A execução de um idoso de 70 anos a tiros em abril do ano passado em Alvorada, na Região Metropolitana, é um dos crimes atribuídos pela Polícia Civil a uma facção alvo de operação nesta terça-feira (31). A vítima, segundo apuração do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), não cedeu à pressão de criminosos para entregar ao tráfico de drogas a casa onde vivia. O assassinato teria sido uma forma de retaliação dos criminosos.
Durante a Operação Faciem, desencadeada nesta manhã, cerca de 250 policiais civis e militares cumprem 35 mandados de busca e apreensão na Grande Porto Alegre. Os municípios nos quais são realizadas buscas são Alvorada, Porto Alegre, Gravataí, Viamão e Canoas. Ao longo das investigações, 14 pessoas foram presas e dois adolescentes foram apreendidos. Durante a ação desta terça-feira, foram presas oito pessoas — sendo sete em flagrante e um homem que estava foragido.
Segundo a Polícia Civil, o grupo criminoso é suspeito de ter cometido pelo menos 16 homicídios e três tentativas de execução desde abril do ano passado. A ação busca desarticular parte da estrutura da organização criminosa, e encontrar provas contra suspeitos dos assassinatos e de envolvimento com o tráfico de drogas. Num dos locais, no Centro Histórico, em Porto Alegre, policiais fizeram buscas num prédio que estaria sendo usado pelo tráfico como ponto de armazenamento e distribuição para os arredores. No local, segundo a polícia, foram apreendidas drogas — a quantidade ainda não foi contabilizada.
Um dos casos no centro da investigação é o assassinato do idoso, no bairro Umbú. Em 25 de abril de 2022, Adão Guimarães de Souza, 70 anos, foi executado na Rua dos Gaúchos. O aposentado, sem antecedentes criminais, foi alvejado por uma sequência de disparos. Durante a investigação, para entender a motivação do crime, a polícia descobriu que bandidos vinham pressionando a vítima a vender a casa.
— Inicialmente, eles queriam comprar a casa, num valor bem abaixo do valor de mercado, e ele teria se recusado a vender. Eles passaram a efetuar as ameaças de morte. Ele costumava ficar na frente da residência, sentado, e o pessoal da facção passou ali e executou esse idoso — diz o delegado Edimar Machado, titular da Delegacia de Homicídios de Alvorada.
O intuito dos criminosos seria usar a residência como ponto de tráfico de drogas. A polícia indiciou cinco suspeitos de envolvimento neste crime — um deles foi preso.
— Foi uma pessoa da comunidade atingida pelo crime organizado. O crime foi esclarecido, e agora, com a operação de hoje, buscamos causar prejuízo a essa facção. É importante destacar, por outro lado, que Alvorada vive um momento de queda dos homicídios, mas as mortes ainda são comandadas pela mesma facção. Por isso, é tão importante fechar esses inquéritos — diz o delegado Mario Souza, diretor do DHPP.
A ação desta terça-feira contou com apoio da Brigada Militar no cumprimento dos mandados. Cães farejadores foram empregados para auxiliar na procura de entorpecentes.
— Nós estamos aqui para dar uma resposta às organizações criminosas que insistem em cometer crimes violentos contra pessoas, com muitas vezes extorsão ou matar pelo simples fato de a pessoa não querer repassar aquele imóvel, o que é muito grave — disse o coronel Márcio de Azevedo Gonçalves , comandante do Comando de Policiamento Metropolitano.
Criança baleada
Além desse homicídio, a polícia atribui à facção outros crimes ocorridos em Alvorada. Um deles aconteceu em 24 de abril deste ano, no bairro Tijuca. Um homem de 39 anos foi assassinado a tiros, na Rua Lima e Silva. A vítima estava na calçada, quando bandidos se aproximaram num veículo e começaram a atirar. Os tiros atravessaram as paredes de uma residência próxima e atingiram uma criança de sete anos e uma mulher, que não tinham relação com o alvo do crime. As duas foram baleadas nas pernas, sem gravidade.
