O ataque a uma creche de Blumenau (SC) que deixou quatro crianças mortas deu novo impulso a propostas para que seguranças armados passem a fazer parte do ambiente escolar no Brasil ao lado de alunos, professores e funcionários sob a justificativa de coibir atentados.
Projetos de lei foram apresentados no Congresso com o objetivo de obrigar a presença de vigilância com poder de fogo nas redes de Educação Básica, mas especialistas em segurança pública ponderam que faltam evidências concretas de que a medida tenha efeito positivo e temem que a iniciativa, na verdade, amplie o clima de violência. Uma recente revisão de estudos acadêmicos feitos nas últimas décadas nos Estados Unidos, onde esse problema é recorrente, não identificou benefícios no policiamento ostensivo dentro de colégios.
Os recentes atentados cometidos em Santa Catarina e em São Paulo, onde um adolescente matou uma professora a facadas, engatilharam mais uma vez os projetos para introduzir armamentos nos corredores escolares. Um deles foi apresentado pelo deputado federal Paulo Bilynskyj (PL-SP), e outro pelo também deputado Daniel Freitas (PL-SC).
“Nos últimos 20 anos são mais de 30 mortos e 60 feridos por atentados em escolas. Isso só acontece porque nossas escolas estão desprotegidas. Protegemos o dinheiro, mas não as nossas crianças”, disse Bilynskyj, em conteúdo divulgado pelo PL de São Paulo.
A presença de agentes de segurança públicos ou privados é considerada, pelos defensores dessa estratégia, uma forma de desencorajar os agressores ou de reagir de forma mais rápida quando um eventual ataque tem início. Ex-comandante da Brigada Militar, o coronel Paulo Roberto Mendes entende que a colocação de militares traria melhorias em várias frentes.
— Cada escola deveria ter um policial não apenas pela questão do risco de ataques, mas para inibir uma série de outros delitos graves que circundam os colégios, como tráfico ou assédio. Isso necessitaria de uma presença forte do Estado, embora a gente saiba que a Brigada não tem efetivo suficiente para suprir a demanda — avalia Mendes.
O efetivo da BM contava 17,4 mil servidores no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, frente a cerca de 14 mil estabelecimentos de ensinos Infantil, Fundamental e Médio de todas as redes no Estado. Em todo o país, são mais de 265 mil estabelecimentos de acordo com o Censo Escolar de 2021. A despeito do investimento necessário para atender a demanda, o doutor em Sociologia, professor universitário e especialista em segurança pública Marcos Rolim afirma não existir evidências de que esse tipo de política ajude a preservar vidas de alunos.
— Não há qualquer evidência, no mundo inteiro, de que a presença de pessoas armadas tenha eficácia para prevenir ações como a de Blumenau. Como sabemos que a violência escolar é condicionada pelo clima nos colégios, a situação pode até piorar. Deveríamos, em vez disso, criar um ambiente cada vez mais acolhedor — analisa Rolim.
Uma revisão de diferentes estudos publicada no começo do ano passado pelo Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos com a missão de subsidiar o Congresso americano com informações objetivas sobre o andamento das políticas de policiamento não conseguiu, de fato, identificar vantagens na presença de forças de segurança junto às salas de aula. Um dos pontos destacados pelo relatório é que alguns dos incidentes com maiores números de vítimas já vistos em solo americano, como em Parkland (17 mortes), Santa Fe (10) e Columbine (15), ocorreram em locais que contavam com a presença de agentes de segurança.
Não adianta atacar os efeitos em vez das causas
BRUNO EIREZIK
Presidente da Fenep
Em outro trecho, o trabalho encomendado pelo governo dos EUA diz que "em 28 estudos que compararam escolas com policiamento àquelas sem, as escolas sem policiamento tiveram aproximadamente 3% menos crimes e problemas disciplinares do que aquelas policiadas". Sociólogo associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Escola de Direito da PUCRS, Rodrigo Azevedo sustenta que o fator surpresa, em favor do criminoso, é uma das razões pelas quais a presença de um policial não é garantia de um baixo número de vítimas.
— Não tem como evitar esse tipo de situação por esse caminho, além de significar uma rendição à ideia de que só é possível combater a violência com mais violência, com mais armamento — sustenta Azevedo.
Federação de escolas prepara campanha
Presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e vice-presidente do Sindicato do Ensino Privado do Estado, Bruno Eizerik se mostra contrário à adoção de armamento no universo pedagógico:
— O que está acontecendo, nos últimos meses, é o retrato do que ocorre em toda a sociedade. Não adianta querer atacar os efeitos, que são os atentados, em vez de atacar as causas. Temos de parar, pensar e trabalhar pela valorização da vida. A federação nacional vai se reunir na próxima semana para lançar uma campanha nacional de valorização da vida e da escola como "espaço sagrado".
