A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou soltar um porteiro de 36 anos que havia sido condenado a oito anos de prisão pelo crime de roubo, exclusivamente com base em reconhecimento fotográfico. O homem, que é negro, é alvo de outras 61 ações penais pelo mesmo crime, e a Justiça agora quer avaliar se foi acusado da mesma forma — a partir de uma foto dele posta em uma delegacia de Belford Roxo, no Rio de Janeiro.
Os magistrados o absolveram por considerarem que não existe prova suficiente para a condenação, uma vez que a sentença estava amparada somente no reconhecimento por imagem.
Com a decisão, Paulo Alberto da Silva Costa, 36 anos, deveria ser solto imediatamente. Ele está preso na Cadeia Pública Cotrim Neto, em Japeri, no Rio de Janeiro, desde 2020. Há expectativa de que ela seja posto em liberdade nesta sexta-feira (12), embora a decisão do STJ tenha saído na quarta.
Os ministros instaram os juízes responsáveis por todos os 62 processos contra o porteiro a verificarem se a dinâmica dos casos é a mesma que foi "repelida" pela Corte — acusação ou investigação apenas com base no reconhecimento fotográfico.
Ainda foi determinado o envio de ofício à Corregedoria da Polícia do Rio acompanhado da decisão.
"Erro gravíssimo"
O tema chegou à pauta da Terceira Seção do STJ em razão de um habeas corpus sob relatoria da ministra Laurita Vaz. O pedido foi apresentado pela Defensoria Pública do Rio e pelo Instituto Defesa do Direito de Defesa, que questionavam uma condenação do réu a oito anos de reclusão, em regime inicial fechado, por suposto crime de roubo.
A Defensoria sustenta que a sentença tem como base apenas o reconhecimento fotográfico do porteiro.
Antes de o resultado do julgamento ser proclamado, os ministros debateram uma série de caminhos para o processo, de modo a "atender a questão humanitária sem subverter ordens processuais".
O ministro Rogério Schietti Cruz disse estar convencido de que o caso caracteriza "um erro judiciário gravíssimo".
— A mim, particularmente, me envergonha, por ser integrante desse sistema de Justiça – um sistema de moer gente. É uma roda viva de crueldades. Nenhum de nós pode avaliar o que representa três anos dentro de uma cela fétida, insalubre e apinhada de gente, como é a situação desse rapaz — lamentou Cruz.
Na mesma linha, o ministro Messod Azulay destacou que o porteiro é alvo de "injustiça perpetrada há alguns anos". O ministro Sebastião Reis Júnior ponderou que o caso demonstra a falência do sistema processual penal. Para o ministro, há racismo na investigação criminal brasileira:
— O preto pobre é o principal alvo da atuação policial.
De acordo com os autos do processo, o porteiro Paulo Alberto da Silva Costa não tinha antecedentes policiais até fotos dele serem pegas em redes sociais e colocadas em um mural de suspeitos da delegacia de Belford Roxo (RJ).
No caso analisado pelo STJ, da primeira vez em que foi à delegacia, a vítima de roubo descreveu o assaltante como "jovem, pardo, com cavanhaque e magro". Duas semanas depois, quando foi submetido ao reconhecimento fotográfico de suspeitos, ela disse que o autor do crime era "negro, magro, aparentando 1,75 m".
A relatora, ministra Laurita Vaz, a primeira descrição da vítima já é genérica e insuficiente para identificar alguém.
— Aliás, merece destaque o fato de que, em audiência, a vítima não afirmou que havia reconhecido o paciente (Paulo Costa), em sede policial, com absoluta certeza. Ao contrário, alegou que, naquela ocasião, após visualizar as fotos, apenas sinalizou que possivelmente o réu seria o autor do crime — ressaltou a magistrada.
Método produz "injustiças"
O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) argumenta que nas 62 ações a que o homem responde, houve o reconhecimento fotográfico seguido do encerramento das investigações, sem diligências - método que produz "injustiças".
A entidade entregou ao STJ um relatório com a dinâmica de todos os processos em que o homem é réu. Segundo o IDDD, o porteiro já foi absolvido em 17 ações penais, seguindo pareceres do Ministério Público, em razão de vícios do ato de reconhecimento por foto.
Com informações de Imprensa STJ.