Dias antes do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, completar nove meses, réus e testemunhas do crime irão se reencontrar no Carrefour, no bairro Passo D'Areia, na zona norte de Porto Alegre. Está marcada para terça (10) e quinta-feira (12) a reprodução simulada dos fatos, conhecida como reconstituição. No estacionamento do supermercado, Freitas foi espancado e morto na noite de 19 de novembro do ano passado. Seis pessoas respondem ao processo que tramita na 2ª Vara do Júri da Capital, duas estão detidas, uma está em prisão domiciliar e os demais respondem em liberdade.
A decisão pela realização da perícia é da juíza Cristiane Busatto Zardo, atendendo um pedido da defesa do ex-PM temporário Giovane Gaspar da Silva, que está preso. A atual magistrada responsável pelo processo é a juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, que assumiu o caso em 2 de agosto. A primeira audiência da ação está marcada para o próximo dia 18.
O advogado do ex-PM David Leal entende que a reconstituição poderá mostrar, tecnicamente, o que se sucedeu até João Alberto desfalecer e em qual grau as atividades do seu cliente — que deu socos na vítima e a segurou com os braços — foram responsáveis pela sua morte. A defesa levará dois peritos particulares para acompanhar a perícia, um deles é Cleber Muller, diretor do Instituto-Geral de Perícias (IGP) entre 2015 e 2017 e o médico legista Antônio Nunes, do Piauí.
— Entendo que esse é o momento de avaliarmos o caso com maior tranquilidade, porque no período em que o fato aconteceu estávamos na véspera do segundo turno e do Dia da Consciência Negra. Forças e partidos políticos estavam organizados e prontos para utilização de qualquer fato relevante na sua pauta de discussão e debate. Isso auxiliou numa leitura politizada no fato, se demandou e se buscou uma resposta punitivista — afirma o advogado.
Os trabalhos ocorrerão à noite, no mesmo estabelecimento em que o crime aconteceu. A área deverá ser isolada para acesso restrito a polícia, peritos, participantes e advogados. O IGP afirma que a perícia está em fase de preparação e não pode antecipar informações do procedimento.
Os trabalhos serão coordenados pela Polícia Civil e são necessários dois dias de atividades em razão da quantidade de envolvidos. Além dos seis réus, são nove testemunhas citadas no processo. Entre elas, estão pessoas que filmaram a agressão de João Alberto no estacionamento do supermercado. A viúva Milena Alves também é citada como testemunha, mas ainda não decidiu se irá participar.
— É dolorido para ela estar no local da morte, ela viu o marido ser morto lá. Gostaria que ela fosse mas não posso responder psicologicamente por ela. Entendo que essa reprodução é a tentativa de se trazer a cena mais fidedigna do que aconteceu. É uma prova bem importante — afirma o advogado de Milena e assistente de acusação, Gustavo Nagelstein.
João Alberto será interpretado por um policial civil, assim como outros agentes irão representar aqueles que não comparecerem. Quando a vítima estiver deitada, será utilizado um boneco. As ações são registradas pelo fotógrafo criminalístico do IGP e o perito pode fazer perguntas para esclarecer cada ato. A delegada responsável pela inquérito na fase policial, Roberta Bertoldo, explica que todas as testemunhas intimadas são obrigadas a comparecer, já os réus podem optar por não ir. Antes da reconstituição no Carrefour, todos os envolvidos serão ouvidos separadamente por peritos e policiais que estudaram o inquérito. Os depoimentos serão gravados e ocorrerão na delegacia. Após as entrevistas, todos irão se deslocar ao mercado.
Entendo que essa reprodução é a tentativa de se trazer a cena mais fidedigna do que aconteceu.
GUSTAVO NAGELSTEIN
Assistente de acusação
— São mais de 10 pessoas, entre testemunhas e investigados. Cada uma dessas pessoas vai fazer a cena que ela descreveu usando policiais civis como atores dessa atividade. Vai fazendo tudo que elas determinarem da forma que elas viram. E repetir quantas vezes for necessário. Tem de ser feito de forma calma e com bastante cuidado, é um procedimento bem extenso — detalha a delegada.
A reconstituição irá resultar em um laudo, onde o perito irá analisar as versões relatadas, que, em média, é concluído em 30 dias, dependendo da complexidade do trabalho. À frente do inquérito, Roberta trabalhou quase um mês na investigação a partir da morte de João Alberto e considera desnecessária a reconstituição devido à quantidade de imagens que reproduzem o que aconteceu até o momento da morte.
Essa atividade, do meu ponto de vista, é completamente desnecessária. Não é preciso que reproduzamos aquilo que vimos em imagens do fato. Não temos qualquer tipo de dúvida a ser dirimida num exame desses.
