Imagens de câmera de segurança são os últimos registros que familiares de Rubem Affonso Heger, 85 anos, e Marlene dos Passos Stafford Heger, 53, têm do casal. Em 27 de fevereiro de 2022, eles sumiram de casa em Cachoeirinha, na Região Metropolitana. O desaparecimento levou à mobilização e buscas, mas os dois nunca foram encontrados.
A investigação concluiu que o idoso e a esposa foram assassinados. Uma filha e um neto do aposentado se tornaram réus pelo crime — as defesas alegam que eles são inocentes. Um ano depois, a família espera por Justiça.
Os réus pelo que é considerado um duplo homicídio são Cláudia de Almeida Heger, 51 anos, e o filho dela Andrew Heger Ribas, 29. Ela é filha de Rubem e enteada de Marlene. Os dois residiam em Canoas, também na Grande Porto Alegre, quando o casal sumiu. Ao longo do caso, chegaram a ser presos, mas Cláudia retornou à prisão domiciliar, em razão de problemas de saúde, e atualmente está sendo monitorada com uso de tornozeleira eletrônica. Já Andrew foi encaminhado ao Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), onde permanece internado.
Na Justiça, o caso ainda está na fase de instrução, que é quando são ouvidas testemunhas e interrogados os réus. Na primeira audiência, em janeiro, foram ouvidas 11 testemunhas de acusação.
A próxima, segundo o Judiciário de Cachoeirinha, está agendada para 14 de março. É quando devem ser ouvidas as duas testemunhas que faltam da defesa e dar início às oitivas das de acusação. Pela ré Cláudia foram indicadas 10 testemunhas e por Andrew são sete pessoas que falarão no Judiciário. Somente após essa etapa, os réus devem ser interrogados. Ainda não há previsão de quando isso deve ocorrer.
Imagens e outros indícios
Promotor de Justiça Criminal Tomaz de la Rosa é o responsável pela denúncia contra os dois. O Ministério Público espera conseguir que mãe e filho sejam submetidos ao Tribunal do Júri.
— Esperamos que sejam pronunciados nos exatos termos da denúncia. Inclusive porque a prova vem muito tranquila nesse sentido, desde os primeiros dias. Com as filmagens que surgem logo após o desaparecimento, veio tudo se comprovando e se confirmando de uma forma muito segura. Não vejo possibilidade de não irmos a júri popular — diz o promotor.
Cláudia e Andrew passaram a ser considerados suspeitos em razão de imagens obtidas de câmeras próximas à casa das vítimas. Nelas, pode-se ver que a filha e o neto estiveram na moradia do casal naquele dia 27 e deixaram o local de carro. No entanto, como o veículo conta com película escura, não é possível visualizar se Rubem e Marlene estavam dentro. A filha alega que levou o pai e a madrasta para passarem alguns dias em sua casa, em Canoas, e que de lá eles desapareceram.
A acusação, no entanto, não acredita nesta versão e sustenta que os dois foram assassinados e tiveram os corpos ocultados. O fato de que os cadáveres nunca foram localizados, mesmo com buscas, é um dos pontos questionados pela defesa. O promotor argumenta que esta não é a única forma de comprovar que houve um crime. Um dos indicativos, segundo a acusação, é a presença de resquícios de sangue localizados pela perícia em pontos da moradia das vítimas.
— Os corpos são só uma das formas de se comprovar materialidade, temos inúmeras outras. Temos casos nacionais, como o do goleiro Bruno (Fernandes), em que o corpo da Eliza (Samúdio) nunca apareceu. E se reconheceu a procedência — afirma o promotor, referindo-se ao caso no qual o jogador foi condenado a 22 anos pelo assassinato e por esconder o corpo da modelo.
Além do homicídio, Cláudia e Andrew também respondem pelo crime de ocultação de cadáver. Segundo a acusação, notas fiscais mostram que Cláudia comprou utensílios numa ferragem, como uma lona de caminhão, braçadeiras plásticas e fitas crepes, em 9 de fevereiro, além de braçadeiras de nylon, tinta spray e fita tape, em 16 de fevereiro. Em 11 de fevereiro, Andrew levou o carro até uma oficina para instalação de películas escuras nos vidros. Outro ponto que despertou atenção é o fato de que o automóvel estava com os carpetes arrancados quando foi submetido à perícia, após o sumiço do casal.
Motivos para o crime
Sobre a motivação do crime, a acusação entende que uma soma de fatores levou ao desfecho. Um deles seria o interesse financeiro, já que o idoso havia vendido pouco tempo antes de desaparecer um veículo, no valor de R$ 70 mil. Isso teria se somado a desentendimentos anteriores, que teriam levado, inclusive, ao afastamento da família.
