O mesmo pátio já transformado em cadeia a céu aberto, para abrigar presos em viaturas, agora comporta a estrutura considerada promessa de fôlego ao sistema carcerário em Porto Alegre. Erguido no bairro Partenon, o Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp), está 92% concluído. A obra deve ser entregue em maio e a expectativa é de que o centro de triagem, com 708 vagas, seja inaugurado até o início de junho.
Na área, junto ao Instituto Psiquiátrico Forense, na Avenida Salvador França, o núcleo é dividido em duas estruturas. Na parte da frente, ficam os prédios onde serão alocados os serviços de gestão, atendimento e serviços, como a cozinha. Ali serão realizadas, por exemplo, as audiências de custódia com os presos. O centro contará com juízes de plantão, membros do Ministério Público e defensores, e terá alojamentos disponíveis para que equipes permaneçam 24 horas no local.
Os presos que serão mantidos detidos passam para outra área do centro, a carceragem, que fica aos fundos do terreno. Foram construídos cinco módulos, sendo um deles para abrigar mulheres presas, em ala separada. Cada módulo masculino tem 20 celas, a maioria delas com oito vagas, num total de 156 por unidade – as celas com acessibilidade possuem menos leitos. No feminino, são oito celas, num total de 60 vagas. Somam-se ainda 24 vagas situadas na área de cozinha e serviço, num total de 708.
A estrutura, de maneira geral, é idêntica à de outras cadeias. Conta, por exemplo, com três torres de controle onde permanecerão os servidores e pátio para os banhos de sol. A intenção é de que os presos permaneçam ali somente o necessário para que sejam atendidos, passem por audiências, e sejam libertados ou encaminhados para casa prisional de destino (seja para casos de detidos provisoriamente ou com condenação). Ainda poderá ser instalada tornozeleira eletrônica, dependendo de cada caso. Com isso, o governo espera dar fim à espera de presos em celas de delegacias ou em viaturas na Região Metropolitana.
— Ter essa estrutura à disposição sem dúvidas é uma nova realidade, novo contexto. Tanto para os presos, como para os policiais, e outros servidores envolvidos. Vamos receber ali 55% das pessoas presas diariamente em todo Estado — afirma o secretário de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, Mauro Hauschild.
O que falta
A previsão inicial era concluir a obra orçada em R$ 46,4 milhões no fim de março, no entanto, o cronograma precisou ser prorrogado. Entre os fatores, segundo o governo, estão afastamentos que foram necessários em razão da pandemia, as chuvas nas últimas semanas, e a instalação de uma lavanderia.
— Inicialmente, o Nugesp não iria usar uniformes, mas a gestão entendeu que é importante a utilização. Então, foi preciso instalar uma lavanderia, que não estava prevista — explica a engenheira civil da secretaria, Cláudia Gaier.
O muro que separada o Nugesp do IPF e do Hospital Psiquiátrico São Pedro também está avariado, pelas raízes de árvores, que deverão ser removidas. Depois, novo muro será erguido no mesmo local. Com isso, a empresa responsável solicitou mais 60 dias, a contar de 31 de março. Para acelerar o processo de inauguração, houve solicitação para que a estrutura concluída seja entregue parcialmente para que sejam instalados móveis, equipamentos e colchões, por exemplo.
— Entre o final de maio e a primeira quinzena de junho queremos poder ocupar definitivamente o local — projeta o secretário Hauschild.
A construção dos módulos onde ficará a carceragem está praticamente concluída, em fase de acabamentos. Também são realizadas as ligações da rede sanitária e elétrica, dos sistemas de prevenção contra incêndio e da rede lógica (internet). Um gerador está sendo instalado nesta semana e na próxima deve ser a vez das caldeiras. Na área da frente, os operários ainda trabalham na pavimentação.
O modelo usado no Nugesp é o mesmo empregado em outras prisões do RS, como o Complexo Prisional de Canoas e as penitenciárias de Porto Alegre, de Bento Gonçalves e de Venâncio Aires. A estrutura, erguida com o uso de monoblocos de concreto, usa sistema de abertura e fechamento automático das portas, e permite aos agentes monitorar a rotina dos presos a partir de uma plataforma no alto do corredor das celas, evitando contato direto com os apenados.
