O Brasil fechou o ano de 2023 com 40.464 assassinatos registrados, o menor número desde 2010. Os casos abrangem homicídio doloso, latrocínio, feminicídio e lesão corporal seguida de morte — são os chamados Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs). Na comparação com 2022, que contabilizou 42.190 mortes, a queda foi de 4%. Em relação a 2010, que teve 46.363 assassinatos, a redução no ano passado foi de 13%. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Desde 2010, o ano com mais registros de assassinatos foi 2017, com 59.523 homicídios — nesse caso, o recuo em 2023 foi mais significativo, de 32%.
O Rio Grande do Sul segue a tendência de queda. Em 2023, foram 1.638 registros de homicídio doloso, 7% a menos do que os 1.761 casos anotados em 2022. Já nos latrocínios, o recuo foi de 24% (de 53 para 40 casos), enquanto nos feminicídios, foi de 22% (de 111 para 87). Por outro lado, as tentativas de homicídio tiveram ligeiro aumento no Estado, de 3% — passando de 2.546 registros em 2022 para 2.614 em 2023.
Especialista em Segurança Pública e doutor em Políticas Públicas, o advogado Alberto Kopittke lista uma série de fatores que teriam contribuído para a queda de registros de crimes no país. Entre eles, a modernização das polícias e a melhoria de suas estratégias.
— Muitos Estados têm conseguido melhorar e modernizar as gestões de suas polícias. Há maior integração de bancos de dados e de equipes, incluindo outras instituições, como prefeituras e Judiciário locais, que atuam junto com forças de segurança. Há, ainda, operações de combate a lavagem de dinheiro, mudanças de estratégias. As polícias vêm se aprimorando. O resultado são as quedas dos últimos anos, que vemos em diversos Estados — diz o especialista, que também é diretor executivo do Instituto Cidade Segura.
Kopittke também pontua que a redução do número de jovens no país se reflete na redução de crimes, já que este é o grupo mais vulnerável para cometer delitos ou ser vítima deles. Além disso, afirma que o aumento do número de jovens ingressando no Ensino Médio, que antes haviam largado os estudos, também ajuda a reduzir a violência no Brasil.
Outro fator apontado pelo especialista diz respeito a uma "trégua" na guerra entre as duas principais facções do país, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os grupos criminosos protagonizaram embate mais sangrento entre 2016 e 2017, em disputa por espaços no Brasil, aliando-se a facções locais dos Estados. Acabaram crescendo e se nacionalizando:
— Depois, entraram em um período menos violento, passaram por uma mudança nos negócios. Foram se profissionalizado e se inserindo como grandes organizações internacionais de tráfico. Se organizaram para focar mais na parte econômica em âmbito nacional, e a guerra diminuiu. É claro que o crescimento desses grupos é algo ruim, mas é um fator que traz, sim, diminuição de crimes nas ruas, como homicídios cometidos entre eles e roubos feitos para levantar dinheiro.
Exemplos no país
O advogado Alberto Kopittke menciona cidades no país que se tornaram exemplo de melhora em índices de segurança. Entre elas, uma no sul do Estado.
— Pelotas é o principal case no país. O trabalho feito lá é muito citado, eles participam de muitos seminários. É dos casos que hoje todo o país conhece, reduziram muito os homicídios, alcançaram um patamar espetacular — enaltece o doutor em Políticas Públicas.
A mobilização em Pelotas começou em 2017, depois que um menino de 12 anos foi ferido com um tiro de raspão na perna. O cenário do ataque foi emblemático para o município: o garoto que caminhava em direção à escola teve seu trajeto interrompido por um ataque ordenado pelo crime organizado, que disputava, à luz do dia, pontos de tráfico de drogas.
Naquele mesmo ano, a prefeitura aderiu a um plano de segurança pública, chamado Pacto Pelotas pela Paz. A meta era derrubar crimes violentos, como os homicídios, e proteger a juventude, que figurava entre os que mais morriam e os que mais matavam. No primeiro semestre de 2017, 22% das 59 vítimas eram jovens. Seis anos depois, Pelotas conseguiu fazer esse número despencar: no primeiro semestre de 2023, somente uma (6,25%) das 16 vítimas tinha até 21 anos.
Além de criar estratégias de enfrentamento aos grupos criminosos e integrar o trabalho entre forças de segurança, o município implementou diferentes programas focados nos jovens. Foram desenvolvidos projetos de incentivo ao esporte, de desenvolvimento de habilidades para estimular o comportamento empreendedor, para diminuir a redução do abandono escolar, de preparação de adolescentes para o mercado de trabalho e para a construção de um projeto de vida.
