Ao longo dos próximos dois dias cinco réus serão julgados pelo assassinato de uma bebê e de seus pais na zona norte de Porto Alegre. Na noite de 23 de setembro de 2018, a família partiu num veículo da frente do salão onde era realizada a festa de aniversário de um ano da criança. O pai Douglas Araújo da Silva, 29 anos, a mãe Sabrine Panes Rodrigues, 24, e a menina Alice Beatriz Rodrigues foram executados a tiros logo depois.
O julgamento está previsto para se iniciar às 9h15min desta quinta-feira (21), no plenário da 3ª Vara do Júri de Porto Alegre. A expectativa é de que o júri se estenda até a sexta-feira (22).
Serão julgados Maycon Azevedo da Silva, o Dime, 28 anos, Nicolas Teixeira da Rosa, o Ovelha, 28, Anderson Boeira Barreto, o Boquinha, 31, Michel Renan Bragé de Oliveira, o Bragé, 26, e Leandro Martins Machado, o Mandy, 33. Ainda há um sexto réu, que está preso e responde em outro processo, sem previsão de julgamento. Émerson Alex dos Santos Vieira, o Romarinho, 33 anos, é apontado como o responsável por ordenar o crime.
Segundo a acusação, Michel Renan, Maycon e Anderson teriam planejado o crime com os comparsas e ido até o local da festa da criança, armados. Após perseguição, teriam sido os responsáveis por atirar contra o carro onde estavam os pais e a bebê.
Nicolas é apontado como o responsável por fornecer e dirigir um dos veículos durante a execução. Leandro teria vigiado as vítimas durante a festa e alertado os demais sobre a saída delas — ele permanece foragido. Os outros quatro estão presos na Penitenciária Estadual do Jacuí e na Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas.
Etapas
A primeira etapa do júri será o sorteio dos nomes dos sete jurados — defesas e acusação podem recusar até três, sem justificativa. Após ser formado o Conselho de Sentença, serão ouvidas as testemunhas. Pelo Ministério Público, foram indicadas cinco pessoas para falarem no plenário, entre elas os pais de Douglas e a mãe de Sabrine.
Quando ouvido por GZH, o avô paterno de Alice lembrou que a criança deixou o salão usando vestido, sapatinho e laço na cor vermelha, em alusão a Minnie, personagem infantil tema da festa. Os pais guardaram os presentes que a menina havia recebido e partiram.
Tão logo arrancou, o Ka passou a ser perseguido por dois carros: uma EcoSport, que depois seria encontrada incendiada, e um Ka preto. Douglas tentou escapar e bateu o automóvel contra árvores. Foi atingido por mais de 50 tiros, inclusive por disparos de fuzil calibre .556 e pistolas 9mm. A criança foi encontrada sem vida ao lado dos pais na Rua Cacilda Yaconis Becker, no bairro Rubem Berta. Segundo a família, Sabrine, estava grávida de quatro meses.
— É um vazio muito grande. Perdi minhas duas netinhas. A gente tenta tocar a vida, mas é difícil. Sinto a falta da minha bebê, do meu filho. É muito doloroso. Não tem um dia que não pense nisso — contou o avô, na época.
Também pela acusação estão previstos o depoimento do delegado Cassiano Cabral, na época titular da 3ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e responsável por investigar o crime, e uma perita criminal, que produziu um dos laudos do caso.
— A expectativa do MP é pela condenação de todos os réus. É um crime de uma brutalidade desmedida. Além da bebê, a vítima Sabrine também estava grávida. Isso demonstra a gravidade desse caso — afirma promotor de Justiça Octavio Cordeiro Noronha.
No total, estão previstas 11 testemunhas para serem ouvidas. Pelas defesas foram indicadas mais seis pessoas, cinco delas indicadas em nome do réu Leandro e uma por Nicolas. Os demais não apresentaram testemunhas para o júri. Por fim, os réus devem ser interrogados — eles podem optar por permanecer em silêncio, se preferirem.
Debates
Logo depois, o julgamento entra na fase dos debates entre acusação e defesas. Em razão do júri de mais de um réu, o tempo é estendido. Na primeira fase dos debates, tanto o MP quanto as cinco defesas juntas terão duas horas e meia cada. Caso haja réplica, a acusação poderá usar até mais duas horas e na tréplica as defesas juntas tem direito ao mesmo tempo para apresentar os argumentos.
No fim, os jurados se reúnem em sala secreta e definem se os réus são culpados ou não pelos crimes. Cabe ao juiz que preside o julgamento, Marcos Braga Salgado Martins, titular do 1º juizado da 3ª Vara do Júri, em caso de condenação, estipular o tempo de pena.
