Quando Iuri Chagas, 20 anos, contou à família que havia sido assaltado no Uruguai, e que os criminosos tinham levado seu celular e o da namorada, o jovem recebeu da mãe outro telefone. Dias depois, a investigação sobre o assassinato dos pais do rapaz, em Jaguarão, no sul do Estado, descobriria que aquilo fazia parte de um plano criminoso. Os aparelhos tinham sido trocados por um revólver preto de calibre 22, que, segundo a apuração, foi usado para executar o casal — a arma foi encontrada no Rio Jaguarão. O filho, a namorada, Bruna Alves, 18 anos, um amigo deles de 19 anos e uma quarta pessoa foram indiciados por envolvimento no crime.
Na noite de 10 de setembro, a família manteve a mesma rotina. Paulo Adão Almada Moraes, 50 anos, e a esposa Manoela Renata Araújo Chagas, 40, tomaram chimarrão com a família. Além de Iuri, que morava com a namorada na casa dos pais, o casal tinha outra filha, de 13 anos, que também vivia na moradia. A adolescente acordaria horas depois, durante a madrugada, com os disparos vindo do quarto dos pais. Na sequência, Iuri e Bruna correram para o quarto dela, nervosos. Enquanto a menina tentava chamar a polícia pelo celular, o casal trocava abraços e beijos ao lado dela.
Aquele foi um dos comportamentos que chamou a atenção dos investigadores desde o início da apuração. Mas, até então, a polícia acreditava estar diante de um latrocínio — roubo com morte. O veículo da família, uma Strada vermelha, havia desaparecido da garagem. Iuri contava aos policiais ter visto dois homens de capacete saindo da casa e fugindo com o carro. O jovem foi ao velório e ao enterro dos pais, no Cemitério Municipal de Jaguarão. Sustentou para os familiares a história do assalto.
Mas a versão contada por ele começou a ruir em um segundo depoimento, um dia após o crime, quando a polícia já suspeitava de alguns pontos. O rapaz não sabia informar, por exemplo, como os criminosos tinham entrado na casa, pois não havia sinais de arrombamento. Nervoso, Iuri não conseguia manter uma versão coerente, até que admitiu ter ele mesmo planejado o crime. Contou que arquitetava a morte há dois anos. Alegou que eles tinham uma relação conflituosa. O relato do rapaz franzino, que dizia ter “picos de raiva” contra os pais, estarreceu até os policiais.
— Antes de admitir o crime, ele estava nervoso. Depois, ficou tranquilo. Não demonstrava arrependimento. Não é algo que a gente depare comumente, um filho arquitetar a morte dos pais dessa forma — descreve a delegada Juliana Garrastazu Ribeiro.
Naquele depoimento, Iuri não indicou quem eram os outros envolvidos. Mas a polícia descobriu na casa de um amigo dele, um jovem de 19 anos, três projeteis de arma de fogo calibre 22, compatíveis com os usados no crime. O rapaz negou envolvimento, mas confirmou que foi convidado para participar da execução. Depois disso, o filho do casal voltou a ser ouvido. E, desta vez, confirmou que a namorada também havia participado.
Segundo a delegada, quando começou a namorar Bruna, há seis meses, Iuri confidenciou à jovem o plano de matar os pais. Os dois teriam decidido cometer o crime juntos, mas, para isso, passaram a tentar arregimentar um comparsa. Chegaram a sugerir a amigos, que se recusaram a integrar o plano. O casal teria, conforme a polícia, prometido a um deles que conseguiria dinheiro para que ele tirasse um familiar da prisão. Desta forma, o rapaz teria concordado em ajudar.
Ele mesmo passou a admitir que a ideia era matar para ficar com o dinheiro da família, ainda que fossem pessoas humildes
JULIANA RIBEIRO
Delegada
A delegada está convicta de que o plano era matar as vítimas para ficar com a casa delas, o carro e uma área de campo, que seria herdada pelo filho. Embora tenha permanecido em silêncio sobre sua participação nas mortes, Bruna confirmou à polícia ter ouvido do namorado que, com a morte dos pais, os dois teriam “a vida que sempre sonharam”.
— Ele dizia “agora eu vou te dar o mundo, a vida que a gente sonhou. Não vou precisar trabalhar”. O rapaz tinha uma relação conflituosa com os pais porque ele usava maconha e a mãe não gostava. Mas a motivação financeira é bem evidente. Ele mesmo passou a admitir que a ideia era matar para ficar com o dinheiro da família, ainda que fossem pessoas humildes — detalha a delegada.
Bruna foi presa na quinta-feira, dia 17 de setembro, após receber alta do hospital. A polícia aguarda ainda o resultado de perícias, uma delas irá indicar se as vítimas estavam dopadas naquela noite, já que não havia indícios de que tenham reagido.
Como teria acontecido o crime
- Na noite de 10 de setembro, Paulo Adão e a esposa Manoela Renata foram dormir em horário entre 21h e 22h. A filha do casal, de 13 anos, também foi para o quarto dela. Iuri e Bruna permaneceram na sala, junto à lareira.
- Por volta de 3h30min, um jovem de 19 anos teria chegado na casa — ele foi até o local caminhando. Iuri abriu a porta para que ele ingressasse na residência. Enquanto Iuri permanecia no corredor, Bruna e esse rapaz teriam ido até o quarto do casal. A jovem estaria com o revólver na mão – a polícia não sabe se a arma já estava na casa ou se foi levada pelo comparsa.
- O jovem teria ficado segurando a porta, para que ela não batesse, enquanto Bruna teria caminhado até a cama, onde os sogros dormiam. Ela teria dado um tiro na cabeça de cada um. Ao ouvir os disparos, a menina no outro quarto acordou — seria ela que chamaria a polícia.
- Logo depois dos tiros, Iuri teria entregue à chave do carro e o revólver para o amigo, que foi até a garagem e fugiu com a Strada. O veículo foi abandonado em uma estrada de chão. Antes de sair do carro, o rapaz teria limpado o veículo para tentar remover impressões digitais. Depois, ele seguiu caminhando até a casa da namorada. A arma foi arremessada no Rio Jaguarão por uma quarta pessoa.
O indiciamento
Foram indiciados por homicídio duplamente qualificado o filho, a nora e um amigo da dupla que participou do crime. Além disso, uma quarta pessoa foi indiciada por fraude processual, pois teria sido a responsável por jogar no rio a arma usada no crime. Essa pessoa indicou à polícia o local onde havia arremessado o revólver, que foi localizado pelos bombeiros.
As versões
Em depoimento, Iuri admitiu ter arquitetado o crime e confirmou a participação da namorada. Após ser presa, Bruna decidiu permanecer em silêncio. O jovem de 19 anos inicialmente negou participação, mas em novo depoimento à polícia confirmou que ajudou no plano. Os três continuam presos.