O pior presídio do Brasil não existe mais. Ou, ao menos, não fica mais na capital gaúcha. Do antigo Presídio Central — hoje chamado de Cadeia Pública de Porto Alegre — restam memórias e algumas paredes. Desocupada, a prisão, que já abrigou 5 mil encarcerados em seu período crítico, teve os históricos pavilhões demolidos, e nove módulos construídos no lugar. Com 95% das obras concluídas, a expectativa é de que até o começo do ano que vem a cadeia volte a receber presos.
O Presídio Central foi considerado ao longo de décadas o retrato do caos no sistema penitenciário, e virou símbolo da violação dos direitos humanos. As novas instalações trazem a promessa de deixar esse cenário para trás. Duas galerias estão em fase final, com etapas como instalação hidráulica, elétrica, pinturas e limpeza — as demais estão prontas.
A parte administrativa, ocupada por servidores na área de ingresso da prisão, não chegou a ser demolida. Está passando por reformas realizadas por 20 apenados de outras unidades prisionais.
— Isso foi uma transformação no sistema penal do Rio Grande do Sul, com investimentos não apenas na destruição daquele presídio, que tanto problema causou, mas na política pública que passou a ser implementada de enxergar o sistema com essa necessidade de dar melhor condição às pessoas, dar à chance para aqueles que quiserem se ressocializar. O Central foi um grande sinal de que iríamos investir e mudar a realidade, começando pelo pior — avalia o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana.
Antes da reocupação com presos, precisa ser finalizada uma etapa que foi acrescida à obra inicial. Não estava prevista a construção de nova cozinha e lavanderia, o que se percebeu necessário ao longo do andamento, em razão das condições encontradas. A ideia inicial era aproveitar a estrutura anterior da cozinha, mas isso não foi possível. Um aditivo de cerca de R$ 14 milhões no contrato foi firmado pelo governo do Estado, somando-se aos R$ 116 milhões iniciais.
— A obra está na fase final mesmo, mas dependendo da construção da cozinha e lavanderia, que são necessárias para que se tenha a prestação do serviço, de lavar uniformes e da alimentação. Isso nos dá também a possibilidade de implementar o trabalho prisional, de apenados que podem trabalhar na cozinha, e fazer a remição de pena — afirma Viana.
Uma das maiores mudanças visíveis no Presídio Central é que antes as galerias eram verticais, andar sobre andar, e agora a cadeia se estende num nível só. Acima das celas, há um corredor por onde agentes abrem e fecham grades, sem contato entre os servidores e presos. A casa prisional usa o mesmo tipo de construção de outras unidades erguidas no RS, como em Bento Gonçalves, Venâncio Aires e Sapucaia do Sul.
O Central, que abrigava cerca de 2 mil presos quando a obra se iniciou, foi desocupado em três etapas — a última foi concluída no fim do ano passado. As novas galerias têm capacidade para comportar até 1.884 presos.
Memórias
Na tarde desta terça-feira (23), a servidora penitenciária aposentada Nara Moura da Costa, 69 anos, retornou ao local aonde trabalhou por décadas para visitar a obra. Deparou com um novo Central, diferente daquele que conheceu. Em 1994, Nara esteve presente num dos episódios mais marcantes do presídio. Foi uma das reféns durante o motim no qual o criminoso Dilonei Francisco Melara comandou a fuga de 10 presos.
A empreitada, que marcou a história da Capital, culminou ainda na invasão do Plaza São Rafael, então principal hotel da cidade, e na morte de quatro presos e de um policial. Nara era monitora penitenciária e trabalhava no Hospital Penitenciário, anexo ao Presídio Central, quando os servidores foram rendidos. Após horas de ameaças, ela foi libertada, mas outros servidores chegaram a ser levados em veículos, numa fuga alucinada pelas ruas da Capital.
Até hoje, Nara ainda tem certa dificuldade em falar sobre o episódio, que lhe deixou traumas. Enquanto caminhava pelos corredores da nova cadeia, comemorava a evolução:
— Achei maravilhoso as pessoas terem condições de trabalho. Naquela época, era tudo muito precário. A gente trabalhava por muito amor à camiseta. Dá mais segurança para quem trabalha.
A obra
O início
As obras da nova Cadeia Pública de Porto Alegre tiveram a ordem de início em 28 de junho de 2022. Os trabalhos se iniciaram no começo de julho e o primeiro pavilhão demolido foi o D.
Das primeiras edificações derrubadas para liberar a área e instalar as estruturas iniciais foram removidos 700 apenados. Foram transferidos para 12 unidades prisionais da Região Metropolitana.
Demolições
Um dos prédios mais antigos do Presídio Central, responsável por abrigar cerca de 300 presos, o Pavilhão F, começou a ser demolido no dia 23 de maio de 2023. O pavilhão F era originalmente o Hospital Penitenciário, desativado em 1999. A demolição dele e do pavilhão A levou à transferência de 529 presos para unidades da Região Metropolitana.
Troca de guarda
Em 31 de agosto do ano passado, a Brigada Militar deixou o Central após 28 anos coordenando a casa prisional. A despedida ocorreu em ato solene, que reuniu o grupo de 180 brigadianos remanescentes da missão, que interrompeu série de rebeliões em 1994 e deveria ter durado 180 dias
A troca da guarda teve ato simbólico, com a retirada dos policiais militares e ingresso dos agentes da Polícia Penal do Estado, igualmente em marcha, diante das colunas do antigo prédio administrativo.
Sem presos
Em dezembro do ano passado, o Presídio Central foi totalmente desocupado para a sequência da construção de novas galerias. As transferências dos presos remanescentes se iniciaram em 21 de novembro, totalizando 896 apenados.
Desde a primeira operação em 2022, foram transferidas 1.980. Os presos foram encaminhados principalmente para a Penitenciária Estadual de Charqueadas 2, inaugurada ano passado.