Uma mulher seguia para o trabalho quando, de repente, sentiu algo escorrer por suas pernas e pés. Um passageiro tinha acabado de ejacular nela. O caso aconteceu na zona leste de São Paulo, em setembro do ano passado, e ganhou ainda mais repercussão após um juiz mandar soltar o homem.
Na época, o magistrado salientou que apesar da conduta “bastante grave e repugnante”, o crime configurava-se apenas como contravenção penal, não permitindo a prisão em flagrante.
Uma nova lei, sancionada pelo presidente Michel Temer em 24 de setembro, pretende deixar mais severa a pena para casos de importunação sexual. Pelo texto da legislação, esse tipo de crime ocorre quando se tenta praticar, na presença de alguém e sem o seu consentimento, ato libidinoso com o “objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.” Quem for flagrado, poderá ficar preso de um a cinco anos.
Desde que a lei entrou em vigor, já foram registrados pelo menos três casos no Rio Grande do Sul – dois em Porto Alegre e um em Venâncio Aires. Todos aconteceram em ônibus.
No caso do Interior, uma adolescente de 14 anos viajava para Canoas com familiares quando um padrinho, de 23, aproveitou que ela estava dormindo para passar as mãos em suas partes íntimas. O caso ocorreu em 30 de setembro.
A nova legislação é considerada um avanço pela professora de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do grupo de pesquisa Violência e Cidadania, Letícia Maria Schabbach. Segundo ela, antes da lei, casos como o de São Paulo não poderiam ser enquadrados como estupro, porque não foi constatada “violência ou grave ameaça”, exigência do Código Penal para se configurar esse tipo de crime.
— É um avanço porque permite que a autoridade pública, a polícia, tenha instrumento legal para criminalizar fatos — salienta a pesquisadora Letícia.
Delegada avalia que só 10% são registrados
Antes da lei, o suspeito de importunação sexual assinava um termo circunstanciado, pagava multa e era liberado, sem possibilidade de prisão em flagrante ou preventiva, salienta a subcoordenadora das 22 Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher espalhadas pelo Rio Grande do Sul, delegada Tatiana Bastos.
— Do ponto de vista da repressão, quando eram pegos em flagrante, a única coisa que era possível fazer era termo circunstanciado, porque era considerado crime de menor potencial ofensivo. Com a legislação, a gente tem uma previsão adequada e com pena proporcional à gravidade das condutas — salienta.
Sem tipificação específica, os casos acabavam sendo enquadrados como perturbação da tranquilidade ou ato obsceno.
— É um crime que ocorre com muita frequência, mas são pouco noticiados, o que a gente chama de subnotificação. Menos de 10% dos casos são registrados. Ainda não é possível registrar no sistema da Polícia Civil um crime como importunação sexual. No entanto, é possível utilizar o termo no indiciamento.
“Traz gradação que antes não se tinha”, diz especialista
A pena para quem praticar importunação sexual pode chegar à metade da aplicada para casos de estupro. Para a advogada, sócia-fundadora da ONG Themis e professora de direitos humanos da UniRitter, Carmen Campos, a situação cria uma “gradação” entre crimes. O caso do estupro acaba sendo enquadrado na classificação grave, já a importunação sexual como média.
— Traz gradação que antes não se tinha. A Justiça tinha dificuldade de enquadrar esse delito, que é um constrangimento muito grande para mulheres. Surge para dar enquadramento jurídico que não existia. Hoje passa a ser infração de gravidade média, não é tão grave como o crime de estupro. É importante — salienta Carmem.
DETALHE GZH
O projeto de lei também prevê punição para quem divulgar cena de estupro, que faça apologia ou induza a sua prática, e ainda para quem transmitir cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima. A pena varia de um a cinco anos de prisão. Se o crime for cometido por pessoa que mantém ou tenha mantido relação íntima com a vítima, há aumento na pena.
ENTENDA
- Como seriam tratados episódios recentes?
Casos ocorridos a partir de 24 de setembro passam a ser enquadrados na nova lei. Antes dessa data, seguem na mesma situação.
- A polícia está preparada para esta nova forma de ver os episódios?
Conforme a delegada Tatiana Bastos, os delegados estão “bastante preparados” e já começaram a se inteirar das modificações a partir de março, quando o texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados.
- Como as mulheres devem denunciar? Devem “produzir” provas?
Não é preciso produzir provas. Mas, se a vítima conseguir registrar a agressão, o material pode ser acrescentado na investigação.
— Buscar prova da materialidade é papel da polícia judiciária. A gente tem várias situações que o motorista fechou a porta do ônibus e dirigiu até a delegacia. O importante é fazer a denúncia — explica a delegada.
- O rito do inquérito se altera com a nova legislação?
Sim. Antes, esse tipo de crime era considerado de menor potencial ofensivo. O suspeito assinava termo circunstanciado e era liberado. Agora, o indivíduo pode até ser preso.