O episódio de uma ciclista do Paraná, ferida após um homem passar a mão em seu corpo, provocando a queda dela da bicicleta, despertou a atenção nas últimas semanas para os casos de importunação sexual sofridos pelas mulheres. Desde 2018, por lei, esse tipo de violência é considerado crime, com pena de um a cinco anos de reclusão. No Rio Grande do Sul, desde então, mais de 3 mil registros de importunação sexual chegaram à polícia. Ou seja, a média se aproxima de três fatos por dia.
Quando foi derrubada no chão e quase atropelada pelo veículo onde estava o agressor, a estudante de Direito não entendeu exatamente o que havia acontecido. Somente mais tarde, quando viu as imagens do momento do ataque é que se deu conta que havia sido abusada no meio da rua, enquanto se exercitava. O homem acabou preso e responderá pelo crime, assim como o motorista do veículo. Mesmo com o vídeo, ele negou que tivesse intenção de cometer o delito.
Antes da lei, que entrou em vigor em setembro de 2018, casos como esse eram enquadrados em outras tipificações, consideradas contravenções, ou seja, com punição mais branda. Em 2017, um episódio em São Paulo levantou a discussão sobre a gravidade desse tipo de violência. Um homem chegou a ser detido, por suspeita de estupro, após ejacular em uma passageira no ônibus, mas foi liberado após a Justiça entender que ele havia cometido contravenção, ao importunar a vítima. Com a alteração na legislação, se o mesmo caso acontecesse hoje, o entendimento seria outro.
— Quando temos mulheres sofrendo esse tipo de violência, nos espaços públicos, pelo fato de serem mulheres, estamos tendo mais um reflexo da reprodução de comportamentos misóginos. A lei é um avanço porque supre essa lacuna legislativa que tivemos durante muito tempo. Antes, tínhamos uma importunação ofensiva ao pudor ou mera perturbação da tranquilidade e temos agora a possibilidade de punição de um a cinco anos — explica a delegada Jeiselaure de Souza, da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher.
Aumento
No Estado, a maior parte dos casos de importunação sexual desde 2018 foi registrada em Porto Alegre, numa soma de 594 registros. Na sequência, aparecem outras cidades, como Pelotas, Caxias do Sul, Canoas e Santa Maria. Se compararmos os registros de janeiro a agosto de 2020 no RS, com os fatos comunicados no mesmo período este ano, percebemos crescimento de quase 23%. Embora os números venham apresentando aumento, assim como em outros casos de violência contra as mulheres, nem todas as vítimas buscam ajuda, seja por medo, vergonha ou por desacreditar na punição.
— Ainda há muitas mulheres que se sentem desencorajadas a denunciar esses agressores. Pesquisas demonstram, ao ouvir mulheres que transitam em espaços públicos, que número superior de 95% relata ter sofrido algum tipo de assédio. Muitas deixam de ir a algum lugar, sentem-se constrangidas em passar em frente a ambiente com muitos homens, ou trocam de roupa, pensando que poderiam sofrer importunação na rua. Temos trabalhado para que as mulheres tenham mais coragem de denunciar, não só importunação sexual, mas todos os crimes de violência doméstica — afirma Jeiselaure.
A delegada orienta que as vítimas, além de pedirem ajuda para quem estiver perto, busquem se cercar de todas as informações, que possam colaborar com a investigação. No transporte público, por exemplo, como ônibus ou metrô, a polícia pode obter as imagens de câmeras de segurança. Pedir o contato de pessoas que testemunharam a cena ajudará na apuração do crime. O mais importante é não deixar de informar o caso à polícia.
— Geralmente, as pessoas que testemunham não se recusam a colaborar com a polícia. Se isso acontece, e a vítima consegue pedir ajuda, ou ligar para emergência, e o agressor é conduzido para DP, é possível prisão em flagrante e não caberá fiança. Também é importante que a vítima tente guardar informações, como horário, testemunhas, características do infrator, tanto físicas, como roupa que estava vestindo, altura. Isso, eventualmente, até pode vir a levar a descobrir outras vítimas, quando é uma prática reiterada — detalha Jeiselaure.
Uma das autoras da lei, a deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP) alerta que ainda há desconhecimento sobre a legislação, inclusive de órgãos policiais, no momento de registrar ocorrência. Como forma de dar mais divulgação à lei, a parlamentar pretende colocar em prática projeto de lei na Câmara que determina a obrigatoriedade de placas informativas nos transportes públicos urbanos em todo o país, como ônibus, trens e metrôs. A ideia é de que a punição aos agressores seja conhecida e que as vítimas busquem ajuda.