Preso desde fevereiro do ano passado, quando foi encontrado pela Polícia Civil em Lages (SC), Ismael Bonetto, 22 anos, chegou a confessar que matou Sandra Mara Lovis Trentin, 48 anos, com um tiro no peito. Disse que cometeu o crime a mando do marido dela, o vereador de Boa Vista das Missões, Paulo Ivan Landfeldt. Uma semana depois, voltou atrás e negou tudo.
Na sexta-feira (25), o réu, que segue preso em Palmeira das Missões, falou com GaúchaZH. Algemado e em silêncio, foi conduzido das galerias onde permanecem os presos até uma sala, no fundo de um corredor, na área administrativa do presídio. Entrou acompanhado do defensor, Antônio Augusto Korsack Filho. Devido ao pouco espaço, o administrador da cadeia, Lairton Primaz, acompanhou a entrevista encostado na parede.
Sentado em uma das três cadeiras, Bonetto manteve a cabeça baixa em boa parte das respostas. Natural de Vicente Dutra, diz que trabalhava em construções antes de ser preso e voltou a negar envolvimento na morte de Sandra. Passou quase um ano do sumiço e ele manteve a versão de que inventou a história apenas para extorquir o marido dela.
— Tentei me aproveitar da situação, extorquir, tirar dinheiro dele, dizer que sabia o que tinha acontecido. Tudo que falei é uma bobagem — afirma.
Após o encontro da ossada, que aguarda análise pericial para confirmar se é mesmo de Sandra, a defesa dele solicitou que o réu fosse solto. Nesta sexta-feira (25), o pedido foi novamente negado pela Justiça.
Quando os restos mortais foram localizados, a Polícia Civil informou que um orifício na blusa da vítima indicava que a mulher teria sido morta com um tiro no peito e isso era compatível com o primeiro depoimento dado por Bonetto. Já o defensor diz que após ter acesso ao processo e fotografias do local verificou que a roupa não tem um orifício na frente.
— O que existe é um pequeno rasgão na parte traseira da blusa. E não se pode presumir que seja decorrente de uso de arma de fogo — afirma Korsack.
Para o promotor Marcos Eduardo Rauber, a localização da ossada só confirma que a contadora foi vítima de um assassinato. Bonetto responde, além de homicídio e ocultação de cadáver, pela extorsão contra o vereador.
Está difícil, nem conheço a minha filha, nasceu e é complicado. Só o pai velho lá de cima para saber. Por causa de uma besteira, que fui inventar para extorquir o cara, tornou tudo isso aí para minha vida.
ISMAEL BONETTO
Réu por homicídio e ocultação de cadáver da contadora Sandra Mara Lovis Trentin
Caso haja confirmação de que o restos mortais são de Sandra, o processo poderá receber complementações, já que tanto defesa como acusação usaram argumentos que envolvem o fato de que nenhum cadáver ter sido localizado.
O que diz o vereador
Paulo Ivan Landfeldt alega que foi extorquido por Ismael Bonetto e que não tem envolvimento no crime. Em entrevista para GaúchaZH, na segunda-feira (21), disse estar surpreso com a localização dos restos mortais, que podem ser da mulher e afirmou que espera que investiguem a autoria do crime. Ele chegou a ficar preso por quatro meses, mas atualmente responde ao processo em liberdade.
A seguir, confira a entrevista com Bonetto realizada nesta manhã dentro da prisão.
Você está preso há quase um ano e é acusado de ter matado e escondido o corpo da Sandra Mara Trentin. Tem algum envolvimento?
Tentei me aproveitar da situação, quando deu tudo aquilo lá para extorquir, tirar dinheiro dele, dizer que sabia o que tinha acontecido. Tudo que falei é uma bobagem. Quando me pegaram em Santa Catarina, a polícia disse que a minha mulher, que tava grávida, ia vir junto presa. Falei que se deixasse ela lá e viesse só eu, eu falava toda a verdade. Inventei tudo aquilo para a guria ficar lá. Não queria ver meu filho nascer e ficar longe de mim. Se fosse preciso falar 500 vezes aquilo para ver ela e meu filho bem, falaria. Por causa de uma bobagem que fiz. Eu tava mal, fui extorquir o cara e dizer que sabia o que tinha acontecido.
