Três anos e oito meses após o desaparecimento de Sandra Mara Lovis Trentin, 48 anos, no noroeste do RS, o caso se encaminha para um possível desfecho. A Justiça determinou que dois réus pelo assassinato da contadora sejam submetidos ao julgamento popular. O ex-vereador Paulo Ivan Baptista Landfedlt, 51, marido da vítima, e Ismael Bonetto, 25, seguem presos.
Conforme decisão da juíza Vanessa Silva de Oliveira, os réus serão julgados pelo Tribunal do Júri pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver. No caso de Ismael, a magistrada decidiu que ele não deve responder pela extorsão, que segundo a acusação teria cometido contra Paulo Ivan. A contadora sumiu no início de 2018, após sair de casa em Boa Vista das Missões, onde vivia com o político.
Paulo Ivan acabou preso antes mesmo do corpo da esposa ser encontrado. Foi detido após a prisão de Ismael, em Lages, Santa Catarina. O jovem confessou à polícia ter matado a contadora a mando do político. Disse ter sido pago para interceptar a vítima e executá-la. Para o Ministério Público, o então vereador prometeu a Ismael o pagamento de R$ 40 mil, para executar Sandra a tiros e esconder seu corpo.
O crime teria sido cometido para que o marido pudesse ficar com os bens da família e assumisse outra relação, sem que houvesse separação, já que o casal estaria vivendo um relacionamento conturbado. O primeiro depoimento de Ismael é uma das principais provas do caso, além, claro, da localização do corpo da vítima. A confissão dele à polícia foi gravada em vídeo. O jovem chegou a levar os policiais até uma mata em Vicente Dutra, onde dizia ter escondido o corpo, mas nada foi encontrado.
Num caso, cercado de reviravoltas ao longo da apuração, os dois presos negam ter cometido o crime. O ex-vereador afirma que foi ameaçado e extorquido pelo jovem apontado como seu comparsa. Já Ismael reconhece ter tentado tirar dinheiro do político e nega ter matado a mulher. O corpo de Sandra foi encontrado um ano após o sumiço, em área rural.
Caberá aos jurados da comunidade decidirem se os dois são culpados ou não pela morte de Sandra. O caso gerou comoção tanto em Boa Vista das Missões, onde o casal vivia, como em Palmeira das Missões, cidade vizinha, de onde a mulher sumiu. Na mesma decisão, a juíza determinou manter a prisão preventiva de ambos réus, por entender que os motivos para que eles estejam encarcerados não se alteraram.
Reviravoltas
Inicialmente, quando ouvido pela polícia, ainda em 2018, Ismael confessou ter assassinado a contadora com um tiro no peito, a mando do marido dela, e enterrado o corpo em Vicente Dutra (a 65 quilômetros de Boa Vista das Missões). Uma semana depois, voltou atrás e disse que havia mentido. Em entrevista a GZH, em janeiro de 2019, negou o crime e alegou que só quis se aproveitar da situação, ao saber do desaparecimento, para extorquir o político.
Essa é a versão que a defesa de Paulo Ivan sustenta até hoje. O ex-vereador alega que foi procurado por Ismael, que afirmava pertencer a uma facção e saber sobre o paradeiro de Sandra. Para isso, teria exigido pagamento em dinheiro. O marido chegou a registrar essa suposta extorsão na polícia e, logo depois, o jovem acabou preso. Quando ele apresentou a versão sobre quem seria o mandante, Paulo Ivan também teve a prisão preventiva decretada. Até então, o corpo de Sandra não havia sido localizado.
Embora Ismael tenha voltado atrás no depoimento, a Polícia Civil entendeu que a primeira versão apresentada pelo jovem era a mais próxima do que aconteceu com a contadora e indiciou os dois. O Ministério Público manteve o mesmo entendimento. Os dois foram denunciados, a denúncia foi aceita e eles viraram réus.
