A via silenciosa, arborizada e sem saída, calçada com paralelepípedos, tem uma tranquilidade que contrasta com o agito da Voluntários da Pátria. A cancela que impede o acesso de veículos fica a cerca de 30 metros do Guaíba, e o que se vê a partir dali não são os barulhentos ônibus intermunicipais, mas barcos a vela. O casarão de número 64 da Rua Doutor Mário Totta, cercado por jardins, não tem a imponência que o antigo prédio exibia, mas é de lá, no bairro Tristeza, que o Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI) da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP) monitora e coordena ações de combate ao crime em todo o Estado há nove meses.
Longe do ritmo acelerado dos passos que cruzam as ruas do Centro Histórico de Porto Alegre, mas atentos a cada movimento suspeito de pedestres ou veículos, servidores observam as telas com imagens de 727 câmeras espalhadas por todo Estado, em busca de possíveis flagrantes que possam servir como provas para inquéritos da Polícia Civil ou antecipar ações da Brigada Militar. Depois do incêndio que inviabilizou o antigo prédio da SSP e vitimou dois bombeiros, foi em um antigo local de treinamentos do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul (Procergs) que a pasta encontrou uma nova estrutura para sua sede provisória.
— Este era um dos poucos imóveis do Estado que podia ser ocupado e tinha Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) atualizado. Tinha uma estrutura elétrica e de instalação de internet bem boa. Entre julho e outubro (de 2021), preparamos ele para receber nossas operações como são vistas hoje — conta o diretor de tecnologia da informação do DCCI, Major Simões.
A tecnologia montada nesse espaço, complementa a diretora adjunta do departamento, delegada Rosane de Oliveira, será levada para a próxima sede:
— Será preciso uma nova adaptação e uma transição, provavelmente utilizando um caminhão que temos como unidade móvel desde 2014 para não ficar sem o serviço, mas a ideia é sempre agregar mais e mais estrutura.
Na noite do incêndio, que completou um ano em 14 de julho, uma operação de emergência manteve os atendimentos por meio do telefone 190 em aparelhos celulares. Menos de uma hora depois do prédio original ser evacuado, Simões e equipe estavam alocados em computadores do 9º Batalhão de Polícia Militar, na Avenida Praia de Belas. Ali, permaneceram até outubro, enquanto preparavam a sede na Zona Sul.
Este era um dos poucos imóveis do Estado que podia ser ocupado e tinha Plano de Prevenção Contra Incêndio atualizado. Tinha uma estrutura elétrica e de instalação de internet bem boa. Entre julho e outubro, preparamos ele para receber nossas operações como são vistas hoje.
MAJOR SIMÕES
Diretor de tecnologia da informação do DCCI
O primeiro semestre de 2022 marcou a consolidação da casa provisória da segurança estadual, onde mais de mil ocorrências contaram com identificação visual, em tempo real ou por meio da recuperação de imagens. Com uso de inteligência artificial para abastecer e consultar bancos de dados com veículos roubados e pessoas desaparecidas, os experientes operadores de câmeras avaliam comportamentos suspeitos e locais propensos a crimes.
— Todos que estão aqui têm uma ampla vivência prévia nas ruas. São agentes da segurança com 30 anos de experiência, ou até mesmo aposentados, que trouxemos para cá por terem essa expertise de conhecer a rotina de crimes nos centros urbanos — comenta o gestor de videomonitoramento, Elves Luciano de Paula.
O caminho da informação
Na manhã do último dia 6, Carlos Leite "do Breik", presidente da escola de samba Bambas da Orgia, sediada na Avenida Voluntários da Pátria, encontrou a quadra da agremiação com sinais de arrombamento e sem os troféus e boa parte dos cabos de energia elétrica. Registrou boletim de ocorrência na 17ª Delegacia de Polícia, a poucos metros dali, e aguardou que o delegado Thiago Bennemann encontrasse uma solução para o caso.
Do outro lado da cidade, 14 quilômetros distante do local da ocorrência, um operador de câmera da SSP observava a região perto da Estação Rodoviária. Chamava a atenção um homem que carregava objetos com brilho dourado, que quase caíam de um carrinho de mão envolvido por fios metálicos. Com o zoom das câmeras e alguns instantes de verificação nas ocorrências abertas, a suspeita gerou um diálogo com os colegas da Polícia Civil. Logo depois, a comunicação com o delegado Bennemann levou à abordagem do suspeito e sua prisão em flagrante, além da devolução dos pertences roubados à quadra da Bambas.