Rolim e Azevedo entendem que ações de controle de acesso, por exemplo, poderiam ser mais eficazes do que a incorporação de força letal nos colégios — que poderia ainda gerar riscos como acidentes ou episódios de mau uso do equipamento. Marcos Rolim afirma que há uma estratégia conhecida pela terminologia em inglês "Crime Prevention Through Environmental Design (Cepted)" — algo como "prevenção ao crime por meio do design do ambiente" — que aposta em soluções de projeto e de arquitetura para reduzir riscos. Uma forma de colocar isso em prática, por exemplo, é aumentar o controle sobre quem ingressa no espaço escolar e dificultar a entrada que quem não estiver identificado e autorizado.
— Não quer dizer que vá resolver o problema, mas ajuda. Se há um ambiente em que qualquer um pode entrar, é pior — diz Rolim.
No ataque de Blumenau, por exemplo, o assassino pulou um muro com alguma facilidade para atacar as crianças. Avezedo acredita que se poderia pensar também em medidas como detectores de metais, embora faça a ressalva de que é uma ação de custo elevado e talvez não seja uma possibilidade para todas as redes de ensino.
A socióloga Aline Kerber, especialista em Segurança Pública e Prevenção da Violência na Escola, argumenta que somente uma abordagem integrada será capaz de evitar novas tragédias. Isso envolve policiamento baseados em evidências, análises de indicadores criminais, uso de tecnologias como câmeras e ações preventivas como mediação de conflitos e combate ao bullying, entre outras ações.
— Tradicionalmente, soluções são pautadas por mais armas, viaturas e policiamento porque amplia a sensação de segurança. Mas eu acredito em gestão da segurança pública voltada para resultados, pela qual temos de pensar em políticas mais amplas, que trabalhem a prevenção das violências e a repressão qualificada — diz Kerber.
Medidas para prevenir ataques a escolas
Especialistas apontam alternativas capazes de aumentar a segurança dos alunos contra atentados
Ambiente escolar saudável
Um levantamento do Instituto Sou da Paz envolvendo 12 ataques realizados com armas de fogo nas últimas duas décadas mostrou que, em oito ocasiões, o agressor era aluno da instituição atingida, e em outras quatro era ex-aluno. Frequentemente, o autor sofreu alguma forma de bullying no ambiente escolar ou manifestava alguma tendência de ódio. Ambientes que estimulam a convivência harmônica e a capacidade de se colocar no lugar do outro reduzem o risco de radicalização.
Monitoramento de atividades online
Fóruns de internet e redes sociais se transformaram em um dos focos de mobilização e radicalização de jovens, que muitas vezes abraçam discursos de ódio contra mulheres, negros, gays, entre outros perfis, e se tornam adeptos de ideologias extremistas. Marcos Rolim afirma que os mesmos algoritmos usados pelas grandes corporações para rastrear padrões de navegação e oferecer publicidade direcionada, por exemplo, poderia ajudar a identificar potenciais agressores online.
Investigação de grupos radicais
Por vezes, os autores de ataques a escolas se filiam a grupos radicais como células neonazistas. Em massacres como o de Aracruz (ES), no ano passado, o autor ostentava um símbolo nazista. A intensificação do trabalho de inteligência e do monitoramento de grupos radicais por parte das forças de segurança é outra medida capaz de prevenir atos violentos. O Ministério da Justiça anunciou recentemente que a Polícia Federal vai reforçar esse tipo de investigação.
Controle de acesso
Aumentar o controle sobre quem pode ingressar no ambiente escolar é uma forma de elevar a segurança de alunos, professores e funcionários, embora não seja uma solução por si só. Muitas vezes, o autor do atentado é aluno do colégio ou tem ligações com a escola. Outra medida é dificultar o acesso de quem não tem autorização para entrar, o que pode incluir desde o cuidado com a portaria até um projeto arquitetônico adequado, com muros que não sejam facilmente superados, por exemplo.
Cuidado com saúde mental
Muitos dos autores de massacres em escola apresentam problemas envolvendo a saúde mental. Aumentar a percepção sobre esse tipo de ocorrência, seja no ambiente familiar ou escolar, e oferecer encaminhamento a assistência adequada é uma forma de prevenir ações violentas. Para isso, também é importante contar com uma rede capaz de proporcionar o atendimento.