Foi indiciado, nesta quarta-feira (29), o advogado que teria abusado sexualmente de duas meninas em um condomínio onde ele e as crianças moravam, em Canoas, na Região Metropolitana. De acordo com a Polícia Civil, ficou comprovado que o homem cometeu estupro contra as garotas dentro da residência em que vivia. O suspeito está preso de forma preventiva desde novembro.
Um inquérito que investiga abuso sexual contra uma terceira menina segue em andamento. As informações foram divulgadas em coletiva de imprensa realizada pela Polícia Civil de Canoas e pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), nesta manhã.
O homem, que não teve a identidade divulgada, foi indiciado pela polícia pelo crime de estupro de vulnerável contra as duas meninas, de oito e nove anos de idade, por manutenção de arquivos pornográficos infantis e facilitação de acesso de crianças a esse material, já que ele mostrava o conteúdo às vítimas, segundo a investigação. O advogado também foi indiciado por fraude processual, assim como a esposa, porque o casal teria escondido um cartão de memória durante buscas na residência, realizada pelas equipes. A polícia entende, no entanto, que a companheira do homem não sabia e não tinha participação nos supostos abusos. O delegado do caso estima que a pena do homem, se houver condenação, possa chegar a 30 anos de prisão.
Conforme a investigação, o homem se aproveitava do momento em que as crianças iam para a casa em que ele morava, brincar com o filho do advogado. Em determinado momento dessa visita, ele levava a menina para o quarto de hóspedes, no segundo andar da casa, e tocava nas partes íntimas da criança, segundo o delegado Pablo Rocha, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Canoas, responsável pelo inquérito. O filho do advogado foi ouvido, mas não teria sofrido abusos.
— Não há nenhuma dúvida sobre esses abusos. O relato das duas meninas convergem e são completos, trazem pontos que não seriam de conhecimento de uma criança. Nós temos vasto material que comprova esses atos e de que ele mantinha material pornográfico infantil — afirma o delegado.
Ao longo da apuração, a polícia cumpriu buscas na residência do indiciado. Computador, HD externo e celulares foram analisados por peritos do IGP, que afirma ter comprovado que o homem mantinha material pornográfico infantil e acessava sites pra estudar sobre como cometer o crime sem deixar pistas.
O primeiro caso veio à tona em setembro, quando a menina de nove anos contou na escola para uma colega e a psicopedagoga da instituição que sofria abusos de alguém próximo da sua família. A escola procurou a família, os pais conversaram com a garota, que confirmou episódios que aconteceriam desde 2017, quando ela tinha cinco anos. Segundo o relato, o homem tirava a roupa da garota e passava a mão no corpo dela. A criança diz que não contava aos pais em razão de ameaças do vizinho.
Com a repercussão do caso, outra menina, de oito anos, questionada pelos pais, também relatou situações de abuso, com características semelhantes ao depoimento da primeira garota. O caso gerou reações dos moradores do condomínio. Em razão da divulgação da história, uma terceira menina, que também seria vítima, foi identificada. Esse terceiro caso ainda segue sob investigação.
Ao longo do trabalho policial, sete crianças foram ouvidas. Elas descrevem momentos em que o homem interagia nas brincadeiras, como a de esconde-esconde.
— Nessa brincadeira, uma das vítimas sempre sumia. Sempre uma menina, que era tirada do espaço em que estavam as demais. Era o momento dos abusos. Dessas sete, duas relatam que ele passava a mão em áreas íntimas.
O que diz a defesa
O advogado Samuel Aguiar, que defende o suspeito, afirmou que as provas obtidas pela investigação são "fracas" e afirma que a polícia não contextualiza o motivo para o material ter sido encontrado no computador. Aguiar afirmou ainda que remeteu pedido de soltura do homem à Justiça.
— São situações sem contexto, que precisam ser debatidas, explicadas, relativizadas — disse.
Em relação ao indiciamento da esposa do suspeito, Aguiar pontua que ela não teria ocultado nenhum material e que não tem nenhuma ligação com o caso.
"Criminoso é o mais detalhista e cuidadoso que já vi", afirma delegado
De acordo com o inquérito, o homem pesquisava conteúdos pornográficos infantis desde 2012, acessando sites e armazenando o material. Em 2017, foi investigado em uma ação da Polícia Federal, por esse conduta. Ouvido na época por equipe da PF, ele teria dado uma "justificativa que foi entendida como plausível" e sido descartado pela investigação, explica Rocha.
Depois disso, o homem teria passado a estudar como não ser pego em uma possível investigação policial. Lia conteúdos que ensinavam como acessar conteúdos sem deixar rastros, como criar senha para o HD externo e como se portar diante da polícia. Um destes cuidados seria entrar e sair de chats rapidamente, evitando que a atividade fosse registrada.
— Ele era um criminoso comum até 2016. Aí percebeu que poderia ser pego e passou a se aperfeiçoar. Ele estudou, por exemplo, sobre a anatomia feminina. Tomava o cuidado de não ter relações sexuais concretas, para não deixar lesão que pudesse ser verificada em laudo. Ele achava que assim não seria pego. Neste tipo de crime, é a pessoa com técnicas mais sofisticadas que já investiguei, o criminoso mais detalhista e cuidadoso que já vi. É um caso ímpar — pontua Rocha.
O delegado afirma que a invetigação conseguiu mostrar o começo do envolvimento do homem com esse tipo de crime, quando passou a acessar conteúdos de terceiros, até o momento em que iniciou os abusos. A polícia acredita que mais vítimas ainda devem surgir.
De acordo com o perito do IGP, Marcelo Nadler, que atou no caso, o homem protegia os conteúdos por senha ou criptografia. Ele também criou perfis falsos para transitar na internet.
— Denota maior conhecimento da parte dele de técnicas para esconder vestígios nos eletrônicos. Em relação aos laudos psíquicos, não encontramos evidências de que o relato das crianças foi preparado. Elas falam de maneira coerente e as histórias encaixam — aponta Nadler.
Família relatou que homem era amigo próximo
À GZH, a família da primeira menina que relatou abusos afirmou que o homem era tido como amigo.
— Jantávamos juntos, viajávamos juntos para Serra e Santa Catarina. Nos reuníamos bastante, era meu melhor amigo no condomínio, conheço ele há mais de 10 anos e nunca suspeitamos de nada — afirmou o pai da garota no começo de novembro.
O delegado destacou que, em grande parte dos casos, abuso de crianças são cometidos por familiares ou pessoas próximas, que se valem da relação de confiança com os responsáveis. Rocha ressalta a importância de manter o diálogo aberto com crianças e adolescentes:
— É uma conversa que precisa estar na rotina de quem cuida de crianças e adolescentes, e não apenas em casos assim. Precisamos explicar às nossas crianças sobre consentimento, sobre toques, que só devem ser permitidos pelos responsáveis, com o fim de higiene e cuidado. Esclarecer que elas podem se sentir a vontade para contar aos pais sobre o que quer que seja. A percepção das crianças sobre abuso ocorre gradualmente, não é imediato. Algumas levam anos para perceber que aquilo não é certo. Muitas passam a vida sem nunca conseguir falar sobre isso.