Às vésperas do aniversário de 90 anos, o ex-vereador José Wilson da Silva foi assassinado a tiros na noite de 10 de dezembro de 2021. Encerrou-se ali a trajetória do ex-exilado, presidente da Associação dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Rio Grande do Sul. O cenário do crime foi a casa onde ele vivia, na Rua Paissandu, no bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre. O caso, que inicialmente foi tratado como um assalto com morte, teve reviravoltas, e resultou na acusação da companheira do político. Pouco mais de dois anos depois, a Justiça está perto de definir se a mulher e outros três réus irão a júri pelo homicídio.
Aposentado, embora ainda politicamente ativo, o Tenente Vermelho, como era chamado José Wilson, residia somente com a companheira. Iara Araújo de Moraes, 52 anos, havia sido contratada como sua cuidadora, mas os dois passaram a manter relacionamento, segundo amigos próximos ao político. Ouvida logo após o crime, ela descreveu à polícia como a morte teria acontecido. A mulher sustentou que o companheiro havia sido morto durante um assalto.
Iara relatou que estava dormindo no quarto quando ouviu barulho de chave em uma porta próxima, de acesso ao quintal da casa. Depois disso, teria acordado o companheiro para que ele fosse verificar do que se tratava. Na sequência, o militar reformado teria pego um facão debaixo da cama e ido em direção a essa porta. À polícia, ela disse que Wilson bateu numa mesa com o facão e perguntou: “Quem está aí?”. Logo depois, teriam acontecido os disparos. No pátio da moradia, o aposentado foi atingido por dois disparos de arma de fogo, um na cabeça e outro no abdômen.
A Polícia Civil investigou o caso ao longo de um ano e concluiu que a morte havia sido encomendada pela própria companheira. A investigação apontou que Iara teria contratado uma quadrilha especializada em roubo de casas para executar José Wilson. A mulher e outras quatro pessoas foram indiciadas pelo homicídio, e uma sexta pessoa foi indiciada por receptação, já que comprou o celular da vítima após o caso.
Segundo a acusação, os três homens que invadiram a residência e mataram a vítima foram Deivid Mussoi Tubino, 31; José Paulo Garcia Pessoa, 34; e Rafael Goulart dos Santos, 32 —, além da mulher que teria intermediado o contato entre a cuidadora e o grupo, Raquel Krambeck de Azevedo, 49. A polícia pediu à Justiça a prisão de Iara, que foi negada por ela ter mais de 50 anos e não apresentar risco de reincidir no crime. Deivid, que está preso, ainda responde por furto. Rafael também responde ao processo preso.
O processo
O Ministério Público denunciou o grupo pelo crime e, desde então, foram realizadas quatro audiências de instrução, nas quais foram ouvidas as testemunhas e interrogados os réus. Neste momento, o caso aguarda a apresentação das alegações de defesa e acusação, para que então a Justiça possa definir se há elementos ou não para que os réus sejam submetidos ao júri.
Iara atualmente responde por homicídio triplamente qualificado, enquanto Raquel, Rafael, Deivid e José Paulo respondem por homicídio duplamente qualificado. No caso de José Paulo, a Justiça decidiu dividir o processo, já que ele não foi localizado até o momento para ser citado. Em razão disso, o processo se encontra suspenso, até que o réu seja localizado e constitua defesa.
Responsável pela acusação, a promotora de Justiça Luciane Wingert, enviou manifestação na qual afirma que “acredita que os acusados sejam levados a julgamento pelo Tribunal do Júri nos termos da acusação que detalhou a participação de cada um dos envolvidos no homicídio da vítima”.
Motivação financeira
No entendimento da Polícia Civil, o crime foi planejado com intuito de que a companheira tivesse benefícios financeiros com a morte de José Wilson. Na época da conclusão da investigação, a delegada Isadora Galian, então responsável pela 1ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Capital, afirmou que Iara acreditava que a vítima receberia uma soma em dinheiro em relação à anistia e tinha conhecimento de que ele tinha um alto valor de pensão, que era sua aposentadoria.
— Queria passar esses benefícios para si, após a morte. O objetivo era conseguir todo o dinheiro possível para ela — explicou a delegada após concluir o caso.
Já o assalto à moradia teria sido orquestrado para que a quadrilha roubasse dinheiro e objetos de valor da casa, como forma de pagamento pela execução. Conforme a delegada, a vítima mantinha um cofre em casa, com uma quantia que poderia chegar a quase R$ 100 mil — entre dinheiro e cheques — além de uma arma. Segundo a polícia, o plano era que a vítima fosse executada apenas ao final da ação. O objetivo era entrar no local, ir até o quarto onde o idoso dormia e rendê-lo, roubar a casa e depois executá-lo. O assalto acabou frustrado, segundo a polícia, porque Wilson acordou durante a ação.
Conforme a polícia, Iara apresentou diferentes versões ao ser ouvida durante a investigação. Outro ponto que chamou atenção das equipes, desde o dia da morte, é que os assaltantes entraram na casa com facilidade, utilizando a chave do local. O trio passou por três portas — duas delas de ferro, altas — para chegar até a vítima, sem deixar qualquer rastro de arrombamento.
Histórico
Capitão reformado do Exército quando jovem, Wilson ganhou o apelido de Tenente Vermelho por suas tendências de esquerda. Em abril de 1964, após o golpe militar, teve seus direitos políticos cassados. Só voltou ao Brasil com a anistia aos presos políticos, em 1979. Era também presidente da Associação de Defesa dos Direitos e Pró-Anistia dos Atingidos por Atos Institucionais, e liderança reconhecida nacionalmente, sempre presente nas atividades em defesa da Anistia.
Em agosto de 2021, havia viajado a Brasília para debater assuntos relacionados ao tema. Para comemorar o aniversário de 90 anos, Wilson pretendia reunir os amigos em uma churrascaria no bairro Santana. No convite enviado, escreveu que só festejava aniversário de 10 em 10 anos, e, que, portanto, estaria completando seu nono ano, na segunda-feira, dia 13. No entanto, acabou morto três dias antes.
Contrapontos
O que diz a defesa de Deivid Mussoi Tubino
O advogado Marcos Vinicius Barrios dos Santos informou que se manifesta somente nos autos do processo.
O que diz a defesa de Iara Araújo de Moraes
"A defesa de Iara Araújo de Moraes, composta pelos advogados Jader Santos e Olga Popoviche, declaram que o processo encontra-se com a instrução criminal encerrada, aguardando tão somente a apresentação de memoriais defensivos, e posteriormente a prolação da sentença.
Ressaltam ainda, que durante a instrução processual, nada foi produzido ao ponto de comprovar a participação de Iara Araújo de Moraes com os fatos narrados na denúncia. Por fim, esperam a absolvição sumária de sua cliente."
O que diz a defesa de Rafael Goulart dos Santos
O advogado Rodrigo Tamborena Dias, responsável pela defesa de Rafael, sustenta a inocência do cliente.
— Se trata de acusação lastreada em frágeis indícios e provas de qualidade fraca. O conjunto probatório nos dá a convicção na inocência de Rafael, carecendo o processo de qualquer prova idônea de autoria do crime por parte do meu cliente. A defesa reafirma a confiança na Justiça e de que, ao final, a verdade será restabelecida com a absolvição do Rafael — afirmou.
O que diz a defesa de Raquel Krambeck de Azevedo
GZH entrou em contato com a advogada Arima Pires, uma das responsáveis pela defesa, que informou que em manifestação que “ratifica os termos exarados pelo representante de Rafael e reafirma que fará o possível dentro do que permite a lei para provar a inocência dela”.