O Judiciário do RS é o que mais decide pela prisão preventiva durante as audiências de custódia, que completaram sete anos em 30 de julho de 2022. Conforme levantamento feito por GZH com base nos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de todos os Estados, das 48.912 audiências de custódia realizadas até 1º de agosto, às 16h, 33.153 resultaram em manutenção das prisões, o que representa 68%, e 15.758 receberam liberdade, com ou sem medidas alternativas, o que significa 32% das decisões (veja gráfico abaixo). O Estado é seguido pelo Rio de Janeiro e Rondônia, ambos com índices de 67%.
No outro extremo, aparece o Distrito Federal, sendo o que menos mantém pessoas presas após audiências de custódia. Das 33.476 realizadas, 12.850 (38%) resultaram em prisão preventiva e 20.626 (62%) em outras medidas.
O subprocurador-geral de Justiça para assuntos institucionais do Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul, Júlio César de Melo, pondera que é preciso conhecer a realidade dos demais Estados para fazer uma avaliação detalhada do levantamento. Sobre os números do Rio Grande do Sul, avalia que pode haver uma gravidade maior dos casos, por isso, a manutenção da maioria das prisões.
— Esse é um indicativo de uma maior gravidade dos crimes cometidos pelos que permanecem presos, como, por exemplo, a violência doméstica, o feminicídio, o tráfico ilícito de entorpecentes. Enfim, os crimes de maior gravidade — sustenta Melo.
O doutor em Direito e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Aury Lopes Júnior lembra que a audiência de custódia é um instrumento importante para saber sobre a legalidade e a necessidade de uma prisão. Diz que não é a primeira vez que o Rio Grande do Sul aparece como o Estado com maior percentual de prisões preventivas.
— Os juízes seguiram fazendo a prática antiga, antes da audiência de custódia, que era: a polícia faz a prisão em flagrante, manda os autos da prisão em flagrante para o juiz e ele faz uma primeira análise de concessão de liberdade, legalidade ou não. E aí ele mantinha aquela prisão e só depois marcava audiência de custódia. Nesse filtro, ele já eliminava as prisões ilegais ou escancaradamente desnecessárias, e aí mandava para audiência de custódia. E aí, é claro, as pessoas já iam para a audiência de custódia com uma tendência muito maior de manutenção da preventiva — pondera Aury.
Para o juiz André Vorraber Costa, coordenador da parte jurisdicional do Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp), os números precisam ser relativizados. E traz um exemplo:
— Se nós temos 10 pessoas presas, um é chefe de uma grande organização criminosa e os outras nove são pessoas envolvidas em criminalidade de menor periculosidade, menor relevância. Se nós prendermos esses nove envolvidos em criminalidade de menor relevância e soltarmos o chefe da organização criminosa, o nosso percentual será de 90% para 10%. Foi bom para a segurança pública? Me parece que não.
O chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, delegado Fábio Motta Lopes, entende que os números atuais do Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional, no qual 58% das decisões foram pela liberdade do preso e 42% pela prisão, refletem mais a realidade atual do Estado do que os dados históricos.
— Como nós tínhamos presos em delegacias e viaturas, muitas vezes se priorizava análise do procedimento e os juízes quando analisavam os autos de prisão em flagrante e constatavam que não era caso de manutenção dessa prisão em condições precárias, ele já determinava imediatamente a soltura. Ou seja, eu tinha o preso solto antes de ele passar por uma audiência de custódia — recorda o delegado.
No entendimento da dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Cintia Luzzatto, há uma cultura entre os magistrados gaúchos pela manutenção das prisões.
— Esse triste ranking encabeçado pelo Rio Grande do Sul de manutenção das prisões em 68% dos casos que passam pelas audiências de custódia demonstra entre os magistrados gaúchos a cultura do encarceramento em massa fundamentada na crença de que a prisão é a melhor solução. E nessa perspectiva, quando maior o encarceramento, melhor. Essa crença se confunde com o gerenciamento de segurança pública — avalia a defensora pública.
No Brasil, das 978.109 audiências de custódia realizadas em sete anos, 584.698 (60%) terminaram em prisão preventiva e 393.411 (40%) em liberdade, com ou sem medidas alternativas.
O CNJ também contabiliza denúncias de tortura ou maus-tratos durante as prisões. São 67.117, o que representa 6,86% do total. O Rio Grande do Sul aparece na 15ª colocação, com 4.068 (8,3%). O Amazonas lidera percentualmente, com 1.135 casos, o que representa 28,3% do total de 4.012 prisões realizadas. Sergipe é o Estado com menor índice. Das 16.059 prisões realizadas, 336 (2,1%) tiveram relatos de tortura ou maus-tratos.