Há um ano, a morte de um casal dentro de casa durante suposto roubo assustou moradores de Jaguarão, no sul do Estado. Dias depois, o crime acabou se revelando ainda mais estarrecedor. Aos 20 anos, Iuri Paulo Chagas Moraes confessou à polícia ter planejado a execução dos pais Paulo Adão Almada Moraes, 50, e Manoela Renata Araújo Chagas, 40. A namorada dele, Bruna Melissa Alves Betancourt, então com 18 anos, e o amigo Roger Pinto Nunes, 19, foram detidos logo após, também por suspeita de envolvimento no duplo homicídio. No próximo dia 15, os três deverão falar pela primeira vez à Justiça sobre o caso.
Os três réus continuam presos preventivamente desde o ano passado. Até o momento, três audiências foram realizadas: em fevereiro, junho e agosto. No total, 28 pessoas foram indicadas como testemunhas — 14 de acusação, sete pela defesa de Iuri e sete pela defesa de Bruna. A defesa de Roger não indicou nenhuma. A maior parte das testemunhas já foi ouvida e no próximo dia 15 a última deve falar à Justiça. Na sequência, também serão ouvidos os três réus. A expectativa é de que os três interrogatórios ocorram neste dia. Esta será a última etapa antes do encerramento da fase de instrução.
— É um crime em que a própria sociedade anseia uma reposta. Espera por justiça pelo planejamento, pela forma como se deu a execução, por serem os autores jovens, um deles filho da vítima, e nora. Está em aberto a ferida na cidade — afirma o promotor Pedro Santos Fernandes, responsável pela acusação contra os três.
O crime aconteceu em 11 de setembro do ano passado, quando Paulo e Manoela foram mortos com disparos na cabeça, enquanto dormiam no quarto da residência onde viviam com os filhos. Inicialmente, Iuri sustentou que os pais tinham sido mortos durante assalto à residência. O jovem contou que estava no quarto com a namorada quando ouviu os tiros. Depois disso, teria saído correndo e visto quando dois homens, usando capacetes, deixavam o local na caminhonete da família. O filho chegou a ir ao velório dos pais, onde abraçou familiares, comovidos com o caso.
Dias depois, algumas inconsistências no relato dele, levaram a polícia a desconfiar de que não se tratava de um latrocínio (roubo com morte). Para a acusação, o roubo do veículo, que foi encontrado abandonado logo depois nas proximidades, foi apenas uma das formas de tentar forjar o assalto. Quando confrontado pela polícia, o rapaz acabou confessando que tinha sido o responsável pelo assassinato dos pais. Ele contou ainda que estaria planejando o duplo homicídio há cerca de dois anos.
— Não foi um crime momentâneo. Vinha sendo planejado há mais de um ano. É um crime bárbaro, que foge ao parâmetro da cidade e até da violência do Rio Grande do Sul — analisa o promotor.
A aquisição do revólver, segundo o promotor, foi um dos passos do crime que demorou mais a se concretizar durante o plano. O filho teria decidido comprar a arma após discutir com a mãe sobre o auxílio emergencial que ele havia recebido do governo federal. Em depoimento, disse que a mãe ficou com o dinheiro e que isso gerou conflito entre eles. À polícia, o jovem alegou que tinha “picos de raiva”, porque os pais “eram controladores”.
A motivação
Os três são réus pelos crimes de homicídio duplamente qualificado (por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa das vítimas). Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público em outubro do ano passado, o amigo do casal entrou na casa às 4h30min com a ajuda do filho e da namorada. Bruna teria ido até o quarto das vítimas e atirado na cabeça deles, enquanto dormiam.
Em seguida, para simular um roubo, Roger teria pego o carro da família e dirigido até um local ermo, onde abandonou o veículo. Ele também teria sido responsável por se desfazer da arma, encontrada dias depois no Rio Jaguarão por mergulhadores do Corpo de Bombeiros. Na casa de Roger, no mesmo dia em que ele foi preso, a polícia apreendeu três estojos deflagrados de munição calibre .22, mesma usada no crime.
Embora a família vivesse de forma modesta, a acusação entende que uma das motivações para o crime seria patrimonial. O jovem teria como plano ficar com os bens da família —imóvel e carro, além de uma área de terras.
— Eles foram denunciados por motivo torpe, em razão de que o filho, com a namorada, queria, além de assumir o patrimônio da família, liberdade. Não aceitava se sujeitar ao poder familiar. É uma família de classe média. Isso deixa até mais claro a perversidade do crime. A expectativa é de que eles sejam pronunciados e que a decisão se submeta ao tribunal do júri, para buscar a condenação. É o que a sociedade quer e nós vamos lutar para isso — diz o promotor.
As vítimas
Formada em Pedagogia, na Universidade Federal do Pampa, Manoela cursava especialização em Gestão da Educação Básica. Na época do crime, a representação discente do campus de Jaguarão emitiu nota na qual ela era descrita como alguém “sempre sorridente” e “muito prestativa”. Paulo trabalhava com montagem de móveis e estava empregado em uma loja da cidade.
O casal sempre residiu em Jaguarão, município onde também nasceram os dois filhos: Iuri e a caçula, na época com 13 anos. A adolescente, que estava em casa dormindo na madrugada do crime, está sob os cuidados da avó materna. Segundo os familiares, os dois eram pais exemplares, dedicados e que buscavam dar aos filhos o que podiam.
Contrapontos
O que diz a defesa de Iuri
Responsáveis pela defesa de Iuri Paulo Chagas Moraes, os advogados Filipe Trelles, Marcela Weiler, Isabela Camerini e Hiago Mendes se manifestaram por nota. Confira abaixo:
"A defesa de Iuri Chagas manifesta que há muito a ser esclarecido sobre os fatos no decorrer da instrução processual. Iuri ainda não deu sua versão perante o juízo, quando for seu momento de fala, muita coisa será esclarecida. A fase investigativa foi concluída em tempo recorde e deixou muitas falhas, não observou certas regras processuais, por essa razão algumas ilegalidades foram cometidas, o que será oportunamente aventado pela defesa."
O que diz a defesa de Bruna
GZH entrou em contato com Carlos Eduardo Nascente Chagas, um dos responsáveis pela defesa de Bruna Melissa Alves Betancourt. O advogado informou que a defesa ainda está analisando os autos do processo, que possui mais de 400 páginas. Somente após se inteirar dos detalhes do caso, deve avaliar se fará alguma manifestação. Na época do crime, após ser presa, Bruna decidiu permanecer em silêncio.
O que diz a defesa de Roger
A Defensoria Pública confirmou que atua na defesa do réu Roger Pinto Nunes, mas informou que somente irá se manifestar nos autos do processo.