecido lá do hotel, aí eu fiquei bem em choque — conta.
Engajamento pela profissão
Os professores eram engajados tanto na universidade quanto nas entidades de classe. A Sociedade Santamariense dos Engenheiros Florestais (Sosef) e a Associação Gaúcha dos Engenheiros Florestais (Agef) publicaram notas de pesar e solidariedade pela perda dos colegas.
"Além de grandes professores, eram grandes amigos e uma inspiração para os alunos", disse a Sosef.
Na sexta-feira, a presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do RS (Crea) foi até a Região Central para acompanhar a despedida do professor Fabiano Fortes, que ocorreu no prédio da Reitoria da UFSM.
Fabiano era conselheiro da Câmara Especializada de Engenharia Florestal (Ceef) do Crea pelo segundo mandato. Felipe era seu conselheiro suplente, também pela segunda vez.
A presidente da entidade lamentou a perda dos colegas e também manifestou indignação pela “maneira como as vidas foram tiradas”.
— O legado deixado por esses estimados conselheiros é um testemunho de seu compromisso e excelência. Eles promoveram educação, inovação e trabalharam incansavelmente para elevar os padrões da engenharia florestal no Rio Grande do Sul. Seu trabalho continuará a inspirar todos nós e suas contribuições serão sempre lembradas e valorizadas — disse a presidente.
Fabiano morava em Santa Maria com a esposa e duas filhas. Natural de Taquaruçu do Sul, Felipe não tinha filhos, estava morando em Santa Maria e, no momento, sua noiva, que também é engenheira florestal formada pela UFSM, mora no Pará, onde também leciona. Ela viajou até a cidade natal de Felipe na sexta-feira, quando ele foi sepultado.
Como ocorreu o crime
- Conforme informações do comando do 3º Regimento de Polícia Montada (3°RPMon), dois assaltantes estavam hospedados no Hotel Romanttei quando, por volta das 3h de quinta-feira, renderam hóspedes, funcionários e a proprietária do estabelecimento.
- Segundo a polícia, os reféns foram amarrados em um cômodo e a proprietária foi levada para uma sala separada para fazer transferências por Pix aos criminosos. As transferências não foram concluídas.
- Os professores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Fabiano Fortes e Felipe Turchetto teriam chegado no hotel com um grupo de 15 estudantes e mais um docente durante o assalto e foram baleados.
Suspeitos foram presos
Os dois suspeitos pelo crime são dois homens de 42 e 45 anos, que foram presos em Passo Fundo. Segundo o delegado Diogo Ferreira, ambos os presos têm diversos antecedentes.
O homem de 42 anos foi preso na manhã de sábado (27), em um hotel no centro de Passo Fundo. Segundo a polícia, ele tem antecedentes por tráfico e furtos. Ele foi reconhecido por duas vítimas.
O homem de 45 anos foi preso na tarde de sábado, em uma casa no bairro Parque Farroupilha. Conforme a polícia, ele tem dezenas de antecedentes por furtos e roubos, além de receptação. O homem já foi preso neste ano, mas estava em liberdade. Ele também foi identificado por testemunhas.
Conforme o delegado, o carro utilizado pela dupla, um Gol branco, também foi localizado. A arma utilizada no crime não foi apreendida. Ambos ficaram em silêncio durante a prisão. O delegado pontua que eles estavam sob forte influência de entorpecentes quando foram presos.
— Ainda temos que fazer análise de objetos apreendidos. Analisamos as câmeras de videomonitoramento da cidade para identificá-los. Um deles tem uma marca no rosto que pode ser do golpe recebido de uma das vítimas — diz o delegado.
Segundo o delegado, ambos foram levados para o presídio de Passo Fundo. Os nomes deles não foram divulgados.