Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideraram, por unanimidade, inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídios. O julgamento foi retomado nesta terça-feira (1º), na primeira sessão após o recesso.
Todos os ministros acompanharam o voto do relator do caso, ministro Dias Toffoli. Em junho, já havia sido formada maioria para tornar a justificativa inconstitucional.
Com a decisão, a legítima defesa da honra não poderá ser usada por advogados, policiais ou juízes. A proibição vale tanto para a fase de investigação dos casos quanto para as situações em que os processos chegam ao Tribunal do Júri.
O STF julgava ação protocolada pelo PDT em 2021 para impedir a absolvição de homens acusados de homicídio contra mulheres com base no argumento de que o crime teria sido cometido por razões emocionais, como uma traição conjugal, por exemplo.
Nesta terça, votaram os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e presidente do STF, ministra Rosa Weber. Os demais, já haviam se posicionado antes do recesso.
Durante seu voto, Cármem Lúcia chamou a sociedade brasileira de "machista", "sexista" e "misógina":
— Uma sociedade que ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são, mulheres donas da sua vida. Como o homem desde 1605, por lei, era dono do corpo e da vida da mulher, essa tese prevalece ainda hoje.
Sem citar nomes, a ministra lembrou do caso Ângela Diniz, socialite mineira que foi assassinada pelo companheiro que não aceitava o término em 1976. Num primeiro julgamento, Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street, foi condenado a apenas dois anos de prisão, após os advogados dele usarem a tese de legítima defesa da honra.
Rosa Weber afirmou que a tese de legítima defesa da honra reproduz valores de uma sociedade "patriarcal", "arcaica" e "autoritária".
— A teoria da legítima defesa da honra traduz expressão de valores de uma sociedade patriarcal, arcaica, autoritária, é preciso enfatizar, cuja cultura do preconceito e da intolerância contra as mulheres sucumbiu à superioridade ética e moral dos princípios humanitários da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
Histórico
Entre 1605 e 1830, foi permitido ao homem que tivesse sua "honra lesada" por adultério agir com violência contra a mulher. Nos anos seguintes, entre 1830 e 1890, normas penais da época deixaram de permitir o assassinato, mas mantiveram o adultério como crime.
Somente no Código Penal de 1940, a absolvição de acusados que cometeram crime sob a influência de emoção ou paixão deixou de existir. Contudo, a tese continua a ser utilizada pela defesa de acusados para defender a inocência.
Em 2021, em julgamento virtual, a Corte já havia decidido suspender — até o julgamento definitivo da ação — o uso da tese por advogados de réus em júri.
A decisão do Supremo possui repercussão geral e terá impacto em 79 processos sobre a mesma questão no país.