E como ficou sabendo do desaparecimento da Sandra?
Surgiu por tudo né, no Face, tudo. Bombou por tudo.
E decidiu extorquir o Paulo, em que momento?
Já tinha passado uns 15 ou 20 dias. Eu tava mal e botei na ideia isso de extorquir ele.
Estava morando em Vicente Dutra?
Isso. Aí tem meu pai que mora em Boa Vista (das Missões).
Não tem o que eu fazer, preso eu já tô. Uma hora vai ter de sair por limpo a verdade. Não importa se leve cinco ou 10 anos. Vai sair por limpo. Daí eles vão ver que é verdade, não vai ter o que eu fazer. Fugir eu não vou. Vou ficar aí. Enquanto me deixarem vou ficar. Mas uma hora sai por limpo, pode ter certeza.
ISMAEL BONETTO
Réu por homicídio e ocultação de cadáver da contadora Sandra Mara Lovis Trentin
E como foi? Decidiu extorquir ele, mas o que fez?
Procurei ele. Nem conhecia. Inventei que sabia o que tinha acontecido.
Como procurou ele?
Em casa. Foi cedo. Eram quase sete horas. Fui cedinho na casa dele.
Saiu de Vicente para ir a Boa Vista das Missões?
É, saí de Vicente Dutra para ir a Boa Vista. No outro dia que eu procurei ele de manhã. Daí pousei lá no pai.
Sabia onde ele morava?
Não. Pedi informação. Tava vindo um piazão, com dois litros, acho que trabalha no posto de gasolina. Pedi onde morava, o piazão voltou e me explicou. Aí fui na casa dele.
E o que falou para ele, lembra como foi?
Falei que sabia o que tinha acontecido. Ele pediu o que eu sabia. Ele falou que naquele momento não podia falar comigo, mas era para esperar de meio-dia, em algum lugar. Eu falei “te espero lá no trevo” porque é o trevo perto de onde mora o pai. Daí, ele foi lá de meio-dia para nós conversar. Ele queria que falasse o que tinha acontecido, e eu pedi dinheiro para ele. Ele não queria me dar.
Quanto pediu?
Eu tinha pedido dois mil. Ele disse “só tenho mil aqui no bolso, só que tu tem de falar pra mim o que aconteceu com ela”. Tem de falar a verdade.
E aí, como foi?
Inventei uma história pra ele e fiquei de procurar. Disse “de tardezinha vem aqui no mesmo lugar”. Só que daí não fui lá esperar ele para levar no lugar. Não sabia o que tinha acontecido, tava só inventando. Quando tirei dinheiro dele, vazei e fui para Lages. Daí ele me procurava, me ligava, para saber o que tinha acontecido com ela, porque eu já tava em Lages.
E quanto ele lhe deu em dinheiro?
Parece que R$ 9 mil.
Parece ou foi?
Foi R$ 9 mil.
Como o Paulo te pagou?
Ele me deu R$ 1 mil. Depois, numa segunda vez, me entregou mais e depois me depositou mais mil real, quando eu tava em Lages. Fechou os nove mil.
O Paulo diz que você fez ameaças para a família dele por mensagens. Fez?
Ameaça para a família não. Nem conhecia a família dele. Como eu ia ameaçar? Nem ameacei.
E esse primeiro depoimento que diz que o Paulo teria mandado matar a Sandra, inventou?
Inventei tudo na hora, foi uma invenção.
O seu defensor me disse que te informou sobre a localização de uma ossada que pode ser da Sandra. O que pensas que isso pode impactar no processo?
Aí não posso dizer nada nessa parte para a senhora ...
Mas o que pensou quando ficou sabendo? Até hoje se dizia que ela poderia estar viva, mas agora, ao que tudo indica, ela está morta.
Na hora a gente fica pensando, mas fazer o que, né?
E antes disso, não conhecia o Paulo, não sabia quem ele era?
Não, não sabia quem ele era.
Nessa primeira vez em que esteve na casa dele, lembra se ele estava sozinho, ou tinha mais alguém em casa?
Na porta que ele veio atender vi só ele.
Teu pai mora em Boa Vista, então já conhecia a cidade?
Sim, vim um monte de vezes. Vinha direto ali no pai.
E aquela vez veio como?
Vim de moto até Frederico (Westphalen) e ali um amigo meu me trouxe de carro.
