No fim de abril, uma ida ao mercado para comprar refrigerante terminou em um desfecho brutal para dois irmãos, na zona sul de Porto Alegre. No caminho, João Francisco Maciel dos Santos, 14 anos, e Marina Maciel dos Santos, 16, acabaram baleados em um ataque promovido pelo crime organizado e não resistiram. Três semanas depois, a Polícia Civil segue investigando o caso. Até o momento, ninguém foi preso.
O episódio aconteceu no dia 19 de abril, quando indivíduos a bordo de um Ford Ecosport efetuaram disparos de arma de fogo ao passarem pela Rua dos Canudos, no bairro Cascata, por volta das 21h. Cinco pessoas que estavam na via foram baleadas. Três delas foram encaminhadas para atendimento médico e liberadas logo depois. Os feridos foram um adolescente de 17 anos, uma mulher de 34 e um homem de 31. Os outros dois baleados, os irmãos João Francisco e Marina, não resistiram. O adolescente chegou sem vida ao hospital, e a irmã dele chegou a passar por procedimentos de emergência, mas morreu na madrugada do dia 20. Nenhuma das pessoas baleadas tinham envolvimento com o crime, de acordo com a Polícia Civil.
A investigação, conduzida pela delegada Clarissa Demartini, segue em andamento, e diligências são feitas. Para não prejudicar o trabalho, a polícia evita divulgar detalhes do que foi apurado até o momento. As equipes não informam quantos indivíduos estavam no veículo que efetuou o ataque, se eles foram identificados e qual a motivação para o crime.
— O local onde a ação ocorreu é conhecido pela presença de grupos organizados, de traficantes. Trabalhamos com a hipótese de um ataque entre facções rivais. A gente não pode divulgar mais informações porque são sigilosas, podem comprometer a apuração. Mas é importante destacar que a polícia se dedica a esclarecer as circunstâncias desse crime, para que se consiga a responsabilização penal dos indivíduos e uma resposta para essa família que teve uma perda irreparável — pontua a delegada.
O local onde o ataque aconteceu é comandado por uma facção criminosa com berço na zona sul da cidade, e que atua junto ao tráfico. No entanto, segundo a polícia, nenhuma das vítimas tinha envolvimento com o crime.
— O cenário que vem se desenhando confirma as informações preliminares que tínhamos, de que o ataque acabou atingindo pessoas que não eram os alvos, que não tinham nenhum envolvimento com o tráfico. Nossa principal linha é de que foram alvejadas acidentalmente.
As equipes também aguardam laudos periciais, que devem ajudar a esclarecer o caso. Um deles vai analisar impressões digitais coletadas em um Ecosport encontrado abandonado no bairro São José e apreendido dois dias após o crime.
A polícia afirma ainda que o ataque no bairro Cascata não teria ligação com outra ocorrência registrada na Zona Sul, em que Milena Ouriques Marques, 34 anos, foi morta, em 30 de abril. A vítima estava grávida de sete meses, e o feto também não resistiu. Nessa ação, os criminosos também efetuaram disparos de dentro de um veículo, atirando contra pessoas que estavam perto de um pequeno mercado na Rua João Locatelli da Silva, no bairro Vila Nova.
Muro de sentimentos
Na escola onde João Francisco e Marina estudavam, as lembranças seguem vivas na memória da comunidade escolar. A dupla é descrita como tranquila, carinhosa e dedicada. A falta dos dois estudantes é sentida diariamente por quem frequenta o Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, na Azenha, onde os irmãos estudavam desde as séries iniciais.
Segundo a orientadora educacional do espaço, Caroline Mascela, a primeira semana após as mortes foi de homenagens, com alunos e professores bastante sensibilizados. Agora, ao menos uma vez por semana, os colegas dos jovens ainda se reúnem em uma roda de conversa, para tentar digerir e superar, juntos, o episódio. Caroline lembra que em uma das dinâmicas, chamada de Muro dos Sentimentos, cada estudante escreveu como se sentia.
— Tinha um muro e cada um colocava uma palavra nos tijolinhos. Os sentimentos se repetiam bastante, entre medo, saudade, tristeza e revolta. Alguns alunos ficam bem emotivos, outros já conseguem falar mais. A turma do João, dos mais novos, é especialmente unida. Então há muitos sentimentos envolvidos. Os dois eram alunos de ótimo relacionamento, se davam bem com todos — conta Caroline, que lembra ter ajudado a organizar a formatura de nono ano de Marina.
Os irmãos viviam com a mãe, o padrasto e um irmão. Segundo professores, Marina chegou a deixar de ir às aulas, em algumas oportunidades, por falta de passagens. A educadora afirma que a escola pretende atender os familiares dos jovens, os encaminhando para atendimento psicológico. Professores e demais integrantes da escola também vêm recebendo apoio, segundo ela.
— É muito difícil, um dia eles estavam ali com a gente, super comunicativos, com a vida pela frente, e no outro... É algo muito doloroso ainda para todos nós. É uma violência muito grande, não ter o direito de sair na rua para fazer algo que é tão comum do dia a dia. Fica um sentimento de revolta, de dor, mas estamos seguindo, precisamos acolher alunos e professores neste momento.
Os irmãos foram sepultados na manhã de 21 de abril, no Cemitério Parque Jardim da Paz, em Porto Alegre, em meio à comoção e homenagens de familiares, amigos e pessoas do colégio Emílio Massot.