ROBERTA BERTOLDO
Titular da 2º Delegacia de Homicídios
— Vai trazer conclusões que já estão no inquérito e em imagens. O fato todo está coberto por imagens, seja do supermercado ou das pessoas que estavam lá. Tem apenas um determinado trajeto, no interior da loja, que não tem imagens mas isso não causa nenhuma influência no desenrolar do que aconteceu. Essa atividade, do meu ponto de vista, é completamente desnecessária. Não é preciso que reproduzamos aquilo que vimos em imagens do fato. Não temos qualquer tipo de dúvida a ser dirimida num exame desses — afirma a delegada.
Assistente de acusação no processo e representante de João Batista Rodrigues, pai da vítima, o advogado Rafael Peter Fernandes concorda que o inquérito é esclarecedor e recorda que o laudo aponta que a causa da morte se deu por asfixia:
— As imagens demonstram tudo, da saída do supermercado até o momento das agressões. Infelizmente isso atrasa ainda mais a instrução do processo e é uma manobra para ganhar mais tempo.
Procurado pela reportagem, o Ministério Público afirmou que irá acompanhar a reprodução mas optou por não se manifestar sobre a perícia.
Contrapontos
Magno Braz Borges
O advogado Jairo Luis Cutinski optou por não se manifestar.
Giovane Gaspar da Silva
O que diz o advogado David Leal:
"A reconstituição vai entender tecnicamente o que se sucedeu. Se o ato que o Giovane fez segurando o braço e os socos foram responsáveis pelo resultado morte, sendo que os próprios peritos já disseram que os socos não mataram, mas sim a asfixia. Entendo que esse é o momento de avaliarmos o caso com maior tranquilidade porque no período em que o fato aconteceu estávamos na véspera do segundo turno e do dia da consciência negra. Forças e partidos políticos estavam organizados e prontos para utilização de qualquer fato relevante na sua pauta de discussão e debate. Isso auxiliou numa leitura politizada no fato, se demandou e se buscou uma resposta punitivista."
Adriana Alves Dutra
Procurado pela reportagem, o advogado Pedro Catão não respondeu ao pedido de contraponto.
Kleiton Silva Santos
O advogado Marcio Morais Hartmann enviou nota:
"A defesa vai se manifestar após a reprodução simulada dos fatos, a qual vai elucidar a participação de Kleiton nos fatos."
Rafael Rezende
O que diz o advogado David Leal:
"Entendo que esse é o momento de avaliarmos o caso com maior tranquilidade porque no período em que o fato aconteceu estávamos na véspera do segundo turno e do dia da consciência negra. Forças e partidos políticos estavam organizados e prontos para utilização de qualquer fato relevante na sua pauta de discussão e debate. Isso auxiliou numa leitura politizada no fato, se demandou e se buscou uma resposta punitivista."
Paulo Francisco da Silva
O advogado Renan Jung Henrique enviou a seguinte nota:
"A defesa anseia pela realização da reprodução simulada dos fatos, a fim de que, finalmente, reste demonstrada a total ausência de participação de Paulo no acontecimento. Na noite em que João Aberto teve sua vida ceifada, Paulo Francisco foi chamado via rádio, seguindo ordens de seus superiores hierárquicos, e chegou ao local dos fatos já ao final do desenrolar de toda a situação. Em momento algum agrediu ou mesmo tocou a vítima, exceto quando foi verificar seus sinais, a fim de prestar os primeiros socorros. Por fim, a defesa salienta que Paulo é pessoa negra, sua esposa é negra, seus filhos são negros, seus familiares são negros, seus melhores amigos são negros, sendo, portanto, absurda a acusação por, supostamente, dar causa a um homicídio motivado pelo racismo, cujas autoridades que o acusam são, em totalidade, de cor branca, e que agora, ao que parece, para buscar reconhecimento da mídia e autopromoção, desejam enclausurar mais um negro nas masmorras do nosso falido sistema penitenciário."
Carrefour
"O Grupo Carrefour Brasil está dando todo o apoio necessário para que as autoridades policiais realizem a reconstituição. A empresa não faz parte deste processo criminal, que visa investigar individualmente os envolvidos na ação. O Grupo Carrefour Brasil segue comprometido com a luta antirracista que se materializa no maior investimento privado já feito para redução da desigualdade racial no Brasil. São valores que superam R$ 115 milhões e serão majoritariamente investidos em educação e geração de renda para a população negra."
Grupo Vector
"A Vector não foi convocada para participar da reconstituição, porém, está a inteira disposição, caso necessário. Por ora, a empresa não tem nada a declarar sobre a perícia, ressalta que confia no Poder Judiciário, nos órgãos que o auxiliam e está engajada em colaborar com a Justiça."