As quatro ilhas de trabalho no espaço provisório do DCCI têm, a poucos metros umas das outras, atendentes de ligações ao 190, policiais civis, peritos do Instituto Geral de Perícia (IGP), soldados do Corpo de Bombeiros e da Brigada Militar.
O DCCI quer ampliar ainda mais sua abrangência de monitoramento em tempo real para que ocorrências semelhantes possam ser resolvidas a distância também em outras regiões do Estado. A diretora adjunta do Departamento, delegada Rosane Oliveira, afirma que a SSP e o governo estadual fornecem capacitação e consultoria aos municípios que pretendem criar redes de videomonitoramento.
— A ideia é otimizar a experiência e os recursos empregados por cada cidade para conseguir uma melhor integração conosco aqui na Capital — explica. — Quando um assalto a banco ou outra ocorrência de maior potencial acontece no Interior, as câmeras nos auxiliam a tomar decisões sobre as ações das forças de segurança em tempo real.
Integração com Porto Alegre
A sexta-feira (15) se aproximava do meio-dia e boa parte dos trabalhadores se encaminhava para o almoço, quando um princípio de incêndio em uma loja da Galeria do Rosário, na Rua Vigário José Inácio, Centro Histórico de Porto Alegre, levou à evacuação do edifício. Quase instantaneamente, um dos monitores do Centro Integrado de Comando (Ceic) localizou as câmeras da prefeitura que cercam a quadra daquela ocorrência para acompanhar a ação dos bombeiros.
A cena da evacuação foi observada por duas das 1.500 câmeras que estão disponíveis aos 48 monitores do primeiro andar do prédio da Procempa, na Avenida Ipiranga. Na parede maior, 39 televisores com telas de 55 polegadas formam um painel de 16 metros de comprimento por três metros de altura. Olhando para a estrutura, estão reunidas as secretarias e departamentos municipais que cuidam das vias públicas porto-alegrenses, suas normas de convivência e parâmetros de funcionamento do espaço físico mantido pela gestão municipal.
Ao verem a ocorrência atendida pelos bombeiros, um alerta foi gerado para a Defesa Civil, inserindo no sistema a futura necessidade de vistoria do órgão naquele imóvel que era evacuado por incêndio. Ainda dividem o espaço, para otimizar o gerenciamento das ocorrências, EPTC, DMLU, SMSUrb, Carris, Fasc, Smed e a central de atendimento telefônico da Guarda Municipal. Assim como no DCCI, a integração também é regra de ouro.
O incêndio no prédio da SSP levou a um avanço significativo na troca de informações. Primeiro, a equipe estadual teve de ser instalada na estrutura municipal por três meses (entre a segunda metade de julho e outubro). Depois, ainda que consolidada a sede provisória na Zona Sul, alguns servidores da segurança continuaram trabalhando no centro municipal para ter maior acesso aos dados de cercamento eletrônico da Capital.
Monitoramento de veículos
A Região Metropolitana concentra a maior parte das ocorrências de veículos roubados e é peça importante no combate a este crime.
— As câmeras são importantes para que possamos localizar essas pessoas que estão na situação de foragidas e que, muitas vezes, continuam cometendo delitos. Assim, esse auxílio acaba refletindo na investigação policial. É mais uma ferramenta a ser utilizada pela investigação — ressalta a delegada Adriana Regina da Costa, diretora de policiamento da Região Metropolitana.
O cercamento eletrônico de câmeras da Secretaria de Segurança Pública do Estado e da prefeitura em Porto Alegre auxiliou as forças de segurança a efetuarem 195 prisões na Capital no primeiro semestre de 2022 — número maior do que os 156 registrados nos primeiros nove meses do ano anterior.
O índice do primeiro semestre deste ano representa média de uma detenção por dia. Além disso, 1.181 ocorrências tiveram a participação de operadores de câmera do DCCI, que ainda recuperou 10 veículos roubados na Região Metropolitana.
São 438 câmeras da prefeitura que auxiliam a SSP em constante monitoramento nas quatro regiões da Capital. Segundo dados atualizados no final do mês de junho, 8.845 possíveis ocorrências foram monitoradas por elas desde o começo de janeiro. Outros 289 dispositivos semelhantes fazem o mesmo trabalho em outros locais do Estado.
Considerando apenas pessoas condenadas e foragidas da Justiça, o videomonitoramento auxiliou na recaptura de nove procurados.