Estudo do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) produzido pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) aponta que as duas mais expressivas organizações criminosas do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), mantêm células em penitenciárias de 25 dos 27 Estados brasileiros, exceto no RS e no Amapá (veja no mapa abaixo).
Para o secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Sandro Caron, os dois grupos incluídos no estudo do governo federal não teriam interesse em empreender operações em território gaúcho, sobretudo, pela posição geográfica do Estado.
— A grande operação destas facções nacionais não é o varejo da droga. Embora controlem o tráfico no centro do país, o principal negócio delas é a venda de cocaína em grandes quantidades, da Colômbia, do Peru e da Bolívia, para a Europa, tendo como pontos logísticos os portos de Santos (SP) e do Nordeste — explica Caron.
Isso não significa, de acordo com o secretário, que estas organizações não tenham ambição de ampliar seu espectro territorial avançando operações em solo gaúcho.
— Não baixamos a guarda nunca. Há permanente monitoramento realizado pelo nosso setor de inteligência, que identifica a existência de conexões em negócios ilícitos. Em nossa visão, já passou da hora de uma ação integrada entre União e Estados para enfrentar estes grupos que, na verdade, são transnacionais, extrapolando os limites do território brasileiro — analisa Caron.
Penitenciárias
A Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) reconhece que existem pessoas privadas de liberdade que se identificam com as "organizações citadas", porém sem representação perante a massa carcerária. Conforme o superintendente Mateus Schwartz dos Anjos, as organizações criminosas gaúchas têm expressivo vínculo territorial e têm a sua estrutura baseada onde os indivíduos nasceram e cresceram, impossibilitando que grupos externos exerçam representação ou articulação no sistema prisional gaúcho.
— Atualmente há o mapeamento de 23 grupos criminosos no Estado. Por motivos de segurança, a Susepe não pode divulgar quais facções são consideradas mais representativas — revela Schwartz.
De apoio logístico e empréstimo de mão de obra a fornecimento da droga
Apesar do dado levantado pelo relatório do Ministério da Justiça e Segurança Pública, autoridades policiais do Rio Grande do Sul consideram que a existência de laços de PCC e CV com facções gaúchas é uma realidade.
— As alianças com Facções Gaúchas, foram apuradas. Relatórios da nossa inteligência revelam que apenados se identificam como integrantes do PCC, mas não se utilizam dessa condição quando em liberdade. Pode ser que para expressar poder, mas o Denarc está continuamente acompanhando essas movimentações envolvendo as facções criminosas. Há situações que indicam apoio logístico, empréstimo de mão de obra, por parte de facções gaúchas, principalmente uma com origem no Vale dos Sinos, que é a mais expressiva no RS. As informações são consistentes no sentido de que o PCC é o grande fornecedor de cocaína às facções aqui do Estado — descreve o diretor de Investigações do Departamento Estadual de Investigação do Narcotráfico (Denarc), delegado Alencar Carraro.
Além do tráfico de drogas, a conexão entre grupos locais e nacionais também se manifesta em investigações de roubos e furtos a banco e extorsão mediante sequestro.
— A gente já percebeu pessoas que possuem uma íntima relação com estas facções. Em especial, com o PCC. Não percebo diretamente a prática de crimes capitaneados por eles, mas a vinculação dos criminosos que atuam nestas facções, em alguns segmentos de crimes, é evidenciada nas investigações, seja pela presença deles em locais onde o PCC atua, em contas vinculadas à lavagem de capitais, em anotações apreendidas — comenta o delegado João Paulo de Abreu, titular da 1ª Delegacia de Polícia de Repressão a Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Prisões como espaços centralizadores de oportunidades de conexões
Pesquisadora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autora do livro Os Coletivos Criminais de Porto Alegre entre a Paz na Prisão e a Guerra na Rua, Marcelli Cipriani observa que a formação do PCC e do CV, que são as duas únicas facções com abrangência nacional no Brasil, assim como as relações que estabeleceram entre si e em outros Estados, foram costuradas dentro de unidades prisionais.
— Não por coincidência, as sucessivas transferências de seus integrantes, especialmente na década de 1970, no Rio de Janeiro, e nos anos 1990, em São Paulo, foram fatores determinantes à decorrente pulverização desses grupos. Em qualquer escala, dentro de uma cidade, em um Estado, ou entre Estados de um mesmo país, a prisão foi e segue sendo um local centralizador de oportunidades para o estabelecimento de acordos, colaborações e alianças que repercutem nos mercados ilícitos e em suas dinâmicas urbanas — diz.
Expansão como efeito colateral
Marcelli destaca que esta condição adquiriu uma dimensão ainda mais ampla por meio da intensa movimentação de presos no sistema federal, o que fortaleceu relações entre essas grandes facções e grupos locais, menos estruturados, nativos de vários outros Estados.
Porém, conforme a pesquisadora, diferentemente do que ocorreu em Santa Catarina e no Paraná, onde estes grupos se firmaram bastante cedo, as transferências de presos do PCC e do CV foram quase nulas no Rio Grande do Sul.
— A expansão do PCC e do CV pelos Estados brasileiros já é uma constante. O que varia, em cada um deles, é o modo como ela manifesta: seja com a presença em unidades prisionais e com a participação no varejo, que pode implicar o estabelecimento de regimes de aliança ou conflito diante de grupos locais; seja com a atuação no atacado, expressa pelo fornecimento de drogas e pela inserção de outras coletividades em amplas redes comerciais e de colaboração mútua — explica.
Para a pesquisadora, embora tais dinâmicas respondam a questões estruturais, como a progressiva faccionalização do crime, há particularidades que devem ser levadas em conta para análise e planejamento de segurança em cada Estado.
— Com a eliminação ou absorção de gangues e quadrilhas menores, o modo como grupos locais coexistem em cada contexto, compõem ou antagonizam com as duas facções nacionais é marcadamente atravessado por suas características urbanas, prisionais, policiais e criminais — pontua.