— Foram muitos disparos, era uma casa de madeira, e acabaram acertando essa senhora e a criança — explica o delegado Edimar Machado.
Em janeiro deste ano, o mesmo grupo estaria envolvido em outro homicídio, no bairro Onze de Abril. Um homem de 59 anos, identificado como um usuário de drogas, foi executado com diversos disparos de arma de fogo, no meio da rua. A região seria dominada por uma facção rival ao grupo investigado, segundo a polícia. Câmeras de segurança do município registraram a dinâmica do crime.
No vídeo, é possível ver o momento em que três homens chegam ao local num veículo branco. Dois deles desembarcam e passam a atirar na direção de um homem que está no meio da rua. Uma mulher escapa correndo dos disparos. Os atiradores se aproximam e recarregam as armas repetidas vezes, atirando contra a vítima, que está caída no meio da rua. Um dos bandidos usa um celular para gravar a ação. O mesmo executor ainda chuta a vítima no fim da ação. Os criminosos abandonam o veículo e fogem em seguida.
— Durante essas investigações de homicídios, começamos a juntar material que levou a essa nova ação realizada hoje, que tem como objetivo atacar a organização criminosa por trás desses crimes — diz o titular da Delegacia de Homicídios de Alvorada.
Boicote a entrevistas
Na última sexta-feira (27), em assembleia da Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul (Asdep) a categoria decidiu interromper o fluxo de entrevistas e detalhes divulgados à imprensa sobre operações policiais (inclusive o número de prisões). A medida é uma forma de tentar pressionar o governo do Estado a receber os servidores para negociar reajuste salarial.
Nesta terça-feira, as informações ainda foram divulgadas e inclusive chegou a ser realizada coletiva de imprensa. Outros departamentos também divulgaram informações sobre operações realizadas. Segundo os delegados, o entendimento é de que a decisão passa a valer a partir desta quarta-feira (1º), quando o boicote deve ter início.
À frente do DHPP, responsável pela operação desta terça-feira, o delegado Mario Souza afirmou após a coletiva que aguarda para saber como será o andamento a partir de agora.
— Existe a orientação da Associação dos Delegados, neste sentido, que vocês já têm conhecimento. Hoje foi um dia absolutamente normal. A partir de amanhã, que é a data que tivemos ciência, vamos aguardar as orientações de como vai acontecer esse fluxo de informações — disse.
Sobre o tema, a Polícia Civil divulgou nota na qual afirma que "respeita a manifestação da Associação dos Delegados de Polícia do RS (Asdep), assegurando, contudo, o direito dos cidadãos à informação sobre suas ações, já que atividades de uma instituição de Estado, não será prejudicado. A Comunicação da Polícia Civil seguirá à disposição da imprensa para divulgar informações sobre os fatos criminais e os trabalhos realizados, os quais têm resultado na redução constante da criminalidade em todo o Estado, no âmbito da estratégia traçada pelo programa RS Seguro. A chefia da instituição, bem como a gestão da Secretaria da Segurança Pública, reforça a disposição para o diálogo permanente com a categoria."
A facção
O grupo alvo da operação tem berço no bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre. A facção possui ramificações em diversos municípios do Estado. Segundo a Polícia Civil, há cerca de dois anos uma liderança que comanda o tráfico de drogas no centro da Capital estendeu seus domínios para o bairro Umbú, em Alvorada, resultando em diversos homicídios principalmente contra membros da facção rival. No município da Região Metropolitana, a facção é apontada como responsável por controlar a maior parte do tráfico de drogas.
Durante as investigações, mandados de busca e apreensão já tinham sido cumpridos. Parte deles no Complexo Penitenciário de Charqueadas, na cela do homem apontado como a liderança que seria responsável por comandar os homicídios.
— Com essa operação, buscamos atingir também os mandantes, que possuem envolvimento com essas execuções. Neste caso, há uma liderança ordenando esses crimes de dentro da prisão — diz o delegado Souza.