Um dia antes de embarcar com família e amigos para uma viagem de verão no sul do Estado, Evandro (nome fictício), 35 anos, só precisava acertar alguns detalhes: onde iria retirar a chave da casa alugada e quando faria o restante do pagamento da estadia no local. Ao mandar mensagem ao "proprietário" do imóvel, com quem já tinha firmado contrato, foi imediatamente bloqueado.
Morador de Pinheiro Machado, o comerciante havia alugado uma casa em São Lourenço do Sul. Ele iria com a família e dois casais de amigos e ficariam três dias no local.
— Um dia antes da viagem, fui bloqueado. Mandei mensagem só para combinar últimos detalhes, ver onde pegava as chaves, combinar o restante do pagamento, mas nem me responderam. Foi um transtorno porque já estava tudo certinho, todo mundo tinha combinado as folgas do trabalho para viajarmos juntos. E aí tive um dia para achar outro lugar para ficarmos — diz a vítima.
Esse tipo de ação é conhecida como golpe do falso aluguel. O prejuízo foi de R$ 240, o valor de uma diária e mais R$ 40 da confecção do suposto contrato, valor adiantado a pedido do criminoso, para garantir a reserva. O restante seria pago quando os veranistas chegassem à casa.
A conversa entre os dois começou depois que o comerciante fez uma postagem em rede social, dizendo que procurava por uma casa em São Lourenço do Sul. Depois, recebeu o contato do criminoso, entre outras pessoas que ofereciam estadia.
Documentação "perfeita"
O comerciante conta que, justamente para evitar um possível golpe, pediu documentos ao suposto proprietário. Recebeu fotos de contas de luz e de água, além de um contrato para a estadia.
A exigência desse último documento foi do próprio golpista. Em mensagens, ele chegou a dizer que: "Contrato é segurança minha e sua, já tive alguns problemas que não pude cobrar (do hóspede) por esse motivo".
— Ele me mandou a própria localização, que mostrava que ele estava na casa, me enviou fotos dentro do imóvel, contas, tudo. Agora sei que era tudo editado, mas na hora tu não percebes, era bem feito, estava tudo perfeito — lembra a vítima.
Depois que foi bloqueado pelo golpista, um dia antes da viagem, a vítima conseguiu uma indicação de estadia no mesmo município de destino, vinda de uma conhecida. Assim, a viagem acabou saindo.
Após o episódio, o comerciante registrou boletim de ocorrência e redobrou os cuidados ao reservar locais para ficar.
— Agora só com indicação ou se pudermos pagar a estadia já na hora de pegar a chave. Tu fica ressabiado, não tem como saber se a pessoa está te falando a verdade. Esse cara tinha me mandado tudo, contas, fotos, e mesmo assim era golpe. Agora tomamos ainda mais cuidado.
Grupo foi identificado
O caso aconteceu em janeiro de 2023, mas segue se repetindo no Estado, especialmente durante o período de veraneio, quando mais pessoas buscam por aluguel por temporada. Conforme a Polícia Civil, o mesmo grupo que aplicou golpe no comerciante fez ao menos mais 12 vítimas no Estado.
A quadrilha estaria aplicando os golpes ao menos desde dezembro de 2022 (quando a investigação foi aberta), e também fez vítimas no verão de 2023/2024. Com vítimas de diversas partes do Estado registrando ocorrências, a Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações (DRCID) — que pertence ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) — passou a apurar quem seriam os autores do delito.
Foram identificadas oito pessoas que participavam dos golpes, sendo que cinco delas estão presas e atuavam de dentro das celas — todos os envolvidos têm passagem por tráfico de drogas.
A investigação policial resultou em uma operação realizada na última quinta-feira (4), que cumpriu oito mandados de busca e apreensão contra os investigados. As medidas foram cumpridas em Bagé, principalmente dentro de uma galeria do Presídio Regional, e em Caçapava do Sul, em residências de outros membros da quadrilha. A ação resultou na apreensão de documentos e aparelhos eletrônicos que devem ajudar no avanço da investigação. Somente no presídio de Bagé foram apreendidos 30 celulares, que passarão por perícia.
