Fatores culturais e sociais existentes hoje na sociedade brasileira também podem estar relacionados ao aumento de ocorrências como o ataque a crianças em uma escola de educação infantil em Blumenau, em Santa Catarina, ocorrido na quarta-feira (5). É o que apontam especialistas em saúde mental e em comunicação nas mídias digitais.
Para a psicanalista e psicóloga Marina Pombo, pós-graduada em Saúde da Criança com transversalidade em Violência e Vulnerabilidade, o que está ocorrendo no Brasil é um fenômeno social, e não algo relacionado à saúde mental de forma individualizada. Ela afirma que hoje o tecido social no país está extremamente violento, onde a violência é usada como forma de resolução de conflitos.
— Não se fala mais em mediação e em conversa. Temos um tecido que fala muito da individualização das causas, de cada um por si e esse movimento vai fazendo um pouco do movimento contrário do que as escolas fazem. A escola sempre precisa ter um pensar no bem em comum, em prol de todos, na inclusão e na equidade — justifica.
Segundo Marina, o motivo de os ataques ocorrerem em escolas está ligado ao lugar desse espaço na sociedade. É o local onde se tem a prerrogativa de abrir espaço para mediar, conversar e questionar.
— É onde se intervém em relação ao aluno que faz bullying ou que está sendo agressivo. A escola ainda é um lugar onde tem alguém observando e intervindo, dizendo que não pode bater no coleguinha porque ele não emprestou o estojo, por exemplo. E isso na sociedade de adultos está precarizado por conta de anos com discurso de violência, daquele "se eu não gosto do mesmo que tu, eu quero que tu morra" — explica Marina.
A psicóloga fala que hoje a sociedade está reforçando a cultura da violência e diminuindo os espaços de diálogo, reforçando a exposição maior de agressividade e ódio. Marina reforça que há uma epidemia de ataques em curso, importada dos Estados Unidos, onde casos como o ocorrido em Blumenau se repetem em grande número.
O aumento da intolerância e da cultura de violência "importada" também é ressaltado pelo psiquiatra forense Thiago Fernando da Silva, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC) da USP, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Segundo ele, o cenário se agravou nos últimos anos porque a “cultura da violência passou a ser glamourizada”, com mais discursos de intolerância, menos espaço para resolução de conflitos de forma amistosa e incentivo a políticas públicas de maior acesso a armas.
Redes sociais como refúgio
Também ao Estadão, o psicólogo Timoteo Madaleno Vieira, professor de psicologia e educação do Instituto Federal de Goiás (IFG), destaca o distanciamento nas relações e o enfraquecimento do afeto. Para ele, vivemos um período de transição entre uma sociedade mais tradicional para um cenário de maior liberdade e priorização das demandas e desejos individuais. O aumento de comportamentos violentos, do isolamento e da intolerância entre alguns jovens tem, como pano de fundo, em alguns casos, um distanciamento e superficialismo nas relações, até mesmo familiares. E isso acaba levando ao aumento de sentimentos como abandono, rejeição e solidão.
Ligação com grupos de ódio
Pesquisador de mídias digitais e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Marcelo Fontoura explica que casos como o de Blumenau podem ter ligação com o crescimento e a radicalização de grupos de ódio. O docente relata que pesquisas recentes indicam a existência de conexão entre esses grupos online quando se trata de conduta extrema. Há redes específicas onde estas questões ficam ainda mais evidentes.
— Mas não podemos reduzir só a isso porque estes grupos, normalmente, têm milhões de pessoas. Não significa dizer que alguém por circular lá fará isso. A questão é que algumas pessoas estarão predispostas. A questão de por que alguém faz isso é extremamente complexa, pois cairá em vários lugares. Desde a origem da pessoa, a relação com a família e os amigos e até a dieta de informação dela — explica.
Fontoura salienta que as redes sociais são uma ferramenta que pode auxiliar no processo de radicalização, mas não são o único motor. Segundo ele, geralmente, a pessoa com acesso às redes já tem questões pessoais que a deixam propensa ou está em um grupo social capaz de influenciá-la.
— O que a rede social pode influenciar é na normalização de um certo discurso e um certo efeito chamado “buraco de minhoca”. A pessoa pesquisa determinado assunto e as recomendações começam a indicar temas e grupos relacionados ao assunto cada vez mais extremos. A rede social não transforma as pessoas: é a pessoa quem dá o primeiro passo — reforça.
Para ele, é muito difícil as plataformas limitarem discursos considerados inadequados por conta da quantidade de postagens feitas por segundo. A remoção de conteúdo automatizada, sustenta o professor, é difícil:
— Cabe ao ser humano fazer esse filtro, especialmente quando estamos falando de crianças e adolescentes acessando os conteúdos de ódio. O cuidado precisa ser redobrado, para que elas consigam entender o que estão vendo e o que não podem ver.
O pesquisador também reforça que entre as medidas para tentar evitar outras tragédias estão o controle de conteúdos extremos circulando, principalmente, nas redes sociais usadas para esta finalidade, e a mudança na cobertura jornalística, de um modo geral, com relação à cobertura de tragédias como os duas mais recentes envolvendo escolas no Brasil.
— Não se deixará de cobrir, mas a recomendação principal é dar menos atenção ao criminoso e focar no que ele causou às vítimas e à comunidade envolvida — ressalta Fontoura.