Um homem de 25 anos que teria violentado sexualmente e causado a morte de uma mulher foi indiciado nesta terça-feira (20), pela Polícia Civil. Ele deve responder por estupro com resultado morte. O caso ocorreu no fim de outubro de 2022, em Porto Alegre. A vítima tinha 35 anos e era natural de Santa Isabel, no Pará, mas estava no RS fazendo doutorado. O crime foi investigado pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) da Capital.
O nome do indiciado não foi divulgado pelas autoridades. A Polícia Civil afirma que pediu a prisão do homem no começo deste ano, quando identificou o suspeito pelo crime, mas a solicitação foi negada pela Justiça. Ele segue solto.
A pedido da família, GZH não publica o nome da vítima.
O caso ocorreu durante um encontro dos dois na casa da mulher, em 24 de outubro do ano passado. Conforme a polícia, após a violência sexual, a mulher ficou em casa e procurou o hospital apenas no dia 27, sendo internada com lesões internas. Ela entrou em coma pouco depois e acabou morrendo em 2 de novembro.
Segundo laudo do Instituto-Geral de Perícias (IGP), a causa da morte foi septicemia – doença que causa infecção generalizada, afeta o sistema imunológico e dificulta o funcionamento dos órgãos.
Para a Polícia Civil, a vítima morreu em decorrência da violência sofrida. Ela teve rupturas internas, "lesões tão graves" que precisou passar por cirurgia.
— Dentre as perícias, uma das que pedi foi para verificar a relação entre a morte e o estupro, ficando evidenciado que as lesões internas decorrente dos atos sexuais possuem nexo causal com a morte — explica a delegada Cristiane Pires Ramos.
A policial afirma que não é possível, em razão da morte, esclarecer o motivo para a mulher não ter buscado ajuda logo após o crime, mas explica que este cenário ocorre em muitos casos, seja por medo, vergonha e outros fatores.
— A violência contra a mulher é tão complexa que vemos muitas questões agindo nestas situações, contribuindo para silenciar as vítimas. Nós sempre reforçamos que as vítimas podem e devem buscar ajuda. Neste caso, ela contou que foi estuprada logo após o fato em mensagens enviadas a amigos. No prontuário do hospital, também consta que ela informou sobre o abuso. Assim, a palavra da vítima chegou até nós, a partir de documentos e testemunhas. Infelizmente, de forma póstuma.
Segundo Cristiane, em caso de condenação por estupro com resultado morte, a pena varia de 12 a 30 anos.
Suspeito era aluno da vítima em projeto
Conforme a investigação, a vítima e o homem se conheceram durante atividades de um projeto social voltado a inclusão digital, desenvolvido por uma universidade em Porto Alegre. A mulher atuava como professora na iniciativa, como parte do doutorado que fazia em Ciência da Computação na Capital. O tema da tese era diversidade etnica-racial em engenharia de software.
Segundo amigos, a vítima estava em Porto Alegre há cerca de quatro anos, e se mudou para a Capital para fazer a qualificação. Na noite do fato, os dois se encontraram na casa da mulher.
Formada em Sistemas de Informação, ela trabalhava como desenvolvedora de software. Era pesquisadora e entusiasta do tema da diversidade e inclusão na tecnologia. Era também ativista e engajada em diferentes causas, como a luta pelo direito das mulheres, em especial às negras, como ela.
— Era uma mulher de muita luta, ativista, escritora, professora. Uma pessoa alegre que conquistou todo mundo que a conheceu. Ficou um vazio enorme entre os amigos, na família e nos espaços de ativismo onde ela atuava. Na nossa memória, sempre iremos lembrar da sua generosidade, do sorriso e da vontade de viver que tinha — diz uma amiga, que preferiu não se identificar.
Oito meses de investigação
Até o indiciamento do homem, nesta terça, foram oito meses de investigação por parte da equipe da delegacia de atendimento à mulher. Segundo a titular, a não comunicação do caso à polícia, por parte do primeiro hospital onde a vítima esteve, trouxe consequências a elucidação do crime.
Conforme a investigação, a vítima procurou atendimento no dia 27 no Hospital Fêmina, administrado pelo Grupo Hospitalar Conceição, e comunicou que havia sido estuprada. Em nota, no entanto, a instituição afirmou que respeita a relação de sigilo entre médicos e pacientes e que não foi autorizado pela mulher a fazer a notificação sobre o caso.
Assim, a polícia afirma que só soube do caso quando a jovem foi transferida para outra casa de saúde da Capital, que acionou a delegacia. A transferência ocorreu porque o estado de saúde da vítima teria piorado. Ela entrou em coma pouco depois e não teve condições de prestar depoimento.
— Infelizmente, não fomos acionados. Ela faleceu cerca de 10 dias após o estupro, só então o corpo foi periciado. Perdemos provas essenciais em razão disso, como perícias iniciais e busca de imagens que poderiam ajudar a identificar o autor do fato. Isso tornou a investigação muito mais complexa — explica Cristiane.
A delegada afirma que a falta de notificação foi comunicada a um grupo de trabalho que trata das notificações compulsórias em casos do tipo, uma força-tarefa criada pelo Ministério Público do Estado para debater o enfrentamento à violência contra a mulher.
A delegada afirma que, neste caso, não há responsabilidade criminal ao hospital, mas que "responsabilidades administrativas podem ser apontadas em outra esfera".
Objeto pessoal ajudou a identificar suspeito
Segundo a polícia, ao verificar o apartamento da vítima, as equipes localizaram um alargador de orelha, objeto que não era usado pela professora. Ao longo da investigação, a equipe identificou um aluno do projeto social como possível suspeito.
— Ao ser intimado para prestar depoimento, ele estava com a orelha aberta, sem o alargador, confirmando a suspeita. Em sua fala, não confessou o estupro, mas admitiu ter estado no apartamento da mulher e ter perdido o alargador no local, confirmando que o objeto encontrado pela polícia era dele. Afirmou que seria o primeiro encontro deles, diz ter tido uma relação sexual consentida e negou ter havido violência. Mas as lesões dela foram tão graves que teve de passar por cirurgia.
O que diz o Hospital Fêmina
O Hospital Fêmina, que integra o Grupo Hospitalar Conceição, se manifestou por meio de nota. Confira:
"O Hospital Fêmina tem uma larga experiência e é reconhecido nacionalmente pelo tratamento e acolhimento às vítimas de violência sexual. A conduta do hospital é sempre respeitar a relação de sigilo entre médicos e pacientes, bem como a autonomia das vítimas sobre o momento de acionar as autoridades policiais. Mesmo com a sugestão de que a polícia fosse avisada, o Hospital Fêmina não foi autorizado pela paciente a comunicar às autoridades sobre o ocorrido."