Há cerca de um ano, Munike Fernandes Krischke, 45 anos, e o marido saíram de casa, no bairro Sarandi, com destino a um restaurante na zona sul de Porto Alegre. Era 12 de junho de 2021, Dia dos Namorados, uma noite de sábado, e eles escolheram o estabelecimento de uma amiga para celebrar a união de nove anos de casados. A recepção preparada no local era romântica: a mesa foi decorada com uma foto dos dois, a mesma imagem que emoldura a cabeceira da cama do casal, a preferida de Munike.
No caminho, sob uma das alças de acesso a nova ponte do Guaíba, um paralelepípedo atravessou o vidro do carro e atingiu Munike em cheio. Ao suspeitar de uma tentativa de assalto, o marido não parou o veículo e acelerou em direção ao hospital, tentando reanimar a esposa durante todo o trajeto, sem sucesso. Munike foi submetida a várias cirurgias, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no domingo (13). Além do marido, de três irmãs e da mãe, ela deixou também o filho, Cauã, hoje com oito anos.
Pouco mais de um ano depois, a investigação policial não conseguiu apontar quem foi o responsável por arremessar a pedra, em razão da falta de imagens de câmeras e de testemunhas no local, segundo as equipes. O paralelepípedo, que pesava cerca de sete quilos, e mais objetos encontrados no local onde teria sido feito o arremesso passaram por perícia, mas não foram encontradas impressões digitais. Na época, a principal linha de investigação era de que o ataque seria uma tentativa de assalto.
Após a morte, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a CCR ViaSul, que administra a freeway, afirmam que intensificaram o policiamento na região e que câmeras foram instaladas — os equipamentos já estavam previstos no contrato assinado pela concessionária.
Irmã da vítima, Sabrina Krischke, 42 anos, conta que o reflexo da perda de Munike segue presente no dia a dia da família. Depois do nascimento do filho, Munike deixou o emprego para se dedicar à criação do menino. Como morava no mesmo terreno da mãe, era ela que também cuidava da idosa, de 72 anos.
— Ela fazia tudo pela nossa mãe. Cuidava, fazia o mercado, pagamentos, levava no médico. Além de ser uma mãe exemplar, uma pessoa divertida, que estava sempre alegre. A perda dela alterou todo o nosso ciclo familiar. Me mudei e agora eu que moro na casa em que ela vivia, para poder cuidar da nossa mãe. As pessoas acham que o tempo vai passando e a gente vai esquecendo, deixando para lá. Mas não é assim, a gente lembra todos os dias dela. Todos os dias nós sentimos essa falta — relata Sabrina.
Segundo a familiar, o filho da vítima mora com o pai e os avós paternos. O menino visita as tias e a avó materna a cada duas semanas, voltando na casa em que antes morava com a mãe.
— Ele ficou meses sem vir aqui, porque a gente tinha medo que ele ficasse procurando pela mãe. Explicamos que ela foi para o céu, que ela é uma estrela hoje. Ele entende, mas tem alguns medos, não gosta de ficar sozinho. Ele não fala muito sobre isso, mas às vezes ainda nos pergunta se a mãe vai voltar.
A irmã diz entender que a apuração do caso é difícil, em razão do local onde a morte ocorreu e das circustâncias envolvidas, mas conta que a família ainda espera por respostas. Segundo Sabrina, os familiares também aguardam mais providências, para que não ocorram mais mortes como a da irmã mais velha.
— A gente quer é que sejam feitas mudanças, tomadas providencias para que ninguém mais seja vítima de um caso assim. É muito difícil A perda material a gente reverte. O carro a gente arruma. Mas a vida não volta mais. Não acho que câmeras sejam suficientes, acho que precisa de grades, de algo para conter que sejam feitos arremessos ali.
No último dia 13, a família se reuniu em uma missa de um ano da morte de Munike.
Mudanças
Após o caso, ações foram realizadas no local, para coibir novos ataques, por equipes da PRF, da Brigada Militar e da CCR ViaSul, que administra a via.