Pelotas também chamou os pais para essa conversa, buscando garantir que as crianças cresçam em lares seguros. Até agosto de 2023, cerca de 800 cuidadores receberam orientações sobre educação sem violência, com diálogo e afeto. O município entendeu que o exemplo dado dentro de casa, criando relações saudáveis e de confiança, reduz a chance de a criança reproduzir atos violentos no futuro.
A cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, também apresentou queda nos indiciadores de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública. Em relação aos homicídios dolosos, o ano de 2018 registrou 112 casos, uma baixa de 69% em relação a 2023, que teve 35 registros. Já os registros de roubos de rua foram de 4.891 em 2018 para 1.152 em 2023, uma baixa de 76%.
A cidade carioca também uniu esforços para diminuir a violência. Em 2017, nasceu o Programa Niterói Presente, que contou com uma série de investimentos em pessoal, equipamentos, viaturas, tecnologia e ação integrada de forças de segurança, além de prevenção.
Queda nos indicadores gaúchos
Conforme o Executivo gaúcho, assim como no Brasil, o RS registrou, em 2023, o menor número de assassinatos desde 2010 — entram neste índice casos de homicídios, latrocínios e feminicídios. É a primeira vez que o Estado encerra o ano com menos de 2 mil vítimas destes delitos — foram 1.981.
Em relação aos homicídios, 2023 teve queda de 7%: foram 1.638 casos contra 1.761 em 2022. A redução é maior na comparação com anos passados, como 2017, considerado o pico da série histórica, em que foram contabilizados 3.004 homicídios, quase o dobro do registrado em 2023.
O programa RS Seguro é um dos fatores considerados importantes para a redução da criminalidade nos últimos anos. Criado em fevereiro de 2019, consiste em reunir integrantes de diferentes setores — como prefeituras, governo do Estado, Ministério Público e Judiciário, além das forças de segurança — em reuniões periódicas de debate. Nos encontros, são definidas estratégias de ações e prevenção, com base nos indicadores criminais dos municípios com mais registros de delitos.
— O RS é outro exemplo bem falado entre Estados do país, com essa gestão integrada da segurança pública, que olha indicadores cidade a cidade. Onde essa estratégia foi implementada, se vê que os números caíram de forma significativa. O Espírito Santo também teve quedas históricas, fazendo intervenções também em comunidades mais vulneráveis, o que chama de "Estado presente". Santa Catarina é outro exemplo de modernização das polícias que trouxe bons resultados — diz Kopittke.
À frente da Secretaria da Segurança Pública do RS, Sandro Caron destaca ainda outros fatores que teriam contribuído para a redução no indicadores de criminalidade:
— Sempre destaco o empenho de homens e mulheres da área no combate as atividades criminosas. Outra importante ação é a de combate ao crime organizado, com apreensões de armas, dinheiro, veículos e imóveis, além de bloqueio de contas ligadas ao crime para fazer a asfixia financeira das quadrilhas. Essas apreensões são resultado das ações policiais qualificadas desenvolvidas com a integração entre as forças de segurança.
Crime contra mulher é desafio
Apesar da queda significativa em crimes violentos, a ameaça à vida de mulheres segue desafiando forças de segurança no Brasil e no mundo. Crime que exige conscientização e mudança de cultura para ser combatido, o feminicídio ocorre quando a mulher é morta em contexto de gênero.
No RS, o crime de feminicídio apresentou uma redução de 22% em 2023, ano que contabilizou 87 mortes de mulheres, contra 111 em 2022. No entanto, no comparativo com 2020, que teve 80 casos, o número cresceu 9% em 2023.
— É desafiador por ser um crime que acontece majoritariamente no ambiente familiar. Por isso, as forças de segurança têm diversas iniciativas para incentivar que a mulher busque ajuda nos primeiros sinais de alerta. O Programa de Monitoramento do Agressor é a política pública mais recente neste sentido, mas temos também as Patrulhas Maria da Penha da Brigada Militar, as Delegacias da Mulher, as Salas das Margaridas e a Delegacia Online da Mulher, que são ações da Polícia Civil para fomentar a defesa da mulher no Estado — destaca o secretário Caron.
Ele ressalta ainda o disque-denúncia da SSP (181), o contato da Polícia Civil (197) e o serviço de emergência da Brigada Militar (190), como "canais de atendimento especializado para quem foi vítima ou presenciou uma situação de violência em qualquer lugar do Estado".