Em coletiva de imprensa em frente ao Fórum de Três Passos, no noroeste do Estado, onde acontece o novo júri do médico Leandro Boldrini, nesta segunda-feira (20), os promotores que atuam no caso reforçaram o entendimento sobre a responsabilidade do réu na morte do próprio filho, Bernardo Boldrini, em abril de 2014.
Sem protestos ou mobilização da comunidade, como ocorreu no primeiro julgamento, em 2019, o promotor Miguel Germano Podanosche declarou que a perda de interesse pelo caso é natural. Para ele, isso não significa uma eventual dúvida da população sobre o envolvimento de Boldrini no crime.
— Dúvida não há. É natural que as coisas percam interesse, até mesmo da imprensa. De qualquer forma, dúvida não há. Leandro Boldrini é culpado e será novamente responsabilizado pelo que aconteceu — disse Podanosche.
O médico terá novo julgamento após decisão, de 2021, que anulou a condenação dele a 33 anos e oito meses de prisão. Na ocasião, o Tribunal de Justiça entendeu que o Ministério Público (MP) violou o direito do réu de permanecer em silêncio e anulou a condenação.
— Discordamos da decisão que anulou. Se não tivesse, tudo teria acabado em 2019. Discordamos, mas respeitamos e por isso estamos aqui. Nosso procedimento vai ser cumprir a legislação, fazer as perguntas às testemunhas, ao réu e, por fim, demonstrar aos jurados todas as provas — completou o promotor.
Destacada pelo MP para atuar no júri, a promotora Lúcia Helena Callegari reforçou a intenção de conseguir repetir a mesma pena para o réu:
— Que se faça justiça e que o Bernardo finalmente possa descansar. Me parece que é uma criança que nasceu para sofrer. Uma vida muito triste, com um fim terrível, por aqueles que tinham obrigação de cuida-lo.
Boldrini chegou ao Fórum de Três Passos às 8h55min para acompanhar o primeiro dia de julgamento. Preso na Penitenciária de Alta Segurança (Pasc), ele vai passar os próximos dias no Presídio de Três Passos, para acompanhar presencialmente os depoimentos.
O réu estava na traseira de uma caminhonete penal e não foi visto na chegada ao fórum. Ao fim dos depoimentos, o réu será interrogado pelas partes. Segundo a defesa, ele nega qualquer envolvimento na morte do menino.
Contraponto
A defesa de Boldrini, feita pelos advogados Rodrigo Grecellé Vares e Ezequiel Vetoretti, sustenta ter "certeza" de que o médico não tem participação na morte do Bernardo, amparando-se "em todos os elementos do processo".
"Leandro falhou como pai, isso é verdade. No entanto, existe uma distância abismal entre não ser um bom pai, falhar como pai e organizar a morte do filho, querer a morte do filho. A acusação é baseada em conjecturas, todas já destruídas com a prova produzida no processo. Com a convicção de quem leu, releu e tresleu os autos, posso afirmar que a condenação de Boldrini representa um dos maiores erros judiciários dos últimos tempos", diz Vetoretti em nota enviada à reportagem.
Os advogados afirmam encarar o novo julgamento "com serenidade" e acreditar que o júri, "despido das lentes do prejulgamento, irá reestabelecer a justiça e absolver" o réu.
Relembre o caso
Em 14 de abril de 2014, Bernardo Uglione Boldrini, então com 11 anos, foi encontrado morto, após 10 dias desaparecido. O menino morava com o pai, a madrasta, Graciele Ugulini, e uma meia-irmã, de um ano, no município de Três Passos. O pai chegou a afirmar que o filho havia retornado com a madrasta de uma viagem a Frederico Westphalen, no dia 4 de abril, quando teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Bernardo deveria voltar no final da tarde do dia 6, o que não ocorreu.
Após os 10 dias de investigações, foram presos por envolvimento no crime o pai, a madrasta e uma amiga dela, Edelvânia Wirganovicz. Em 10 de maio, foi preso o irmão de Edelvânia, Evandro.
Amigos e pessoas próximas serão testemunhas no segundo julgamento e, assim como no primeiro, devem relatar as lembranças que têm do menino e o que sabem sobre a relação dele com o pai e as condições em que vivia. Elas descrevem Bernardo como um menino meigo, que se envolvia em ações solidárias e com um "coração enorme". Uma criança carente, que buscava afeto nas famílias dos coleguinhas e que costumava "se pendurar" em abraços nas professoras e em quem quer que oferecesse aconchego.
Foi esse menino pacífico e afetuoso que foi dopado, colocado de cócoras dentro de uma cova vertical, com cerca de um metro de profundidade, com o corpo levemente inclinado para o lado direito e envolto por um saco plástico. O matagal onde ele foi enterrado fica na localidade de Linha São Francisco, em Frederico Westphalen.
Bernardo teria sido morto por Graciele, com a ajuda da amiga e do irmão dela. Os três também foram condenados em 2019. O pai seria o mentor intelectual do crime. Além do assassinato, Leandro e Graciele também foram acusados de cometer violência psicológica e humilhação contra o menino, em razão de vídeos e áudios mostrados ao longo do processo.
A situação dos demais réus
- Graciele Ugulini (madrasta) — condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicial fechado, está presa no Presídio Feminino Madre Pelletier com previsão de progressão para o semiaberto em 2026.
- Edelvania Wirganovicz (amiga de Graciele) — condenada a 22 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado, cumpre pena no regime semiaberto no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre.
- Evandro Wirganovicz (irmão de Edelvania) — condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto e atualmente em liberdade condicional.