No amanhecer de 29 de agosto desse ano, uma ação coordenada entre autoridades de Segurança Pública do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, com suporte do Ministério Público (MP) e autorizações da Justiça, prendeu 65 pessoas suspeitas de integrar um complexo sistema de crime organizado. As evidências apontavam para uma rede de delitos, com detalhamento sobre participação e posição na hierarquia do grupo, cujos líderes, segundo o Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), mantinham imagem de empreendedores e frequentavam a alta sociedade em Torres.
Com base neste referencial, a operação foi intitulada "Turrim" — torre em latim. Teve como alvos principais dois irmãos empresários, um deles vinculado ao ramo imobiliário e o outro ao setor da gastronomia no município que estabelece divisa com o Estado vizinho. Conforme a polícia, eles seriam comandantes, em associação com um apenado, no controle do tráfico de entorpecentes em territórios no litoral norte gaúcho e no sul de Santa Catarina.
— A Polícia Civil realizou uma investigação completa. Cumpriu os prazos e, pela consistência das provas produzidas, antecipou a remessa do inquérito ao Poder Judiciário. Foi uma operação histórica para o Denarc, que proporcionou uma resposta de segurança para as comunidades assoladas pelos crimes praticados por este grupo — define o diretor de Investigações do Denarc, delegado Alencar Carraro.
No relatório de sua decisão sobre o Habeas Corpus, o desembargador Sandro Luz Portal reconhece que a investigação "apurou a possível existência de uma associação criminosa armada voltada para a prática de homicídios, tráfico de drogas, associação para o tráfico, posse e porte ilegal de armas de fogo e de munições, com atuação de 65 investigados, robusta e intensa no Município de Torres e seu entorno, inclusive abarcando locais no Estado de Santa Catarina".
O magistrado destaca o "flagrante excesso de prazo para o oferecimento da denúncia, por fatores não imputáveis à defesa, e que já fazem a custódia pessoal perdurar além do razoável". Os investigados ficaram presos por cerca de três meses, "sem que tenha sido oferecida denúncia até o presente momento", aponta a decisão.
Na descrição dos atos processuais, o desembargador anota que duas prorrogações foram concedidas ao Ministério Público, pelo Judiciário, ampliando o prazo de análise para a definição sobre a denúncia em cerca de 40 dias desde a apresentação do inquérito policial.
"Impõe-se reconhecer, na espécie, flagrante excesso de prazo para o oferecimento da denúncia, por fatores não imputáveis à defesa, e que já fazem a custódia pessoal perdurar além do razoável. Verifica-se que o paciente se encontra segregado há aproximadamente três meses, sem que tenha sido oferecida denúncia até o presente momento", sustenta o magistrado, em sua decisão. "Diante de tal quadro, a manutenção da segregação à título de prisão cautelar, na hipótese em apreço, mostra-se excessiva frente à garantia da razoável duração do processo", conclui.
A decisão foi concedida em favor de um dos investigados e estendida, no mesmo ato, aos demais 64 implicados nos indiciamentos do inquérito policial.
Ministério Público se posiciona
Por nota, o Ministério Público informa ter conhecimento da complexidade do caso, que resultou na maior operação policial realizada este ano no Estado.
"A dimensão do fato demandou maior tempo para análise do inquérito policial. Ao fazê-lo, baseado na análise de dados decorrentes da operação, o promotor de Justiça de Torres, Diogo Hendges, entendeu que o crime cometido é de organização criminosa, cujo processamento e julgamento competem exclusivamente à Vara Estadual de Processo e Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro de Porto Alegre, postulando ao juízo de Torres que fosse declinada a competência para referida Vara da Capital, o que foi acatado pelo Juízo", diz a nota.
Em seu texto, o MP admite que nesse ínterim, as defesas dos acusados ingressaram com habeas corpus pedindo a soltura dos investigados, o que foi deferido pelo Tribunal de Justiça, mesmo com parecer contrário do Ministério Público assinado pelo procurador de Justiça Airton Aloisio Michels, que destacou a gravidade dos fatos cometidos.
"Mas é importante ressaltar que alguns dos acusados continuam presos por força de outros processos pelos quais respondem na comarca de Torres. Evidentemente, a liberação dos investigados não significa que os mesmos não venham a ser responsabilizados criminalmente pelos atos praticados", pontua a nota.
Tribunal de Justiça emite manifestação
O Departamento de Comunicação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) informou que os atos transcorrem em segredo de Justiça e as manifestações restringem-se aos atos processuais.
Na mesma decisão que arbitrou pela soltura dos 65 investigados, a Justiça manteve bloqueadas as contas bancárias e imobilizado o patrimônio considerado proveniente de crimes, sustentando que "encontra-se solidamente fundamentada, apontando os dados probatórios que indicam serem oriundos do exercício da atividade criminosa".
Com mais de um ano de trabalho, apuração gerou 132 ordens judiciais
A investigação teve partida em diligência da Delegacia de Polícia de Torres, em junho de 2022. o desenvolvimento das investigações somou a participação da 2ª Delegacia do Departamento de Investigações do Narcotráfico do Denarc e divisões da Polícia Civil catarinense. Produziu 132 ordens judiciais, entre mandados de prisão preventiva e temporária, buscas, apreensões, sequestro de veículos e bloqueio de contas bancárias. Cerca de 40 armas foram recolhidas com os investigados.
A operação ocorreu de forma simultânea em Torres, Mampituba, Três Cachoeiras, Morrinhos do Sul, Capão da Canoa, todas no Litoral Norte, além de Porto Alegre, Cachoeirinha, Viamão e Alvorada, na Região Metropolitana; São Leopoldo, Novo Hamburgo, Campo Bom e Estância Velha, no Vale do Sinos; e Lajeado, no Vale do Taquari. Um mandado foi cumprido na Penitenciária Modulada de Montenegro, no Vale do Caí.
Em Santa Catarina, os mandados foram executados em Passo de Torres, Praia Grande, São João do Sul e Araranguá. As investigações conectaram os supostos comandantes do grupo a cinco homicídios.
Um deles, de acordo com o inquérito, ocorreu no dia 8 de abril de 2022, tendo com vítimas Diônatan Henrique Custódio Franco e Bruno Josian Custódio Franco, "conhecidos por atuar no tráfico de drogas na região", aponta a relatório do desembargador Sandro Luz Portal.
As autoridades definem que os irmãos foram vítimas de homicídio doloso, "depois que indivíduos, que vestiam roupas da Polícia Civil, se aproximaram do local onde os ofendidos se encontravam e efetuaram disparos de arma de fogo que culminaram no óbito de ambos". A investigação implica como mandantes um dos irmãos empresários investigado e o apenado que seria sócio nos negócios ilícitos do bando.