Estelionatos em queda
Apesar de golpistas seguirem fazendo vítimas, os registros por estelionato indicam diminuição de casos no RS. O mês de março deste ano contabilizou 5.955 registros, o que representa uma queda de 29% em relação ao mesmo período de 2023, que teve 8.397. No acumulado do primeiro trimestre desse ano foram 19.841 registros, 13% a menos do que os 22.864 somados no período de 2023.
O delegado João Vitor Herédia, que comanda a DRCID, afirma que um dos motivos para a queda é o trabalho ofensivo da Polícia Civil, que tem atuado "incisivamente e semanalmente" em operações focadas em "combate de todos os tipos de golpes e defraudações". Além do golpe do aluguel, ele cita ações contra o chamado golpe os nudes e também contra clonagem de contas de WhatsApp.
— Quando os criminosos veem uma atuação firme e constante da polícia, tendem a tirar um pouco o pé do acelerador. A queda também está ligada à maior conscientização das pessoas, até pelo trabalho preventivo de conscientização feito pela polícia. Elaboramos cards, materiais com informações de como evitar cair em golpes — diz Herédia.
O delegado acredita que a subnotificação desse tipo de crime não seja alta, já que vítimas que tiveram receio ou medo de irem a delegacias podem fazer registros online.
Veja dicas para evitar golpes
- Criminosos criam falsos sites, semelhantes aos reais, para enganar os usuários. Verifique a URL do site para garantir que seja o oficial. É necessário que o endereço, começando com "https", exiba um cadeado. Não acesse links na internet cuja segurança não seja garantida. Desconfie.
- Não acredite em lucro fácil ou vantagens que pareçam muito atrativas. Essa é a principal estratégia dos golpistas para atrair vítimas. Não acredite em desconhecidos que lhe abordam na rua ou por telefone.
- Converse com familiares, amigos ou mesmo gerente de banco se tiver desconfiança. Estelionatários tentam criar meios de impedir que a vítima busque orientação, como mantê-la ao telefone, para que não seja alertada.
- Se receber ligação ou mensagem informando ser de sua agência bancária, desconfie se lhe pedirem informações pessoais, códigos ou formas de acessar seu telefone. Desligue e entre em contato com o número oficial do banco ou do gerente, caso tenha acesso.
- Tome cuidado ao imprimir segunda via de boleto em sites e ao fazer compras online. Golpistas podem criar sites falsos para enganar os clientes.
- Não faça depósitos bancários e nem recargas de celulares para quem não conhece.
- No caso dos leilões, verifique se os leiloeiros estão cadastrados junto ao Judiciário. As contas para depósito em leilões oficiais não são de pessoa física ou jurídica e, sim, judicial.
- Se receber contato por telefonema ou mensagem de familiar pedindo ajuda, certifique-se de que é real. Telefone para a pessoa antes de qualquer transferência. Converse com outros parentes antes de fazer qualquer depósito.
- No WhatsApp, habilite a verificação em duas etapas e não forneça esse tipo de código por telefone. O mesmo cuidado vale para outros aplicativos — de compras e bancos — que tenham o recurso de verificação em duas etapas.
- Em alugueis de imóveis, desconfie de preços abaixo do mercado, se o dono exigir adiantamento e tiver pressa para que o depósito seja feito ou mesmo se o proprietário não aceitar atender a ligações ou se recusar a receber visita do locatário, para conferir a casa.
- Ao fazer uma reserva, os viajantes devem dar preferência aos pagamentos seguros, como cartões de crédito ou serviços de modalidade de pagamento online. Evite fornecer informações pessoais, como números de conta bancária, por e-mail ou em sites não seguros.
- Se estiver vendendo algo, não entregue o bem antes de ter certeza de que recebeu o valor do pagamento. Depósitos só são confirmados pelo banco após a conferência do envelope. Então, aguarde para enviar a mercadoria.
- Se for vítima, registre o caso em uma delegacia da Polícia Civil ou pela Delegacia Online. Tente repassar aos policiais o máximo de informações sobre os golpistas.
Fonte: Enetsec e Polícia Civil-RS