Responsável pela indicação do ex-detento e pastor Lacir Moraes Ramos para um cargo no governo do Rio Grande do Sul, o secretário do Trabalho, Ronaldo Nogueira, diz ter ficado triste com a repercussão negativa.
Ramos, conhecido no passado criminoso como Folharada, atua há mais de 30 anos na recuperação de apenados, dentro e fora de casas prisionais. Mas o currículo com 204 anos de condenação e crimes como mortes de policiais fizeram o sindicato dos servidores penitenciários reagir à nomeação para a Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo. Nogueira diz que o momento deve ser de diálogo, serenidade e servir para reflexão sobre o sistema prisional e a reintegração de apenados à sociedade. Confira trechos da entrevista que ele concedeu a GZH nesta quarta-feira (13):
Diante da repercussão negativa da indicação do ex-detento e pastor Lacir Moraes Ramos para um cargo no governo, ele mesmo pediu que a indicação fosse retirada. O senhor vai aceitar o pedido?
O assunto está sendo tratado pelo conjunto do governo. Eu transmiti o pedido do Lacir ao governo. A gente compreende a posição do sindicato, respeito, é uma leitura que precisa ser feita com a devida serenidade. A grande questão é repensar as políticas públicas de ressocialização e reintegração dos apenados. É preciso despessoalizar agora. Não é a figura do Lacir, até para a dignidade humana dele não ser ferida. Ele representa um todo. É desse todo que temos que fazer a leitura certa. Se colocar no lugar do outro, colocar no lugar do sindicato que representa os policiais que, por fatalidade, perderam a vida e essas vidas não tem como recuperar. Temos que compreender o sindicato. Por outro lado, Lacir é um ser humano que está se esforçando para se recuperar, e a gente tem que ter todo o cuidado para não estragar o que foi consertado.
Há prazo para a definição da contratação do pastor Lacir?
Isso tem que ser conversado com todos, ouvir todas as partes. Não dá para conversar de longe, sindicato tem direito de se manifestar. Temos que ouvir sindicato, Lacir, a sociedade. Não é uma questão de ficar batendo espada, mas de sentar à mesa, e não é questão de quem tem mais força. O adversário comum de ambos são duas questões: o que leva as pessoas para o mundo do crime e quais serão as medidas efetivas para depois mudar a vida dessas pessoas. Mas é uma situação grave, eu compreendo o sindicato.
O sindicato diz que ele poderia trabalhar com o senhor e não na área de segurança.
A Secretaria do Trabalho tem um programa de qualificação profissional para os egressos. Eu entendi que o Lacir, por todo trabalho que tem feito no presídio, seria a mensagem correta para convencer os apenados de que é possível dar a volta por cima na vida. Foi nesse sentido que a gente sugeriu o nome do Lacir. Mas se me perguntarem se eu sabia de todos os crimes cometidos pelo Lacir, vou dizer que não sabia.
Mas ele já trabalhou com o senhor, pela Câmara dos Deputados.
Só fiquei sabendo da profundidade de todos esses crimes depois desse episódio. Até porque nunca perguntei para o Lacir o que ele fez. Como apresentou negativas e estava quite com a Justiça, parti do pressuposto de que estava apto a ocupar a função. Por dois motivos: pela recomendação de autoridades do sistema penal, pelo sistema judiciário, por autoridades do Ministério Público, e recomendação de líderes religiosos. Mas eu nunca perguntei para o Lacir. Passado é passado. Mas eu não sabia.
Saber dos crimes fez o senhor repensar a indicação?
Fiquei triste com toda a situação. E me colocando no lugar do sindicato. Mas sou uma pessoa que também acredita no poder transformador e de recuperação do ser humano, vi muitas vidas serem transformadas pelo poder do Evangelho, isso está diante dos nossos olhos. Então, essa pergunta que tu me fazes é uma pergunta muito difícil de responder. Temos que ter zelo pela vida do Lacir, pela pessoa do Lacir, pelo exemplo que ele se transformou. E veja, era um salário que não dá R$ 1,8 mil. Esse trabalho nos presídios ele já faz de forma voluntária.
Mas ele trabalharia na secretaria do Trabalho ou de Justiça?
A nomeação é na Secretaria de Justiça. A de Trabalho ainda está em fase de organização.
Qual o trabalho que ele faria?
Ele vem atuando dentro dos presídios já. Iria fazer o trabalho conversando com os apenados para convencê-los a fazer o curso de qualificação que a gente vai oferecer. Estive em Osório semana passada onde entregamos carteirinha de artesão para apenados. Não tem como não se emocionar vendo aquela situação. Acho que deve até ser mais célere a aplicação das penas a quem comete delito. Mas, às vezes, a ineficiência do poder público fere de morte a dignidade humana. Pessoas que cometeram delito leve são jogadas numa cela com 10, 15. Esse é o momento de se fazer reflexão sobre esse modelo.
Há quem critique dizendo que querem proteger bandido.
Não é ser complacente com o crime nem complacente com o criminoso . Pelo contrário. Acho que o braço forte do Estado tem que atuar para punir e para recuperar.
O senhor diz que o Lacir já faz trabalho nos presídios. Mas faz evangelização. O Estado é laico, não pode pagar por isso.
Não pode. O Estado é laico. Por outro lado, o ser humano usa as ferramentas que tem fundamentadas em princípios ideológicos, religiosos e econômicos. E ninguém dá o que não tem. Então, ele usa (a evangelização) no incentivo das pessoas.