O processo começou com os dois presos e sem que o cadáver tivesse sido localizado. No entanto, em janeiro de 2019, a ossada foi encontrada enterrada no limite de Palmeira das Missões e Condor - a cerca de 40 quilômetros de onde ela sumiu. Na mesma cova rasa, estavam pertences da contadora, como cartões bancários. Com isso, o Ministério Público acabou fazendo complemento à denúncia. Novas perícias também foram inseridas no processo. Uma delas, confirmou que se tratavam dos restos mortais de Sandra.
O sumiço
Em 30 de janeiro de 2018, Sandra pegou a caminhonete, uma Ranger, que estava na garagem da residência do cunhado, passou no escritório de contabilidade, na mesma rua, e por volta das 7h30min seguiu até Palmeira das Missões. A contadora disse às funcionárias que resolveria questões do escritório. Ela chegou a passar na Junta Comercial, no centro de Palmeira das Missões.
Depois disso, circulou pelas ruas da área central da cidade e estacionou na Rua Rio Branco, ao lado de um CTG. Dentro do veículo, foram achados dois chips e o cartão de memória do celular, a bolsa dela, um par de sapatilhas, dinheiro e diversos papéis do escritório. A família percebeu o sumiço do celular e da carteira de habilitação. A contadora mantinha seu escritório em Boa Vista das Missões, onde vivia com o marido e três filhas. Além deles, deixou ainda um filho, mais velho, fruto de relacionamento anterior.
Os crimes
Os réus respondem pelo crime de homicídio qualificado, por motivo torpe ou mediante promessa de recompensa, recurso que dificultou defesa da vítima e feminicídio. Ainda são acusados de ocultação de cadáver, já que o corpo de Sandra só foi encontrado um ano após o desaparecimento. O Ministério Público afirmou, por nota, que "espera, agora, que com a pronúncia, os réus sejam condenados o mais breve possível pelo Tribunal do Júri". O Judiciário ainda não informou quando deve acontecer o julgamento.
Contrapontos
O que diz a defesa de Paulo Ivan
A defesa sustenta que o cliente não possui envolvimento na morte da esposa e que apenas foi extorquido por Ismael, que alegou pertencer a uma facção e ter informações sobre o paradeiro da contadora. Argumenta que foi o próprio vereador na época quem procurou a polícia e contou que estava sendo extorquido. A defesa aponta ainda que há inconsistências na confissão de Ismael, como o fato de ele citar outra marca e cor para o veículo de Sandra e ter apontado outro local onde estaria o corpo.
O advogado João Batista Pippi Taborda afirma que não foi comprovado até o momento que o casal tinha problemas no relacionamento, que pudessem ser motivação para o assassinato de Sandra.
— Quanto à decisão de pronúncia, que envia Paulo Ivan à júri popular, iremos interpor o recurso cabível junto ao Tribunal de Justiça, que deverá analisar se mantém, ou não, a decisão da juíza de Palmeira das Missões, haja vista que não estamos conformados com a decisão proferida — diz o advogado.
O que diz a defesa de Ismael
GZH também entrou em contato com os advogados Volnete Gilioli e Lucas Estevan Duarte, responsáveis pela defesa de Ismael. A defesa encaminhou nota onde afirma que os argumentos serão apresentados aos jurados, no momento do júri. Confira a nota:
"A defesa do acusado Ismael Bonetto, patrocinada pelos Drs. Volnete Gilioli e Lucas Duarte, após intimação da decisão de pronúncia, que muita embora seja uma decisão relativa a viabilidade da denúncia, constatou que houve um excesso de linguagem pelo Juízo ao exarar a decisão, eis que a mesma consta mais de 100 páginas.
E também, verifica-se que, no entendimento da defesa não se comunica a qualificadora do feminicídio ao acusado Ismael conforme disposta na acusação e na decisão de pronúncia, sendo essas algumas das insurgências vertidas no Recurso em Sentido Estrito.
A discussão em torno das teses defensivas serão levadas a efeito aos Jurados na sessão de julgamento, tendo em vista que é o Conselho de Sentença, os juízes do fato e da causa que terão o poder e o dever de examinar a causa com imparcialidade, isentos de pré-julgamentos, ante ao fator midiático e decidir conforme os ditames da justiça e sua livre consciência."