O bispo Antônio Carlos Rossi Keller, da diocese de Frederico Westphalen, no norte do RS, virou réu por abuso sexual. A decisão foi tomada pelo Tribunal de Justiça na tarde desta quinta-feira (3), após voto favorável de três desembargadores da 7ª Câmara Criminal.
A votação foi unânime: três votos a favor do enquadramento do bispo como réu em processo de abuso sexual de menor de idade. O religioso estava denunciado desde agosto de 2020 pelo Ministério Público, mas a denúncia não foi aceita pelo juiz de primeiro grau Mateus da Jornada Fortes, de Frederico Westphalen.
O magistrado entendeu que os fatos descritos na denúncia não se enquadravam nos tipos penais indicados pelo MP (estupro), que não estariam em vigor à época dos fatos, sendo criados por lei posterior ao ocorrido. O juiz alegou impossibilidade de "tipificar como crimes sexuais" as condutas descritas na denúncia e ocorridas em determinado período.
Ressaltou que o MP denunciou o bispo por estupro de vulnerável e, na época dos fatos, estupro só poderia ocorrer contra mulher e o atentado violento ao pudor tinha outros requisitos para configuração.
O promotor Gerson Luís Kirsch Daiello Moreira recorreu ao Tribunal de Justiça, em setembro daquele mesmo ano, para manter a denúncia. Com a denúncia aceita agora pela 7ª Câmara Criminal do TJ, o bispo deve ser julgado na Comarca de Frederico Westphalen. Ainda cabe recurso contra a decisão desta quinta-feira.
As apurações do MP sobre possíveis abusos tiveram como base o relato de um ex-cerimoniário — espécie de ajudante de religiosos em missas e outras tarefas na Igreja — de Frederico Westphalen. Ele contou ter sofrido abusos sexuais. Suspeitas desse tipo são uma mácula que atinge a Igreja no mundo todo e que tem resultado em expulsões de religiosos, com aprovação do papa Francisco, que é fervoroso defensor de punições e transparência no assunto.
Aos 13 anos, o adolescente foi morar com dom Antônio. Hoje, depois de passar por transição de gênero, a suposta vítima de abuso atende por um nome feminino.
A denúncia do MP descreve que dom Antônio, "aproveitando-se da condição de bispo da Igreja Católica Apostólica Romana, reiteradamente praticou ato libidinoso com (nome do adolescente na época) ao fazer carícias na mão, no rosto, abraçar e pegar a cabeça da vítima e puxá-la até que encostasse em seu peito".
Em outro ponto da denúncia, o promotor registra a ocorrência de "afagos, carícias e sexo oral" quando a vítima já tinha 14 anos. Daiello destacou ainda o fato de o jovem estar em posição de "total vulnerabilidade afetivo-psicológica", sem poder oferecer, desta forma, resistência.
A Igreja Católica também averiguou as suspeitas. O arcebispo de Passo Fundo, dom Rodolfo Luís Weber, recebeu um dossiê em 2017 e o repassou à Nunciatura Apostólica, a representação oficial da Igreja no Brasil. Ele confirma que as denúncias foram investigadas em processo canônico.
— Houve três investigações, que foram para Roma, e chegaram à conclusão de que não tem fundamento essa acusação de estupro de vulnerável — afirma o arcebispo.
Questionado sobre se o teor da denúncia do MP pode fazer a Igreja adotar novas medidas, explicou:
— Primeiro tem que provar se é verdade ou não. Denúncia tem aos montes, não quer dizer que seja fato. Mesmo no campo político, quantos já foram acusados e depois a investigação não consegue provar a denúncia. Se o crime se confirmar, evidente que vai ser revisto. Mas a Igreja foi ágil na procura de respostas, recebeu (o dossiê) e foi atrás.
Dias antes do Natal, dom Antônio divulgou uma mensagem em vídeo no YouTube falando das acusações, das motivações que estariam por trás das denúncias e de sua absolvição no processo canônico. Agora, o bispo aguarda o desfecho do caso na Justiça.
Dom Antônio também vai responder criminalmente por coação no curso do processo, por atos que teria praticado contra um dos padres que assinaram o dossiê com as denúncias, em 2017. Conforme o MP, o bispo teria ofendido a saúde psíquica de um padre, ao deixá-lo sem salário e outros benefícios e removê-lo de paróquia, alegando que o religioso teria infringido regras do Vaticano em assuntos religiosos. A denúncia diz que Dom Antônio teria agido contra o padre para "facilitar a ocultação e a impunidade" dos delitos que vinham sendo denunciados por subordinados.
GZH apurou que o padre foi demitido em decisão assinada pelo papa Francisco em setembro de 2021. Com isso, perde direitos do estado clerical e tudo que lhe for inerente. Ou seja, deixou de ser padre. O motivo da demissão foi desobediência continuada e por ter abandonado as funções como padre.
Outro dos sete padres que assinaram a denúncia também se afastou da diocese, mas contra ele ainda não há processo canônico. A defesa do bispo sustenta que quatro dos sete padres denunciantes se retrataram ao longo das apurações.
Contraponto
O que dizem Miguel Wedy e Guilherme Fontes, advogados do bispo Antônio Carlos Rossi Keller
"Esclarecemos que Dom Antônio Rossi Keller, bispo da Diocese de Frederico Westphalen, foi inocentado nas esferas canônica e civil. Da mesma forma, a denúncia do Ministério Público foi inteiramente rejeitada em primeira instância. São elementos que evidenciam a fragilidade dessa acusação. Reafirmamos sua inocência e que os responsáveis pela falsa denúncia serão devidamente responsabilizados."
O que diz a Diocese de Frederico Westphalen
"A Diocese de Frederico Westphalen esclarece à comunidade que a denúncia que tramita contra o bispo Dom Antônio Rossi Keller foi rejeitada em primeira instância. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que a denúncia, apesar de suas falhas, possui os requisitos formais mínimos para recebimento. Cabe recurso da referida decisão, o que será feito no momento oportuno.
Convém esclarecer que o Judiciário não avaliou o mérito das falsas imputações, por não ser este o momento adequado para a análise do fato em si.
Com respeito à comunidade e à Justiça, a Diocese aguarda os próximos passos, confiante na retidão do julgamento e sempre em defesa da verdade."