Histórico
A decisão de construção do centro de triagem foi tomada em 2019, após série de embates envolvendo o sistema penitenciário nos últimos anos. O crescente número de presos abrigados em viaturas, que se transformaram em celas improvisadas, causou mal-estar ao governo do Estado. Levou, por exemplo, a Defensoria Pública do Estado, a mover ações contra a prática de manter presos algemados dentro de viaturas ou em celas abarrotadas de delegacias.
Em julho daquele ano, houve a decisão de transferir os presos que estavam sendo custodiados por policiais nas calçadas em frente às delegacias da Região Metropolitana e do Palácio da Polícia para o pátio nos fundos do IPF. Como o Estado não conseguia resolver a situação e cumprir as ordens de desocupação das delegacias, devido à complexidade do problema, foi dado início a uma fase de mediação.
O processo foi realizado entre o Tribunal de Justiça, a então Secretaria da Administração Penitenciária, Defensoria, Brigada Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Naquele momento, a ideia do centro de triagem já era ventilada, e a expectativa era de que em dois meses pudesse ser colocada em prática.
No entanto, foram longos períodos de debates e acertos sobre a melhor forma de implementação. Dois anos depois, em julho de 2021, foi assinado termo de cooperação para criação e funcionamento do Nugesp. A obra se iniciou em agosto, com perspectiva de conclusão prevista para oito meses, mas o período foi prolongado.
O Nugesp
Como vai funcionar
Após o registro de ocorrência na delegacia de polícia, todo preso nos municípios atendidos será encaminhado para o sistema prisional por meio do Nugesp. O centro funcionará como “local de passagem”, com diversos órgãos envolvidos no âmbito do sistema prisional. Contemplará todos os procedimentos básicos, como identificação, documentação, registro policial, assistência social, audiência de custódia, até o encaminhamento final compatível ao perfil e situação do preso.
Local
O Nugesp ficará na Avenida Salvador França, 296. O local terá 5,5 mil m² de área, dividido em:
- Área de Custódia Temporária, com quatro módulos masculinos e um feminino.
- Área Administrativa
- Torres de controle
- Sala de Audiência de Custódia
- Triagem, com serviço de identificação, atendimento por psicólogos, médicos e pelas assistentes sociais, quando for necessário.
- Cozinha e Serviços Gerais
- Divisão de Monitoramento Eletrônico
Capacidade
- 708 presos.
Presos de onde?
- A estrutura prevê vagas para presos de Alvorada, Cachoeirinha, Campo Bom, Canoas, Charqueadas, Dois Irmãos, Eldorado do Sul, Estância Velha, Esteio, Gravataí, Guaíba, Igrejinha, Ivoti, Montenegro, Novo Hamburgo, Parobé, Portão, Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha, São Jerônimo, São Leopoldo, Sapiranga, Sapucaia do Sul, Taquara, Triunfo e Viamão.
Servidores
- Além das instituições que compõem o sistema jurídico, o Nugesp terá até 250 servidores da Susepe. Esse efetivo passará por curso para atuar no local.
A gestão
- A parte de atribuição da Susepe – onde ficarão os presos – terá um diretor, assim como as demais casas prisionais, e a outra será gerida por um comitê que envolverá os demais órgãos.
Os recursos
- Cerca de R$ 21 milhões foram pagos com recurso do Tesouro e R$ 25 milhões em permuta de mais de 20 imóveis do Estado.
Opinião do sindicato
Após a publicação da reportagem, a Amapergs Sindicato procurou GZH. O presidente da entidade, Saulo Felipe Basso dos Santos ressalta que há déficit no sistema prisional de cerca de 4 mil agentes penitenciários.
— Não temos 250 servidores para deslocar para o Nugesp agora. Acho que é irracional que, para priorizar o Nugesp, a gente deixe diversas casas prisionais, que estão com déficit funcional, e todas estão, para se resolver só um caso.
Santos ressalta que esses servidores integram uma turma que terminou a academia em março e que entrou para suprir, em parte, o déficit mencionado — mas que, desta maneira, dois terços seriam deslocados para o núcleo.
— Não somos contrários à abertura do Nugesp, a gente acha importante, vai melhorar a condição, a triagem, o atendimento aos apenados, para a gente conseguir construir uma solução mais rápida e mais efetiva. Teria de ter, quem sabe, um outro chamamento, já que se quer ampliar o atendimento de casas prisionais.
Segundo Hauschild, os servidores que atuarão no Nugesp fazem parte dos últimos concursados que foram chamados.