Os crimes
Os cinco serão julgados por três homicídios triplamente qualificados e associação criminosa. Pela morte da criança ainda há possível aumento de pena, em caso de condenação, por se tratar de menor de 14 anos.
Entenda as qualificadoras dos assassinatos:
- Motivo torpe — Segundo a acusação, o crime foi motivado por desavenças envolvendo disputas pelo tráfico de drogas. Douglas é apontado como o alvo da ação, porque, segundo o Ministério Público, integrava facção rival a dos atiradores. Ele já havia sido preso por tráfico e, quando foi morto, estava foragido.
- Emboscada — Os executores vigiaram a movimentação das vítimas, aguardando o momento para o ataque, além de estarem em maior número e portando armas.
- Perigo comum — Isso porque foram disparadas dezenas de tiros contra as vítimas no meio da rua, colocando em risco a vida de outras pessoas.
Sexto réu
O caso foi dividido, por conta do envio de Émerson Alex dos Santos Vieira, o Romarinho, para penitenciária federal — apontado como responsável por planejar o crime. Houve decisão de enviá-lo também a júri, mas a defesa recorreu e aguarda o desdobramento do pedido. Somente após os recursos, caso seja mantido o envio para júri, será agendada data.
Contrapontos
O que diz a defesa de Anderson Boeira Barreto
A defesa sustentou à Justiça a ausência de provas da autoria dos crimes. Pediu, com base nisso, a absolvição sumária ou impronúncia. Também pediu afastamento das qualificadoras e a concessão do réu ao direito de apelar em liberdade. Quando interrogado, Anderson negou envolvimento. A Defensoria Pública do Estado, que representa o réu, informou que irá se manifestar somente no plenário do júri.
O que diz a defesa de Leandro Martins Machado
À Justiça, a defesa sustentou que não havia provas nos autos da participação do cliente. Durante a instrução, a defesa apresentou testemunhas, que informaram que Leandro estaria trabalhando na lancheria da mãe na noite do crime. Ainda assim, a Justiça entendeu que esses relatos não permitem afastar de forma imediata a acusação contra o réu. Leandro não pôde ser ouvido durante a instrução processual para apresentar sua versão, por estar foragido. O advogado Marcelo Wojciechowski Dorneles enviou nota sobre o caso:
"A defesa de Leandro manifesta que o cliente não tem nenhuma relação com os fatos. Desde 2019 sofre com uma acusação injusta por fatos graves, havendo provas que serão demonstradas neste sentido, excluindo a sua participação. Aguardamos pelo julgamento com serenidade e que a devida justiça possa ser feita."
O que diz a defesa de Maycon Azevedo da Silva
A defesa do réu pediu a absolvição sumária ou impronúncia do acusado, e alegou que não há provas da participação dele nos crimes. Em seu interrogatório judicial, o réu se reservou ao direito de permanecer em silêncio. A Defensoria Pública do Estado, que representa o réu, informou que irá se manifestar somente no plenário do júri.
O que diz a defesa de Michel Renan Bragé de Oliveira
A defesa alegou à Justiça total ausência de indícios de que ele seja o autor do crime. Pediu a impronúncia ou absolvição sumária do réu, além do afastamento de qualificadores e revogação da prisão preventiva. O réu optou por não se submeter ao interrogatório judicial. GZH entrou em contato com a advogada Tatiana Vizzotto Borsa, que informou que não pretende se manifestar à imprensa.
O que diz a defesa de Nicolas Teixeira da Rosa
À Justiça, a defesa sustentou que não existem provas do envolvimento do réu no crime e pediu a absolvição do cliente, além da revogação da prisão preventiva. Quando interrogado, Nicolas negou participação. A advogada Hevelin Ferreira enviou nota sobre o caso. Confira:
"A Defensa de Nicolas Teixeira da Rosa vem a público esclarecer que está preparada para o julgamento perante o Tribunal do Júri, que será realizado no dia 21/09/2023. Esclarece ainda, que será demonstrado durante o plenário, que a acusação que pesa contra o réu Nicolas não se sustenta, eis que carecedora de provas que sejam capazes de uma condenação. Quem vai decidir sobre a participação ou não de Nicolas Teixeira da Rosa serão os jurados, com base nas provas que instruem o processo o que será comprovado que o mesmo não teve qualquer participação no crime."
O que diz a defesa de Émerson Alex dos Santos Vieira
O advogado Rodrigo Schmitt da Silva informou que a defesa de Émerson recorreu da decisão de enviar o réu a júri, e o caso aguarda decisão sobre o recurso. Ainda não há data para este julgamento. Confira:
"A defesa de Émerson está aguardando julgamento de recurso com serenidade, ele não irá a julgamento com os outros réus. Temos plena convicção da inocência do réu no presente caso e estamos certos de que a absolvição será o resultado final deste processo".