Além de prestar informações falsas à polícia, ao registrar um suposto sequestro do filho de dois anos, a mãe do garoto também encenou o momento em que ele teria sido arrancado de seu colo por criminosos, em Porto Alegre. De acordo com a Polícia Civil, uma testemunha afirmou ter visto a cena, que ocorreu na sexta-feira (2) à noite, no bairro Campo Novo.
No domingo (24), a investigação concluiu que a história foi inventada pela mulher, de 20 anos, a irmã dela, de 32 anos, e o companheiro da irmã, 30 anos, no objetivo de incriminar o ex-companheiro dessa tia. O garoto, identificado como Miguel pela polícia, foi deixado com um casal de conhecidos, localizado pelas equipes na madrugada de domingo e deixado aos cuidados da avó materna.
O caso chegou às autoridades na noite de sexta-feira (22), quando a mãe relatou que o filho havia sido arrancado do colo dela por pessoas em um carro Sandero branco, em ação que teria ocorrido no bairro Campo Novo. No relato, ela indicou um ex-cunhado (ex-marido da tia envolvida) como responsável pelo falso sequestro.
— Esse teatro aconteceu, de fato. Temos uma testemunha que afirma que viu um carro passar e pegar a criança do colo dela. Não há câmeras na região, mas temos esse relato. Inclusive, chamou atenção que após ter o filho supostamente levado, a mulher não teve nenhuma reação. Não gritou, não pediu ajuda, nada. Só ligou para a Brigada Militar, imediatamente — disse a delegada Caroline Bamberg Machado, diretora da Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca).
Na sequência, o caso foi registrado e equipes de diferentes áreas da segurança pública do Estado passaram a buscar a localização da criança.
Além disso, a irmã da mulher, tia do menino, teria passado a divulgar, em redes sociais, mensagens com o mesmo teor, junto de uma foto do menino. A publicação foi compartilhada diversas vezes ao longo do final de semana em grupos de WhatsApp por pessoas que pediam ajuda na localização da vítima.
Versões inconsistentes
Ao longo da apuração, o homem indicado como autor da ação foi ouvido pelas equipes e negou qualquer envolvimento. Informações do celular do investigado indicaram que ele não esteve na região onde o suposto sequestro ocorreu. Além disso, não partiu do aparelho a mensagem de ameaça que a mãe afirma ter recebido pouco antes da ação.
Ao comparar os relatos, os investigadores verificaram inconsistências na versão trazida pelos três familiares do menino. Informalmente, o atual companheiro da tia do garoto foi o primeiro a confessar a farsa às equipes, dizendo se tratar de ideia da cunhada, mãe de Miguel.
Por fim, os três admitiram que forjaram o sequestro, informalmente, segundo os policiais. Eles indicaram o local onde a criança estava, na casa de conhecidos que teriam recebido R$ 300 para cuidar do garoto por alguns dias. No depoimento formal, no entanto, permaneceram em silêncio.
A motivação para o caso, conforme a polícia, era prejudicar o ex-companheiro da tia de Miguel. O ex-casal disputa na Justiça a guarda do filho de seis anos, primo da vítima, e o intuito seria impedir que o homem obtivesse sucesso nesse processo.
Além disso, a tia e a mãe do menino já registraram diversas ocorrências contra o homem, principalmente por violência doméstica, e uma por estupro. Ele também tem boletins contra elas, por ameaça. O homem foi preso recentemente por descumprir medida protetiva e se aproximar da ex. Ele foi solto na quinta-feira (21). O plano foi colocado em prática no dia seguinte.
— Foi uma tentativa de fazê-lo voltar para a prisão, de não ter chance de ter guarda. A segurança pública foi usada para orquestrar essa ação — pontuou a delegada Camila Franco Defaveri.
O trio chegou a ser preso, no domingo, em flagrante por denunciação caluniosa e associação criminosa, além de ser enquadrado no artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê condenação a quem "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento".
No entanto, foram soltos pelo Poder Judiciário no mesmo dia (confira a posição do Tribunal de Justiça do Estado abaixo). Um novo pedido de prisão deve ser feito pela polícia na conclusão do inquérito, que deve ocorrer nos próximos dias.
As informações foram divulgadas em coletiva, na manhã desta segunda-feira (25), pela Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) e pela 1ª Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (1ª DPCA), que coordenaram o trabalho.
O que diz o TJ sobre a soltura dos suspeitos
Nesta segunda, a reportagem questionou o TJ-RS sobre o motivo da soltura do trio de suspeitos, no domingo. A instituição se manifestou por meio de nota. Confira:
"A Juíza Sonia Battistela, que presidiu a audiência de custódia realizada no último domingo (24), homologou as prisões em flagrante dos referidos investigados. No entanto, a magistrada considerou que no caso concreto não estavam presentes os requisitos da prisão preventiva como o risco à ordem pública, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Além disso, os flagrados são primários e quanto à criança foi determinado o acompanhamento pelo Conselho Tutelar e Ministério Público da Infância. Na decisão, a Juíza relata que as duas mulheres flagradas (mãe e tia da criança) possuem medidas protetivas deferidas contra o ex-companheiro da mulher flagrada, tia da criança".