Cansados de sofrerem extorsões, banqueiros do jogo do bicho de São Borja e outras localidades fronteiriças suspenderam as apostas na semana passada. Elas devem ser retomadas, mas os donos da jogatina clandestina querem segurança. E até tomaram uma rara providência: procuraram a Polícia Civil, de maneira informal, para se queixar do assédio de uma facção do crime organizado, que exige um percentual sobre os lucros do jogo.
Conforme os bicheiros, que procuraram GZH, a facção é o Primeiro Comando do Interior (PCI), que atua apenas na Fronteira Oeste. Os dois maiores líderes do grupo criminoso estão presos, inclusive um deles fora do Estado. Mas isso não impede a expansão dos negócios ilegais. Um deles é o avanço sobre atividades clandestinas e tradicionais na região de fronteira, como o contrabando e a jogatina, sobretudo essa última, como mostrou o Grupo de Investigação da RBS (GDI) em reportagem recente.
Os cinco maiores bicheiros de São Borja, que atuam há décadas, receberam ligações por vídeo em seus celulares, dos chefes do crime organizado. A exigência é que, juntos, façam uma “caixinha” de R$ 12,5 mil por semana destinada à facção. Do contrário, sofrerão as consequências.
Os bicheiros se recusam a pagar a propina e já colhem as represálias. Há duas semanas, três motoqueiros que recolhem malotes com o faturamento da jogatina foram assaltados. Um deles desistiu do serviço, os outros estão amedrontados e falam em pedir as contas.
Contrariados, os banqueiros do bicho falam em montar milícias para reagir aos assaltantes.
— A coisa vai ficar feia, porque não vou desmontar um negócio que tenho há décadas por causa de ameaças. Se a situação continuar assim, vamos resistir — anuncia um dos bicheiros, em entrevista à reportagem.
Os bicheiros procuraram a delegada Elisandra Batista, que responde pela Polícia Civil em São Borja. Foi uma reunião informal, com pedido de proteção.
— Explicamos que a situação será investigada, mas que eles tampouco estão livres para bancar o jogo — informa a delegada.
A policial se refere à legislação que proíbe a exploração de jogos de azar no Brasil. Ela infringe a Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei 3.688, de 1941) e prevê pena de prisão, de três meses a um ano, aos infratores. Na prática, ninguém fica preso, porque a pena é baixa.
A preocupação das autoridades é evitar um surto de homicídios na cidade.
Conforme estimativa dos bicheiros, a jogatina emprega cerca de mil pessoas em São Borja, entre apontadores (que registram as apostas), arrecadadores (que recolhem o dinheiro) e banqueiros (que montam o negócio). As apostam movimentam cerca de R$ 35 mil por dia, só que mais da metade vai para as despesas e pagamento de prêmios.