A operação considerada uma das maiores já realizadas pela Polícia Civil do Estado tinha um objetivo claro: causar um rombo financeiro tão significativo que enfraqueceria até mesmo um dos maiores grupos criminosos do Rio Grande do Sul, nascido no Vale do Sinos. O trabalho foi feito por meio da apreensão de bens comprados pelos criminosos com o dinheiro adquirido no crime, uma forma sofisticada de lavagem de dinheiro, conforme a instituição. A ação ocorreu na terça-feira (19) e contou com cerca de 1,3 mil agentes. Agora, com uma extensa lista de bens de luxo — com veículos como Maserati e Camaro, um avião e dezenas de imóveis de alto padrão — nas mãos, a polícia segue contabilizando os efeitos causados pela megaoperação. O prejuízo inicial à facção é estimado em R$ 50 milhões.
— A coluna vertebral econômica dessa organização foi quebrada. Foi uma derrota financeira muito forte. Nós temos convicção de que esta facção irá demorar, ou talvez nem mesmo conseguir, se reerguer da mesma forma em algum momento — avalia o diretor da 2ª Delegacia Regional Metropolitana, delegado Mario Souza.
As apreensões demonstram o poderio econômico do grupo. Na data da megaoperação, mais de uma centena de carros foram apreendidos ou sequestrados judicialmente. Entre eles, cinco BMWs, oito Audis, dois Camaros, três Range Rover Evoque, um Cadillac, um Maserati e um Jaguar. No total, foram 102 veículos.
Além disso, um avião Excel Cargo, avaliado em R$ 400 mil, também foi apreendido no Paraguai. Outro avião, um Petrel AV 12, que é modelo anfíbio, podendo pousar na água e voar baixo, é procurado pelas equipes. Em razão da baixa altitude, ele não foi localizado nos radares até o momento. A polícia afirma que já tem ordem judicial para apreender a aeronave. Os equipamentos eram usados para transporte de drogas e de integrantes do grupo.
A polícia também realizou, na operação, 38 sequestros de imóveis, espalhados pela Capital e Região Metropolitana. São casas de luxo, apartamentos, áreas de terra e pavilhões com valores variados e que podem chegar a R$ 2 milhões cada. Algumas das casas ficam em condomínios de luxo, todas de alto padrão.
Ao menos cinco empresas de fachada eram mantidas pelo grupo na tentativa de simular que os negócios eram legais, conforme a polícia.
As equipes também efetuaram o bloqueio de 190 contas bancárias de integrantes do grupo. Os valores em cada uma delas ainda serão contabilizados. Foram deferidos pela Justiça 812 pedidos para quebras de sigilo fiscal, bancário, tributário e bursátil — relacionado a investimentos na bolsa de valores. A polícia acredita que a facção pode ter feito investimentos na bolsa como mais uma alternativa para lavagem de dinheiro. A previsão para quebra de sigilo sobre essas informações, que ainda precisarão ser analisadas pelas equipes, é estimada em 60 dias. A polícia também investiga um possível envolvimento com compra e venda de pedras preciosas por parte da facção.
No dia da ação, também chamou atenção das equipes um urso de pelúcia que escondia R$ 41 mil. O item foi localizado em uma residência em Porto Alegre durante um dos cumprimentos de ordens judiciais e pertenceria a uma das principais investigadas da ação. Ela seria esposa de um dos líderes do grupo criminoso e foi presa naquela manhã por lavagem de dinheiro.
Conforme a polícia, deve ser apreendido judicialmente um valor de cerca de R$ 50 milhões. Como ainda é necessário aguardar informações sobre as contas bancárias e investimentos financeiros, as equipes acreditam que o valor será ainda maior.
Vida "altamente luxuosa"
Com tantos bens adquiridos, os integrantes do grupo levavam vidas luxuosas, segundo os investigadores. As residências, com espaços gourmet em condomínios de alto padrão, eram moradia para os criminosos. Além de dinheiro vivo, o uso de carros de luxo também fazia parte da rotina dos membros mais altos do grupo.
— Era uma vida altamente luxuosa, eles frequentavam rodas sociais altíssimas no Estado. Ninguém anda de Cadillac por aí se não for, ao menos aparentemente, um milionário. E eles usufruíam de tudo isso. Moravam em mansão pagando IPTU, usavam carros de luxo com imposto em dia. Desfrutavam desse dinheiro como se não fosse sujo. Não é que eles ostentavam, é que eles realmente tinham essa condição, eles usufruíam do que tinham — avalia Souza.
O delegado ressalta que o dinheiro obtido não vinha apenas do tráfico de drogas, mas também de crimes patrimoniais, como roubo de pertences e veículos, além do comércio de armas.
Negócios
De acordo com o delegado Gabriel Borges, da 1ª Delegacia de Sapucaia do Sul e responsável pela chamada Operação Kraken, a facção trabalhava de forma "sofisticada" para encobrir os valores. Atuando como de fosse uma empresa, o grupo tinha ligações nacionais e internacionais com outras organizações. Ceca de 200 criminosos são investigados no inquérito, que segue em andamento.
— Eles atuam de forma muito organizada, muito empresarial, e realizam todo tipo de infração penal que pode gerar lucro. Sejam crimes patrimoniais, extorsão, sequestros, crimes relacionados ao tráfico, comércio de arma de fogo, enfim. E, a partir daí, entra o segundo momento, que é lavagem de dinheiro, a conversão dos valores ilícitos. Isso envolve, por exemplo, a compra de imóveis e veículos de luxo, a constituição de empresas de fachada e a utilização de laranjas para fins de conta bancária — explicou Borges no dia da operação.
Conforme Souza, a polícia deve pedir ao judiciário que os bens apreendidos sejam usados a favor das forças de segurança do Estado. A megaoperação também é, diz Souza, uma resposta à sociedade e ao crime:
— O que a gente quer dizer é: não tem outra saída. O criminoso vai perder essa ilusão de vida luxuosa: ou ele vai ser preso ou vai acabar perdendo a vida em disputas entre as próprias facções. Será assim com todos. Agora, vamos solicitar que esses bens possam ser usados a favor da sociedade. Os veículos, por exemplo, vão passar, assim que a Justiça autorizar, a ser usados como viaturas, em pontos estratégicos.
58 presos, três em liberdade
Na terça, 58 pessoas foram presas durante a operação. Nesta sexta, segundo a Polícia Civil, três foram colocadas em liberdade, pelo Judiciário, com restrições, e aguardam o processo criminal.
A investigação contra o grupo teve início há cerca de um ano e meio, na 1ª Delegacia de Sapucaia do Sul, e contou com apoio do Ministério Público (MP). Na terça, a ação cumpriu 1.368 ordens judiciais. Cerca de 1,3 mil agentes atuaram em 38 cidades do RS e localidades de Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. Além da Polícia Civil e do MP, participaram da ação equipes da Brigada Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Rodoviária Federal (PRF), Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e Departamento Penitenciário Nacional (Depen).