Um dos casos de maior comoção registrados na região noroeste do Estado nas últimas décadas, o assassinato do menino Bernardo, em 2014, na cidade de Três Passos, deixou marcas na comunidade, que, dedobrou-se entre atos de pedidos por Justiça e homenagens à criança. Uma das mais concretas foi aprovada em 2015 pela Câmara de Vereadores do município, que deu a uma rua da cidade o nome do garoto. Contudo, oito anos depois do projeto ganhar o aval, o trecho, em estrada de chão, sem asfalto e sequer uma placa com menção ao garoto, está abandonado.
A Rua Menino Bernardo é onde fica o Lar Acolhedor, que abriga crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos e negligência doméstica em Três Passos. Hoje, o local atende 25 crianças. Foi essa entidade que, em 6 de setembro de 2017, quando Bernardo faria 15 anos, promoveu uma singela e simbólica festa de aniversário em memória do menino, com bolo decorado coberto por confetes azuis.
Um morador da região lembra que, quando o trecho recebeu o nome, dizia-se que seria decorado com flores e bem cuidado — cenário bem longe do que se vê hoje ao passar pelo local.
Procurada, a prefeitura de Três Passos informou que, ao assumir a atual gestão, mapeou as ruas que não possuem asfalto no município, entre elas a de Bernardo, que "está com projeto de pavimentação em andamento". "Gostaríamos de zerar o déficit de ruas não pavimentadas no perímetro urbano até o final desta gestão, mas infelizmente há falta de recursos para isso. Quanto às placas, foram enviadas à licitação mais de 400 placas de ruas que precisam ser substituídas e outras colocadas novas, como é o caso da Rua Menino Bernardo", diz em nota o prefeito Arlei Luis Tomazoni.
Sem faixas, cartazes ou fotos
O descaso com a rua que foi batizada com objetivo nobre diz muito sobre como o passar do tempo aplacou ações, manifestações e mobilizações que já foram intensas na cidade à época do assassinato brutal que comoveu a região e o Rio Grande do Sul. Atualmente, quem passa por Três Passos desavisado não imagina que o município revive nesta semana, seu episódio mais doloroso. Desde segunda-feira (20), é julgado pela segunda vez o médico Leandro Boldrini, acusado de ser o mentor intelectual da morte de Bernardo, seu próprio filho, aos 11 anos. Nenhuma foto, cartaz ou imagem da criança é visto pela cidade de cerca de 24 mil habitantes, ao noroeste do Estado.
O primeiro julgamento, em 2019, que condenou, além de Boldrini, outros três réus (veja abaixo a situação de cada um deles), mas foi anulado em 2021, parou o município e reuniu, nos locais por onde Bernardo havia passado, homenagens e pedidos de Justiça pelo assassinato do menino.
A casa onde ele morava com a família — na Rua Gaspar Silveira Martins, na região central da cidade — virou local de peregrinação, intensa movimentação, vigílias e reuniões de grupos de moradores. O local recebia visitas até mesmo de pessoas de fora do Estado. Foi em frente à casa que uma delegada de polícia da cidade precisou, há alguns anos, demover um grupo que cogitava colocar fogo no imóvel, indignado com o trágico desfecho do caso Bernardo. O argumento de que provas poderiam ser destruídas pelas chamas dissuadiu os manifestantes da ideia.
As manifestações pela cidade começaram desde a morte do garoto, em 2014, e a mobilização ainda ecoava em 2019, no primeiro júri. No entanto, nesta semana, diante do novo julgamento, nenhuma imagem de Bernardo é vista pela cidade. A antiga casa tem janelas e portas fechadas e grama bem aparada, mas nenhum movimento ou cartaz. Segundo vizinhos, uma empresa presta serviço de manutenção no local periodicamente.
Na escola onde ele estudou, também não foram vistas fotografias de Bernardo. Nenhum tipo de mobilização foi registrada nas ruas do município.
Alguns moradores da cidade afirmam que os cartazes antes espalhados deixam a cidade "pesada". Enquanto uns dizem não ter certeza do envolvimento de Boldrini no caso e citam que três réus já foram condenados, outros afirmam que houve um pedido para que imagens da criança fossem recolhidas — os materiais atrairiam pessoas de fora que traziam de volta o doloroso assunto.
Julgamento
O júri de Boldrini começou na segunda-feira (20) e deve se encerrar nesta quinta (23), por volta das 19h, quando será conhecido o futuro do réu.
A situação dos demais réus
- Graciele Ugulini (madrasta) — condenada a 34 anos e sete meses de reclusão em regime inicial fechado, está presa no Presídio Feminino Madre Pelletier com previsão de progressão para o semiaberto em 2026;
- Edelvania Wirganovicz (amiga de Graciele) — condenada a 22 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado, cumpre pena no regime semiaberto no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre;
- Evandro Wirganovicz (irmão de Edelvania) — condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto e atualmente em liberdade condicional.