Com objetivo de dar mais transparência a atuação das polícias e seguindo uma tendência já adotada em outros Estados brasileiros, o Rio Grande do Sul avança na avaliação do uso de câmeras câmeras corporais na Brigada Militar e Polícia Civil. O equipamento é acoplado à farda ou ao colete e filma em áudio e vídeo as ação dos agentes. A intenção do governo Eduardo Leite é implantar a tecnologia até o final de 2022.
Na segunda quinzena de setembro, a Brigada Militar vai a São Paulo e Santa Catarina conhecer a experiências desses dois Estados na utilização de câmeras. A viagem ocorrerá a pedido do vice-governador Ranolfo Vieira Júnior. Em São Paulo, os 18 batalhões que utilizam o equipamento zeraram, pela primeira vez, a letalidade policial em junho de 2021.
Qualquer interação com o público é registrada pela câmera, independentemente da ação do policial. Os aparelhos não podem ser desligados e são controlados a distância. Os dados são transmitidos em tempo real por meio de live streaming ou armazenados na nuvem para acesso remoto das autoridades de segurança e judiciais.
Em Santa Catarina, câmeras são utilizadas desde agosto de 2019. Foram adquiridos 2.425 equipamentos da empresa Ditec no valor de R$ 3 milhões. A compra foi feita em parceria com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), com verbas do Conselho Gestor de Penas Pecuniárias. A implementação começou nas guarnições de Florianópolis e depois, progressivamente, na Região Metropolitana e no Interior.
— É um investimento robusto, então não podemos comprar mal. Queremos avaliar as marcas, processos de aquisição, se é melhor comprar ou locar. Tem uma série de fatores a serem considerados. É mais uma ferramenta que o policial vai poder contar na rua. Muito do que nós enfrentamos no cotidiano não é entendido pelas pessoas em geral, mas quando policial vai atender ocorrência, ele pode ser surpreendido por qualquer situação e tem fração de segundos para decidir — afirma o subcomandante-geral da BM, coronel Cláudio dos Santos Feoli, que integrará a comitiva das visitas.
Três marcas de câmeras corporais estão no radar do Palácio Piratini. Uma delas é a Axon, usada pela PM de São Paulo e pela polícia americana. O governo paulista comprou 2,5 mil unidades desta marca em fevereiro. A Huawei procurou o RS, se reuniu com o governo em reuniões e apresentou seu produto.
Entre abril, maio e junho, as polícias fizeram uma prova de conceito de um equipamento da Motorola. Dezesseis aparelhos foram testados, 12 com soldados do 9ª Batalhão de Polícia Militar (BPM), que atende a área central da Capital, e quatro com agentes da Polícia Civil, no departamento de homicídios e nas equipes volantes de Porto Alegre e Alvorada. Agora, BM e Polícia Civil preparam relatórios sobre os 90 dias de experiência.
Todos ganham e há duplo efeito: o do policial, que vai seguir todas normas técnicas, e o efeito inibidor do cidadão, que está mais alterado e poderá produzir prova contra ele mesmo.
CORONEL MARCEL VIEIRA NERY
Diretor do Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI)
Dentro da BM, há projeto-piloto que prevê o uso inicial das câmeras em guarnições do centro de Porto Alegre e em patrulhas Maria da Penha. Major Fábio Schmitt, que responde interinamente pelo comando do 9° BPM, conta que foi aplicado um questionário com a tropa sobre a fase de testes. Entre as respostas dos soldados, estão que o equipamento trouxe maior sensação de segurança nas ocorrências, especialmente quando é necessário o uso moderado da força.
— Há relatos de que pessoas que fariam algum desacato ou falariam injúrias, no momento em que olham a câmera, não o fazem. Também é a oportunidade de filmar andamento de ocorrências que podem servir como prova de conduta ilícita. Um aspecto negativo é que houve alguns relatos de pessoas que não se sentiram à vontade de relatar situações que estavam passando, se sentiram inibidas por não querer se expor em alguma denúncia. Tem alguns ajustes finos a serem feitos, mas, no geral, é um aliado do policial. A percepção é positiva — diz Schmitt.
O coordenador das Delegacias de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA), delegado Rodrigo Reis, também afirma que a percepção foi positiva e de legitimação do trabalho policial. Na Polícia Civil, o teste de conceito foi usado no policiamento ostensivo em áreas identificadas pela inteligência e no atendimento ao local de crime.
Um dos nomes à frente do projeto, o diretor do Departamento de Comando e Controle Integrado (DCCI) da SSP, coronel Marcel Vieira Nery, traça paralelo entre a implementação das câmeras corporais ao mesmo salto tecnológico e de transparência proporcionado pelo videomonitoramento das ruas e a gravação das ligações do 190:
É um investimento robusto, então não podemos comprar mal. Queremos avaliar as marcas, processos de aquisição, se é melhor comprar ou locar. É mais uma ferramenta que o policial vai poder contar na rua.
CORONEL CLÁUDIO DOS SANTOS FEOLI
Subcomandante-geral da BM
— Todos ganham e há duplo efeito: o do policial, que vai seguir todas normas técnicas, e o efeito inibidor do cidadão, que está mais alterado e poderá produzir prova contra ele mesmo. É um caminho sem volta para evolução. Estamos trabalhando em questão de ajustes e orçamento.
O presidente da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho, dos servidores de nível médio da BM e dos Bombeiros (Abamf), José Clemente da Silva Corrêa afirma que o uso de câmeras será discutido em reunião da entidade no dia 9. Ele avalia que o investimento pode ser positivo mas demandará regulamentação adequada para não atrapalhar a atividade do policial.
Projeto avança na Assembleia
Paralelamente à articulação do governo, tramita na Assembleia um projeto de lei que prevê a utilização de câmeras nos policiais de autoria da deputada Luciana Genro (PSOL). O texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e agora será analisado na Comissão de Segurança e Serviços Públicos. Assim que tiver o parecer desse grupo, o projeto deve ir a votação em plenário. A deputada espera que isso ocorra ainda neste ano:
É uma revolução na segurança pública, vai trazer possibilidade de fiscalização externa das ações da polícia e também maior segurança para o bom policial, que está agindo corretamente e que muitas vezes precisa se defender de uma acusação e não tem provas materiais para mostrar como foi seu comportamento.
LUCIANA GENRO
Deputada Estadual (PSOL)
— É uma revolução na segurança pública, vai trazer possibilidade de fiscalização externa das ações da polícia e também maior segurança para o bom policial, que está agindo corretamente e que muitas vezes precisa se defender de uma acusação e não tem provas materiais para mostrar como foi seu comportamento.
Entre os pontos em discussão no projeto estão o período de armazenamento das imagens. A proposta da deputada sugere que as imagens fiquem guardadas por até cinco anos, período em que prescreveria qualquer possibilidade de processo em caso de violência. Coronel Marcel trabalha na hipótese de armazenamento por seis meses, prazo em que um termo circunstanciado prescreve — usado para situações de menor potencial ofensivo. Essa definição terá que ser vencida antes da contratação, pois impacta no custo do serviço.
— A questão do prazo de armazenamento é importante, mas o principal é conseguir essa regulamentação em lei e que não dependa só da vontade deste governo. Se não houver a lei, o próximo governo pode extinguir o projeto — alerta Luciana.
Para o caso da regulamentar o armazenamento de cinco anos, uma das possibilidades seria locar um servidor da Procergs para guardar as imagens ou comprar um grande servidor privado. A escolha dependerá do orçamento disponível para o projeto.