É repleto de carinho o relato de quem convivia com João Felipe Alves da Silva, 43 anos. O homem que antes fazia rir os moradores da Restinga, na zona sul de Porto Alegre, parou o bairro desde segunda-feira (11), quando foi baleado e morto durante um assalto. Pai de três filhos, era conhecido por cuidar das pessoas a sua volta, por ser um apaixonado pela profissão de vigilante e pelas piadas que soltava onde fosse.
— Todos ficaram em choque, era conhecido no bairro, um trabalhador — resume uma moradora da Restinga.
A alegria do vigia foi interrompida na segunda, quando ele tentou impedir um assalto a um entregador no bairro Vila Conceição, onde atuava como segurança pela empresa STV. Chegou a render os dois criminosos que praticavam o roubo, mas acabou baleado e morreu no local, na Rua Professor Ildelfonso Gomes, por volta do meio-dia. Nesta terça (12), o corpo dele foi enterrado em Porto Alegre.
Entre os planos que acabaram ceifados, a retomada dos estudos é lembrada pela família. Há algum tempo, incentivado por familiares, Silva havia começado a estudar Direito por conta própria. Queria entender mais sobre a área em que trabalhava, para poder prestar um serviço ainda melhor. Passou a andar com livros por perto, lendo quando tinha um tempo. Com o apoio da esposa e dos filhos, começou a cogitar tentar em uma faculdade. A companheira dele também retomou os estudos há pouco, na área da enfermagem.
Na despedida, feita na manhã desta terça no Cemitério Parque Jardim da Paz, não houve quem não mencionasse a alegria de João Felipe. É descrito como alguém que deixa os turnos de trabalho mais leves, que torna os almoços em família mais divertidos. Vivia contando piadas e planejando alguma pegadinha, segundo os mais próximos.
Um dos alvos era a tia, Maria da Graça Oliveira, 66 anos.
— Todo 1º de abril ele inventava algo. Num desses ele me ligou dizendo: "Oi, dona Maria, teve um problema com a sua aposentadoria, a senhora vai ter de voltar a trabalhar". Ele estava sempre brincando, rindo. Era um homem bom.
Ainda assim, também era do tipo que permanecia firme mesmo diante de problemas mais graves, como quando a família descobriu um câncer da esposa. Ele pedia que a companheira se mantivesse firme, porque compraria "todos os remédios da farmácia", até que ela melhorasse.
Churrasquinho e Grêmio
No velório, durante todo o tempo, ficaram estendidas sobre o caixão uma bandeira do Grêmio e uma do Cobal, time da Restinga, indicando algumas das paixões de Felipão, como era conhecido. O irmão mais velho, Marcelo Alves da Silva, 45 anos, lembra da paixão do vigilante por churrascos, muitos feitos para acompanhar jogos do Tricolor.
Colorado, Marcelo conta que vai passar a torcer pelo rival, pelo irmão.
— Agora, sempre que tiver um jogo do Grêmio, vou estar com a camisa do time, torcendo por ele, até o fim dessa vida — emociona-se.
Silva também tinha carinho por outro time, o Cobal, da Restinga. Ele participava e ajudava em festas de fim de ano e em vaquinhas para arrecadar verba para comprar chuteiras para jogadores. Quando criança, jogava no time.
De família simples, Silva tinha duas irmãs e três irmãos homens. Ele nasceu na Capital e morava perto da maior parte dos familiares, inclusive dos pais.
Era um amante da profissão, em que atuava há mais de 10 anos. Na função, conseguia cuidar dos outros, como gostava.
— Ele trabalhava no bairro há uns seis, sete meses. A vizinhança já gostava dele, confiava nele. Quando iam viajar, avisavam para ele dar uma olhada na casa. Ele cuidava de todo mundo, acompanhava as pessoas que saíam do ônibus até em casa, sabia os horários. O pessoal ia na guarita dar oi para ele — lembra o irmão Rafael Alves da Silva, 41.
Na volta para casa, também encontrava carinho. Além de esposa e filhos, os cachorrinhos de estimação sempre o aguardavam na porta da residência.
— Ele foi um herói. Para mim, para quem ele ajudou. Um homem bom, que comoveu todas as pessoas que o conheceram. Encheu esse local de pessoas, todas vindo se despedir. Ele é um herói sem dúvidas — resume a cunhada, Evelise Farias da Silva Benites, 48.
Dupla foi presa
Após o crime, os dois homens suspeitos pela ação foram presos pela polícia em Viamão. Eles têm 21 e 27 anos e possuem antecedentes criminais.
A investigação segue em andamento e é conduzida pela delegada Vivian do Nascimento, que responde interinamente pela 6ª Delegacia de Polícia. Cinco testemunhas, entre elas o entregador vítima do assalto e moradores da região, foram ouvidas.