Uma das operações foi feita dias depois na morte, na noite de 18 de junho. Na ação, foram abordados 34 veículos e 122 pessoas no trecho da freeway em Porto Alegre. Um homem que estava foragido foi recapturado - ele responde por ocorrências de roubo, dano e ameaça. Além disso, a prefeitura da Capital realizou uma limpeza na área, recolhendo materiais soltos, como pedras.
Conforme a PRF, a CCR e a EPTC colaboram com a institução fornecendo imagens das câmeras que possuem na região. A polícia rodoviária afirma também que segue mantendo o reforço de policiamento nas rondas ostensivas. Segundo a institução, nenhuma outra morte do tipo foi registrada desde então.
A CCR ViaSul afirmou que foram realizados encontros entre instituições e órgãos de segurança pública pra discutir medidas de melhoria no local. A concessionária diz que seguiu as recomendações sugeridas pelo Ministério Público Federal (MPF). Uma delas é a que prevê "ciclos de inspeção da rodovia", por meio da circulação de viaturas de inspeção de tráfego a cada 90 minutos. A empresa afirma que também mantém o "pleno funcionamento da iluminação já existente no local".
Além disso, a CCR concluiu, em novembro do ano passado, a instalação de câmeras de monitoramento de tráfego na região. Esse serviço já estava previsto no contrato de concessão assinado pela CCR e estava em execução na época da morte. Também em novembro passado, a empresa instalou placas informando que a rodovia é monitorada por câmeras.
De acordo com o MPF, uma das sugestões, no entanto, não foi colocada em prática. A entidade havia recomendado que a CCR também instalasse grades ou cercas que dificultem o arremesso de objetos em veículos. Conforme o procurador Rodrigo Valdez de Oliveira, o objetivo é minimizar a chance de novas vítimas sejam feitas.
— É algo difícil, porque mesmo com as alterações e mudanças segue existindo o risco de alguém pegar uma pedra, caminhar alguns quilômetros e arremessá-la. Mas o que podíamos fazer no sentido de pensar de medidas, de diminuir esse risco, foi feito — diz Oliveira.
Sobre a cerca, a CCR argumenta que o equipamento não estava previsto em contrato. O procurador afirma que ainda avalia com demais entidades se é possível, do ponto de vista de infraestrutura viária, a possibilidade de que sejam colocadas grades no local.
Investigação
Procurada, a Polícia Civil emitiu uma nota sobre o caso, em que afirma que a investigação segue em andamento, por homicídio qualificado. O trabalho é conduzido pela 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa da Capital. Na época da morte, a principal linha das equipes era de que a pedra foi arremessada para que criminosos tentassem realizar um assalto. Mas a polícia não descartava que o ato pudesse ser um tipo de vandalismo.
Até o momento, o autor do arremesso não foi identificado e ninguém foi preso.
"A Polícia Civil (...) esclarece que para o deslinde de um crime é imprescindível conteúdo probatório que se perfectibiliza, por exemplo, por meio de testemunhos e/ou imagens que possam apontar o autor e, a partir de então, descobrir o motivo para a prática da conduta. No caso em tela, não se tem imagens que tenham captado o fato e nem testemunhas que visualizassem o responsável pela ação que decorreu a morte da vítima. Saliente-se que foram e estão sendo empreendidas todas as diligências necessárias à elucidação, porém, até o momento, não foi possível apontar a autoria desse delito", diz o texto.
Os advogados Roger Lopes e Ana Carolina Stein, que representam os familiares da vítima ingressaram com uma ação cível para buscar a responsabilização tanto da concessionária quanto da União pelo morte de Munike. Em nota, dizem que, "embora as medidas para reforçar a segurança tomadas pós-ocorrência, de forma exclusiva pelos órgãos de segurança pública das esferas estadual e federal, as mesmas não se mostraram suficientes, uma vez que casos similares seguem ocorrendo". A ação proposta encontra-se em fase de instrução na 2ª Vara da Justiça Federal, ainda sem decisão final, segundo os advogados.