Para tornar o bispo Antônio Carlos Rossi Keller, da diocese de Frederico Westphalen, no norte do Estado, réu por abuso sexual, no começo de fevereiro, o Tribunal de Justiça (TJ) teve como base entendimento de que havia na denúncia do Ministério Público (MP) "suficiente descrição dos fatos" e "lastro probatório mínimo" dos supostos crimes.
GZH teve acesso à decisão da 7ª Câmara Criminal do TJ, que foi unânime. O relator do processo é o juiz Alexandre Kreutz.
Quando o MP apresentou a denúncia ao juízo de 1º grau, em Frederico Westphalen, em 2020, o juiz Mateus da Jornada Fortes rejeitou a acusação por entender que os fatos descritos não se enquadravam nos tipos penais usados pelo MP, que não estariam em vigor à época dos fatos, sendo criados por lei posterior ao ocorrido. Ou seja: o magistrado não entrou no mérito sobre se os supostos abusos ocorreram ou não. A vítima seria um um ex-cerimoniário da diocese.
O juiz argumentou sobre a impossibilidade de "tipificar como crimes sexuais" as condutas descritas na denúncia. O magistrado também alegou falta de detalhamento sobre os períodos em que teriam ocorrido os fatos. O MP recorreu da decisão, que acabou reformada pelo TJ em fevereiro.
Na decisão da corte, a qual GZH teve acesso, consta que é "inidônea a exigência de maiores detalhamentos do período em que, em tese, as práticas criminosas ocorreram, por não se tratar de elemento essencial para a propositura da ação penal, mas acidental. Tal pormenorização somente será possível com a instrução processual e a jornada instrutória, o que não ofende o princípio da ampla defesa e do contraditório".
Quanto ao enquadramento feito pelo MP e considerado inadequado pelo juiz de 1º grau, a 7ª Câmara Criminal do TJ disse: "Eventual equívoco a respeito da capitulação do crime na peça acusatória também não é elemento a ensejar a sua rejeição, uma vez que o acusado se defende dos fatos e não da capitulação jurídica".
Outro ponto questionado pelo juiz de Frederico Westphalen foi se o adolescente apontado como vítima seria mesmo incapaz de oferecer resistência às supostas investidas sexuais do bispo. Em seu voto, o relator, juiz Alexandre Kreutz, escreveu:
"Pertinente um aparte, descabida, a meu ver, a motivação do Julgador a quo a respeito da vítima poder ou não oferecer resistência, tendo em vista que o caso dos autos é absolutamente complexo, aliás, crimes de natureza sexual, por si sós, já demandam enorme complexidão. O presente, por envolver pessoa que, ao tempo dos fatos, era menor, aliada a relação de afeto, carinho, cuidado, numa sociedade totalmente estruturada na hierarquia e fechada como é a Igreja - e, aqui, sem que se faça qualquer crítica, sendo apenas uma constatação - demandam, necessariamente, um olhar ainda mais aprofundado do Julgador para se averiguar se realmente a relação lá existente possuía cunho ilícito ou não. Ocorre que, para chegar a tal convencimento, é absolutamente necessária a ampla produção probatória, sendo incabível, na fase em que se encontra o processo."
A defesa do bispo ingressou, na segunda-feira (21), com embargos de declaração visando a esclarecer pontos da decisão. Depois disso, cabe recurso da decisão que tornou o bispo réu junto aos tribunais superiores.
O caso
- As apurações do MP sobre possíveis abusos tiveram como base o relato de um ex-cerimoniário, que contou ter sofrido abusos sexuais
- A denúncia do MP descreveu que dom Antônio, "aproveitando-se da condição de bispo da Igreja Católica Apostólica Romana, reiteradamente praticou ato libidinoso ao fazer carícias na mão, no rosto, abraçar e pegar a cabeça da vítima e puxá-la até que encostasse em seu peito"
- Em outro ponto da denúncia, o promotor Gerson Luís Kirsch Daiello Moreira registrou a ocorrência de "afagos, carícias e sexo oral" quando a vítima já tinha 14 anos. Daiello destacou ainda o fato de o jovem estar em posição de "total vulnerabilidade afetivo-psicológica", sem poder oferecer, desta forma, resistência
- A Igreja Católica, que também averiguou as suspeitas, disse não ter encontrado fundamentos que comprovassem as denúncias. O bispo Antônio Carlos Rossi Keller acabou absolvido no processo canônico
Contraponto
O que dizem os advogados Miguel Wedy, Guilherme Fontes e Maria Eduarda Kleina, que defendem o bispo:
A defesa do Bispo Dom Antonio Rossi Keller entende que a decisão do Juízo de Frederico Westphalen é tecnicamente acertada, razão pela qual envidará todos os esforços para que seja este o entendimento definitivo sobre o caso.
Para tanto, a defesa opôs "Embargos de Declaração". Trata-se de um recurso, dirigido ao próprio Juiz Relator da última decisão, de forma a explicitar alguns pontos que precisam ser esclarecidos e, eventualmente, preparar os recursos aos tribunais superiores, caso se faça necessário.