O primeiro dia do novo júri de Leandro Boldrini, pai do menino Bernardo, morto em 2014, foi marcado pelo longo e único depoimento do dia, o da delegada Caroline Bamberg, que comandou as investigações à época do crime. Na sessão, o grande debate girou em torno do envolvimento do réu no caso: se o médico mandou ou não matar o filho, então com 11 anos.
Para Caroline, Boldrini combinou a morte do menino com a companheira, Graciele Ugulini, madrasta de Bernardo e executora do assassinato. Quando o homicídio foi desvelado, no entanto, um "conluio" entre parentes do médico e advogados do caso teria sido armado isentar o médico da responsabilidade.
O médico está tendo novo julgamento após decisão, de 2021, que anulou a condenação dele a 33 anos e oito meses de prisão. Na ocasião, o Tribunal de Justiça entendeu que o MP violou o direito do réu de permanecer em silêncio.
O depoimento de Caroline começou por volta das 14h30min e durou cerca de seis horas. A delegada foi a responsável pela investigação da morte, e ouviu mais de cem testemunhas ao longo da apuração. Ao longo do seu depoimento, disse repetidas vezes ter certeza de que Boldrini atuou como mentor intelectual da morte do filho. Afirmou que o menino foi morto porque "não se encaixava mais" no contexto familiar depois que a mãe morreu e a madrasta passou a viver com Boldrini.
— Ele não se encaixava mais na sua nova família. Eles marcavam de tirar férias quando o Bernardo ia passar uns dias na casa da madrinha, para ele não ir junto. O chamavam de esquizofrênico, agressivo, diziam que era mal educado. Mas isso vai contra tudo que ouvimos sobre ele. Foram mais de cem pessoas ouvidas, todas dizendo que ele era extremamente carinhoso e carente, um guri excelente — relatou a delegada.
A defesa do réu sustentou que "não há provas" de que Boldrini tenha acertado a morte do filho, mas a delegada afirmou que o acordo ocorreu dentro de casa, na intimidade do casal.
— Eles eram um casal, dormiam à noite juntos. Conversavam de forma sigilosa, havia cumplicidade entre eles. Não iriam falar sobre isso abertamente. Eu tenho certeza de que ele sabia o que ia acontecer. Boldrini falou para a Graciele que queria a morte do Bernardo, mas não queria colocar a mão nisso. Ele combinou de ela fazer o trabalho sujo e se propôs a pagar pelo serviço, se ela precisasse de ajuda, como foi feito — relatou Caroline.
A policial lembrou também que foram feitas escutas telefônicas, com aval da Justiça, em aparelhos do casal e de familiares dos dois.
— Uns dias após as prisões, recebemos a informação de que os irmãos do Boldrini estavam pensando em fazer um acerto para que Graciele tirasse ele da história, assumisse o crime junto da Edelvânia (amiga da madrasta). Com isso, o Boldrini assumiria a parte financeira, porque ele que era médico, que conseguia fazer dinheiro. Então, iria manter ela. Diante dessas informações, pedimos as escuta telefônicas — lembrou.
Uma das escutas é de uma conversa entre Sérgio, o padrasto de Graciele, e seu filho, Leonardo. Na conversa, o padrasto diz que acredita que Leandro tenha sido o mentor intelectual do crime. "Isso a polícia acabará sabendo", relata um deles.
A delegada disse ainda que Boldrini defendeu a companheira em todas as vezes que foi ouvido, mas mudou de versão quando o corpo do filho foi encontrado.
— Ele defendeu a Graciele a todo o custo, de forma voraz, fervorosamente. Disse que não tinham desentendimentos em casa. Não falou nada que pudesse sugerir que a Graciele tinha ódio do Bernardo. Mas no depoimento, depois que o corpo foi descoberto, quando não tinha nada mais que se pudesse fazer, ele fala que ela odiava o menino. Por que não contou antes? Se ele escutou a própria mulher dizer que iria matar o filho dele, como vimos nos vídeos, não passou na cabeça dele que pudesse ter sido ela? Ele defendeu ela tanto, mas só até esse momento — afirmou.
Júri começou com exposição de gravações
Pela manhã, a exibição de um vídeo com cerca de 30 minutos de duração marcou o início da sessão. As imagens estão entre as provas apresentadas pelo Ministério Público (MP) e foram gravadas pelo próprio réu — e recuperadas pela investigação após a morte do garoto. Os vídeos mostram Bernardo discutindo com o pai e a madrasta, Graciele Ugulini, e por várias vezes gritando por socorro.
Ao assistir as imagens, Leandro Boldrini baixou a cabeça e se dirigiu aos advogados:
— Eu preciso assistir isso?
Com a resposta negativa, Boldrini deixou o plenário por alguns minutos, mas retornou antes do fim da exibição.
Também foi reproduzida imagem que mostra Bernardo e Leandro discutindo. O vídeo mostra o menino indo até a cozinha da casa para pegar uma faca e apontá-la contra o pai.
O vídeo é uma das principais provas a serem apresentadas pela acusação. O MP sustenta que Boldrini torturava o menino e foi o autor intelectual da morte. Mais cedo, o promotor Miguel Podanosche declarou que não há dúvidas do envolvimento do pai no crime.
Relembre o caso
Em 14 de abril de 2014, Bernardo Uglione Boldrini, então com 11 anos, foi encontrado morto, após 10 dias desaparecido. O menino morava com o pai, a madrasta, Graciele Ugulini, e uma meia-irmã, de um ano, no município de Três Passos. O pai chegou a afirmar que o filho havia retornado com a madrasta de uma viagem a Frederico Westphalen, no dia 4 de abril, quando teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Bernardo deveria voltar no final da tarde do dia 6, o que não ocorreu.
Após os 10 dias de investigações, foram presos por envolvimento no crime o pai, a madrasta e uma amiga dela, Edelvânia Wirganovicz. Em 10 de maio, foi preso o irmão de Edelvânia, Evandro.
Amigos e pessoas próximas serão testemunhas no segundo julgamento e, assim como no primeiro, devem relatar as lembranças que têm do menino e o que sabem sobre a relação dele com o pai e as condições em que vivia. Elas descrevem Bernardo como um menino meigo, que se envolvia em ações solidárias e com um "coração enorme". Uma criança carente, que buscava afeto nas famílias dos coleguinhas e que costumava "se pendurar" em abraços nas professoras e em quem quer que oferecesse aconchego.
Foi esse menino pacífico e afetuoso que foi dopado, colocado de cócoras dentro de uma cova vertical, com cerca de um metro de profundidade, com o corpo levemente inclinado para o lado direito e envolto por um saco plástico. O matagal onde ele foi enterrado fica na localidade de Linha São Francisco, em Frederico Westphalen.
Bernardo teria sido morto por Graciele, com a ajuda da amiga e do irmão dela. Os três também foram condenados em 2019. O pai seria o mentor intelectual do crime. Além do assassinato, Leandro e Graciele também foram acusados de cometer violência psicológica e humilhação contra o menino, em razão de vídeos e áudios mostrados ao longo do processo.
A situação dos demais réus
- Graciele Ugulini (madrasta) — condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicial fechado, está presa no Presídio Feminino Madre Pelletier com previsão de progressão para o semiaberto em 2026.
- Edelvania Wirganovicz (amiga de Graciele) — condenada a 22 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado, cumpre pena no regime semiaberto no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre.
- Evandro Wirganovicz (irmão de Edelvania) — condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto e atualmente em liberdade condicional.