Maria Fátima do Prado Franco, 61, moradora de Viamão, na Região Metropolitana, conhece a dor de sepultar um filho. Perdeu o caçula, vítima de acidente de trânsito, há mais de uma década. Mas há dois anos descobriu um sentimento ainda mais difícil de conviver. Dorme e acorda numa espera sem fim pelo dia em que poderá se despedir do primogênito.
Há quatro anos, Carlos Eduardo do Prado, 34, sumiu em Porto Alegre. Em 2021, uma ossada foi localizada e dois exames de DNA comprovaram que se tratava do entregador desaparecido. Um erro no documento de declaração do óbito, no entanto, obrigou a mãe a precisar buscar na Justiça o direito de registrar a morte e sepultar o filho.
A última vez que Maria Fátima teve notícias do rapaz foi em setembro de 2019. Carlos Eduardo visitou a filha, com sete anos à época, e se despediu. Dias depois, enquanto trabalhava numa pizzaria, na área central da Capital, rumou em direção à Zona Sul. A motocicleta que ele usava foi encontrada abandonada em frente a uma casa, com a chave na ignição — o endereço não estava entre os locais de entrega dele naquele dia. Depois disso, os familiares não conseguiram mais contato.
— Já perdi dois filhos. Um eu enterrei. Mas o sentimento por esse é pior. Aquele eu sabia o que tinha acontecido. Esse é só duvida, mistério. Tudo mal resolvido. Para uma mãe é muito difícil. Dói muito — desabafa Maria Fátima.
A família registrou o sumiço de Carlos Eduardo em outubro de 2019. A mãe passou a viver em angústia constante. Sempre que via um motoboy na rua fixava os olhos na tentativa de saber se era o filho.
Exames de DNA
Em busca de respostas, Maria Fátima passou por coleta de DNA, para uma possível identificação, caso ele fosse encontrado morto. Em 3 de junho de 2021, uma ossada foi localizada numa área de mata próxima a um condomínio, no bairro Nonoai, na zona sul de Porto Alegre. O material foi encaminhado ao Departamento Médico-Legal do Instituto-Geral de Perícias (IGP).
Em 29 de março de 2022, um primeiro exame de DNA — realizado a partir de amostra coletada pela mãe — indicou que a ossada tinha perfil genético compatível com o de um filho de Maria Fátima. Como a dona de casa é mãe de seis filhos, três homens e três mulheres, foi necessário novo exame, para confirmar que se tratava do desaparecido.
Dessa vez, a coleta de material genético foi realizada com a filha do entregador, Alexia Victoria, de 11 anos. Após a realização do exame, a mãe da menina Ana Paula Souza da Silva, 42, ao chegar em casa, contou o motivo do exame.
— Ela chorou e eu a abracei — recorda Ana Paula.
Pouco mais de um mês depois, em 8 de julho de 2022, o laudo apontou que a ossada tinha perfil genético compatível com o do pai biológico da menina. Ou seja, era mesmo Carlos Eduardo. Ana Paula contou à filha que finalmente poderiam sepultar o pai. Maria Fátima também acreditou que conseguiria se despedir do filho.
— Ali, eu me senti com bastante esperança. Mas também foi por água abaixo — lamenta a mãe.
Erro ao preencher declaração
Após a conclusão dos exames de DNA, a família procurou o DML para retirar a declaração de óbito. O documento foi assinado por médico legista em outubro de 2022. Depois disso, os familiares foram até um cartório registrar a certidão de óbito. Mas foram informados que havia um erro no documento e, em razão disso, a certidão não poderia ser registrada. No espaço onde deveria constar o endereço residencial de Carlos Eduardo está escrito "área verde no Condomínio Vicente Monteggia 110" — o local onde a ossada foi encontrada.
— Não podemos enterrar porque não dá para trocar o documento. Foi uma falha, e o caso está parado até hoje. Já faz dois anos que soubemos que ele foi encontrado. E não podemos enterrar, por um erro. A Alexia está aguardando, pois quer estar presente no enterro — afirma Ana Paula sobre a filha, que ainda guarda os últimos pertences deixados pelo pai, um moletom preto e um relógio de pulso.
A família buscou a Defensoria Pública, que ingressou com ação em dezembro do ano passado, solicitando o registro do óbito. GZH entrou em contato com o Judiciário, que informou que "o processo encontra-se concluso ao Juiz Diretor do Foro (de Viamão) para análise da promoção apresentada pelo Ministério Público". Nesta terça-feira (19), o processo foi atualizado para "concluso para decisão". Enquanto isso, os familiares seguem no aguardo.
— A gente é pobre, e não tem mais o que gastar, correr. Tu fica andando para lá e para cá. Foi um drama para encontrar ele, vivo ou morto. Infelizmente, encontramos morto. E desde aí e a gente está vivendo assim. Além do baque emocional, a gente não consegue enterrar. Não tem como. Parece que não há jeito. A gente tem interesse em resolver, até para encerrar esse capítulo da nossa vida — diz Maria Fátima.
O que diz o IGP
Nesta quinta-feira (21), por nota, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) reconheceu que a declaração de óbito de Carlos Eduardo do Prado foi emitida em 25 de outubro de 2022 "com imprecisão". O IGP confirmou que "no campo referente ao endereço residencial da vítima, constava o local onde foram encontrados os remanescentes ósseos". Segundo a manifestação, ao "constatar o equívoco, o médico-legista emitiu um formulário de retificação, corrigindo a informação". Conforme o IGP, o "formulário e a DO (declaração de óbito) foram entregues à família para que o óbito fosse registrado em cartório".
Após esse fato, segundo o IGP, a família não retornou ao local "para informar sobre a negativa do cartório em emitir a certidão de óbito". Ainda conforme a nota, os "remanescentes ósseos de Prado estão sob custódia do IGP e serão liberados assim que o registro em cartório for realizado". O órgão afirmou ainda que nesta quinta-feira (21), "após tentativas de contato telefônico, uma equipe do Instituto deslocou-se até Viamão para contatar a família da vítima para esclarecer o fato, porém não teve êxito para localizá-la". O IGP finaliza a manifestação afirmando que "se coloca à disposição da família para auxiliar a solucionar o impasse".
Investigação
Segundo a Polícia Civil, houve quebra de sigilo telefônico e bancário, colegas foram ouvidos, assim como o casal que vive na residência perto de onde foi achada a motocicleta, e se buscou entender as relações que Carlos Eduardo mantinha. Mas nenhum elemento apontou para algum crime. Com o encontro da ossada, o caso passou a ser apurado pela 6ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa. O laudo do IGP, no entanto, não conseguiu apontar a causa da morte, em razão do tempo transcorrido entre o óbito e a localização da ossada.