Em contraste com o estudo que coloca Alvorada como uma das 50 cidades mais violentas do Brasil em 2023, moradores do município defendem que o local deixou essa fama para trás. No abrigo da luz do dia desta sexta-feira (21), dizem que transitam sem medo pelas ruas da localidade e listam outros pontos do Estado com problemas de segurança pública mais evidentes.
De acordo com o levantamento do novo anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na quinta-feira (20), o município na Região Metropolitana figura no ranking na 41ª colocação, com taxa de 44,8 assassinatos para cada grupo de 100 mil pessoas. É um dos locais com mais homicídios no país.
Na manhã desta sexta-feira (21), a reportagem circulou por diferentes vias do município, do centro até zonas consideradas mais perigosas, e conversou com moradores. Aguardando em paradas de ônibus, sentados em praças ou em cadeiras em frente as residências, tomando sol, a maioria não aparentava receio.
Em pé na porta da lancheria que mantém há 15 anos, no centro, Edgar Muller, 56, diz trabalhar sem medo. A avenida principal, a Presidente Vargas, é uma das mais movimentadas do município, com grandes paradas de ônibus. O comércio abre às 6h e costuma atender até a meia-noite.
— Eu fui assaltado aqui uma vez há oito anos, e nunca mais. Pode ser mais perigoso nas vielas talvez, mas eu não vejo isso, e moro aqui também. Trabalho tranquilamente.
No Umbu, um dos bairros com maior atuação de grupos ligados ao tráfico de drogas, é possível ver pichações de símbolos de facções rivais, que disputam territórios. A zona entre este bairro e o Tijuca é a de maior tensão. Mesmo assim, a circulação de pessoas, que saem pra trabalhar e estudar, não é afetada, garantem moradores.
A aposentada Janice Bernardes, 53, conta que mora no Umbu há quase 30 anos. Nesta manhã, enquanto aguardava por um coletivo sentada em uma parada de ônibus, ela disse não ter "do que reclamar em Alvorada".
— Eu vejo que tem pessoas que não conhecem aqui e dizem: "Nossa, como tu consegue morar lá?". É uma ideia totalmente errada. Eu saio tranquila na rua, na minha casa nunca aconteceu nada, criei minha filha aqui, nunca tive problema. A questão é que há briga de facção, sim, mas não tem nada a ver com os moradores. É diferente. A gente que não tem envolvimento com isso, não é afetada, não sente isso. Me sinto segura aqui — defende Janice.
Há 28 anos, Olair Ditrich, 48, mantém um mercado em uma das vias do Umbu. Com as portas abertas nesta manhã, ele disse que a região já foi mais tensa, mas que atualmente o dia a dia é tranquilo. Ele reforça o discurso que a violência no município não reflete em moradores.
— Quando eu abri aqui, caminhavam com arma na mão, de dia mesmo, era algo comum. Para mim, o que fez mais diferença é que retiraram muita arma das ruas. Antes, qualquer guri conseguia armamento, hoje não. Claro que as facções têm, mas nas ruas a circulação diminuiu muito. Eu fico até nove da noite aqui, de grade aberta, tem policiamento. Tiro férias no verão, de 30 dias, fecho aqui e quando volto está tudo em ordem. As mortes são mais entre quem está dentro do tráfico — afirma Ditrich.
Moradora de outro ponto do município, no bairro Nova Americana, Neuci Freitas, 65, contestou a "fama" que a cidade recebeu nos últimos anos. Ela entende que a época em que a violência corria solta em Alvorada ficou para trás.
— Onde é que não tem violência? Se for em Gravataí, Cachoeirinha, também há problemas. Olha a zona sul de Porto Alegre nos últimos tempos... Alvorada é tão perigosa quantos as outras, não mais. Vivo muito bem aqui — diz, defendendo a cidade onde mora há mais de 30 anos.
Em queda
De fato, o cenário mudou em Alvorada. Apesar de manter a 41ª colocação no ranking em 2023, o município caiu 35 posições em sete anos: em 2017, a localidade estava no 6ª lugar do mesmo levantamento.
O diretor da Divisão de Homicídios da Região Metropolitana, delegado Rafael Pereira, comemora a queda nos números e o fato de a população ver a melhora nas ruas. O sentimento é compartilhado pelo delegado Edimar Machado de Souza, que há seis anos responde pela delegacia de Homicídios de Alvorada.
— O município está em franca evolução, vem mostrando melhora e ficamos felizes de saber que o morador está vendo isso, se sente seguro e percebe os esforços das forças de segurança — diz Pereira.
O diretor afirma que as equipes têm intensificado investigações e operações no combate aos crimes de homicídio, e que as mortes, na maior parte das vezes, estão ligadas ao crime organizado.
— Nós também estamos focados em esclarecer a autoria dos crimes, não somente a de executores. Precisamos responsabilizar, de forma rígida, os mandantes das mortes, que normalmente são lideranças dos grupos criminosos e ordenam os ataques.
Conforme a divisão de Homicídios, o ano de 2023 apresentou queda nas mortes. Nos primeiros seis meses deste ano, foram registrados 31 homicídios, número 26% menor do que os 42 contabilizados no mesmo período em 2022.
— É uma importante redução frente ao ano passado, que também já tinha apresentado queda. Ou seja, nós estamos obtendo uma baixa de mortes na comparação com períodos que já estavam em queda. É uma conquista importante. Tenho convicção de que, no ano que vem, não vamos estar nesta lista. É o nosso projeto — planeja o diretor.
Ranking
Outro município gaúcho também figura entre os 50 com mais homicídios no país. Localizado ao sul do RS, Rio Grande aparece na 24ª posição, com uma taxa de 53,2 assassinatos para cada grupo de 100 mil pessoas.
O primeiro lugar é ocupado por Jequié, no interior da Bahia, que teve 88,8 assassinatos para cada grupo de 100 mil pessoas. A Bahia ocupa as quatro primeiras posições da lista das 50 cidades. Além de Jequié, aparecem no topo os municípios de Santo Antônio de Jesus, Simões Filho e Camaçari.
Segundo o estudo, são 30 mortes a cada 100 mil habitantes na capital gaúcha. Em números absolutos, foram 400 mortes em Porto Alegre no período de 2022, somando homicídios, latrocínios, feminicídios, mortes em decorrência de intervenções policiais, além de óbitos de policiais civis e militares. O número indica uma alta de 24,8% em relação ao ano de 2021, quando foram assassinadas 322 pessoas na capital gaúcha.
Na Região Sul, o índice de homicídios a cada 100 mil habitantes é de 9,9 em Florianópolis e de 22,1 em Curitiba. Em comparação com capitais mais populosas, como São Paulo e Rio de Janeiro, a taxa fica em 7,3 e 21,2, respectivamente.