Tem ideia de quantas vezes falou com o Paulo?
Pessoalmente, só duas vezes. Depois, por telefone.
Ele dizia que queria informação dela?
Queria saber o que tinha acontecido. Como eu não sabia, ficava só enrolando ele. Daí eu me mandei para Lages.
E por que ir para Lages?
Eu tava mal, sem serviço, tinha um irmão que tinha me arranjado um serviço, mas iam colocar outro no lugar, aí eu fui.
No processo se diz que você teria feito compras em Lages, isso foi com esse dinheiro?
Foi. Foi um fogão, uma estante e uma cama. Para ficar na casa de um amigo do meu irmão que ia deixar eu ficar lá, até arrumar outra.
O Paulo chegou a ficar preso aqui no mesmo período que você, em Palmeira das Missões. Vocês tiveram algum contato?
Não porque ele não tava preso na galeria. Ele tava numa sala de aula (o presídio não possui cela especial para presos com curso superior).
Você e o Paulo são acusados do mesmo crime, mas ele está em liberdade. O que pensa disso?
Sei lá, tô preso, é difícil de acreditar, mas não fiz nada para essa mulher. Eu tô preso porque entrei numa bobagem que fui fazer de extorsão, para tirar dinheiro. Tô preso inocente totalmente, não participei de nada. A única coisa que participei foi da extorsão, que tentei inventar para ele. Não sei se ele deve ou não, não posso dizer.
Nesse primeiro depoimento, segundo a polícia, que teria dado um tiro no peito dela, enterrado próximo de uma sanga. E eles dizem que isso agora coincide com essa ossada...
Defensor Antônio Augusto Korsack Filho interrompe:
– Não é verdade. O furo que eles alegam que tem na camisa é um rasgo atrás. Tive acesso ontem (quinta-feira) ao processo. Não é verdade. Está descrito ali como um orifício atrás, então não coincide. Gostaria que adicionasse que a defesa está atenta a esse detalhe. O orifício é na parte de trás e é um rasgo.
E para dar detalhes de local e como foi que teria matado, você se baseou no quê Ismael?
Inventei isso tudo aí. Inventei. Tudo da minha cabeça, do que eu tinha ouvido falar.
Esses crimes que estão te acusando são graves, que, em caso de condenação, podem lhe deixar muitos anos na cadeia. O que pensa sobre isso?
Não tem o que eu fazer, preso eu já tô. Uma hora vai ter de sair por limpo a verdade. Não importa se leve cinco ou 10 anos. Vai sair por limpo. Daí eles vão ver que é verdade, não vai ter o que eu fazer. Fugir eu não vou. Vou ficar aí. Enquanto me deixarem vou ficar. Mas uma hora sai por limpo, pode ter certeza.
Tem mais alguma coisa que queira falar sobre o caso?
A única coisa que tenho para falar é que aquele primeiro local que eles falam que eu levei eles (para mostrar onde estaria o corpo de Sandra) aquilo lá eu nasci e me criei lá. Único lugar que eu sabia. A gente pescava lá. Aquilo foi tudo invenção da minha cabeça. Eu levei porque me criei lá. Não tinha nada a ver aquele local, era uma sanga que a gente ia pescar.
Quando foi preso, em Santa Catarina, lhe falaram o que era?
O policial disse pra mim “vai falar a verdade, tem possibilidade dela estar viva?”. Eu disse, “mas ela quem?”. Aí ele me falou da mulher, aí que foi cair a minha ficha. Eles achavam que eu tava mentindo.
Não imaginou que podia ser pela extorsão?
Nem caiu a ficha na hora, porque foi a polícia de lá que me pegou. Na delegacia que me explicaram.
Quando decidiu extorquir o Paulo não pensou que estava se envolvendo em um caso complicado, que poderia resultar em prisão, como está agora?
Na hora o cara não pensa, eu tava mal. Não tinha um centavo no bolso e precisava ir pra lá (para Lages). Daí foi que passou pela minha cabeça. E agora tô aqui ...
E como está a sua vida nesse um ano?
Está difícil, nem conheço a minha filha, nasceu e é complicado. Só o pai velho lá de cima para saber. Por causa de uma besteira, que fui inventar para extorquir o cara, tornou tudo isso aí para minha vida.