— Temos informações de que quando a Cláudia ressurge junto com o Andrew é justamente quando foi vendido o caminhão. Era sabido que (Rubem) tinha dinheiro em casa e no banco. Temos informação, que foi confirmada em juízo, por testemunhas, de que seu Rubem se recusou a dar apoio financeiro a Cláudia, pela insatisfação que ele tinha por ela já ter simulado um sequestro — diz o promotor.
Em relação à Marlene, Cláudia teria, segundo a acusação, problema com o fato de que ela, em seu entendimento, teria passado a ocupar o lugar de sua mãe, após se casar com Rubem.
— Denunciamos esse caso como homicídio quadruplamente qualificado, e esperamos que a gravidade do crime seja reconhecida pelo próprio Conselho de Sentença, pela comunidade. E que essa gravidade seja acolhida no cumprimento das penas. O que o MP quer é pena de prisão para a Cláudia e da mesma forma em relação ao Andrew — diz De la Rosa.
No caso de Andrew, no entanto, o futuro dele dependerá de análise do Judiciário. Isso porque, no fim de novembro, o IPF emitiu laudo no qual considera o réu incapaz de compreender os atos criminosos. Após esse resultado, a Justiça determinou a manutenção da internação provisória dele no IPF. Mesmo que seja submetido a júri, se houver pronúncia, caso seja entendido que ele é inimputável, a pena aplicada deve ser diversa, podendo ser de internação.
Em relação à Cláudia, o MP diz que segue monitorando a situação, que está usando tornozeleira eletrônica, e que continuará pleiteando que ela retorne à prisão.
Família espera localização de corpos
Ao longo do último ano, familiares conviveram com as incertezas sobre o que aconteceu aos dois e com a busca por Justiça. Esposa de Maurício, um dos filhos de Marlene, a vendedora Vanessa Nascimento de Armas, 28 anos, esperava que as buscas seguissem, mesmo com o indiciamento dos dois investigados.
— Estamos bem tristes, indignados, sabe, de não poder fazer o enterro, não ter uma despedida. A polícia encerrou as buscas sem achar os corpos. Como encerrar as buscas atrás dos corpos se não foram encontrados? Essa é uma dúvida que a família fica — indaga.
A Polícia Civil, responsável pela investigação que levou ao indiciamento da filha e do neto, afirma que foram realizadas todas as buscas possíveis durante a investigação e que nova procura só será iniciada caso surja alguma pista do paradeiro dos corpos.
Vanessa conta que, para os familiares, é muito difícil lidar com as lembranças e os questionamentos sobre o caso. A nora recorda da sogra como uma pessoa alegre, que se dava bem com a vizinhança, muito próxima dos filhos e que costumava estar sempre em contato por telefone. Lembra de Marlene e Rubem como um casal apaixonado.
— Ela era muito apaixonada. Passou 25 anos cuidando dele. Deixou de trabalhar para ficar cuidando dele, que necessitava de cuidados especiais. Ela fazia o almoço, janta, limpava a casa toda hora. Podia chegar lá qualquer horário que era tudo sempre arrumadinho, sempre organizado. Ela tinha um brilho no olhar e ele também, se amavam de verdade — diz.
A vendedora diz que, além da localização dos corpos, a família aguarda que os responsáveis pelo crime sejam condenados.
— A sensação de não poder enterrar teu familiar é terrível. Um dia fala com a tua mãe, tua sogra, e no outro não pode falar mais — diz.
Defesas buscam impronúncia
À frente da defesa de Cláudia, o criminalista Jean Severo afirma que a cliente garante ser completamente inocente das acusações. Um dos argumentos da defesa é justamente o fato de que os corpos nunca foram localizados, para comprovar que as vítimas foram mortas.
— Inclusive, no processo não tem nenhuma prova robusta de que ela tenha cometido esses homicídios. O que tem são pessoas que sumiram. Um processo que não tem nem materialidade. Acredito que nem vá a júri. Não tem materialidade, não tem corpo, não tem robustez processual nenhuma. Então, nós batemos na tecla de que a Cláudia é completamente inocente — sustenta.
Neste cenário, a defesa de Cláudia espera conseguir ao final da fase de instrução que a cliente seja impronunciada. Ou seja, que a Justiça decida que não há elementos suficientes para enviá-la a júri pelo crime.
— Buscamos impronúncia porque não tem materialidade. Não tem porque ela ser pronunciada — diz Severo.
O advogado André Von Berg, que representa Andrew, também sustenta a inocência do cliente e aguarda julgamento de um habeas corpus pelo Tribunal de Justiça. Da mesma forma, o criminalista busca que o cliente não seja submetido a júri.
— Tenho convicção na inocência do Andrew e que será feita Justiça ao caso concreto. A expectativa é de que o ele seja absolvido, nem que seja pela inimputabilidade. Há laudos que apontam que ele sofre de psicose não-orgânica não especificada e outros transtornos dissociativos — argumenta o advogado.