Acostumado a ser destaque no noticiário como exemplo de trabalho na recuperação de apenados, o Patronato Lima Drummond agora é foco de uma polêmica que envolve o plano do governo de não ter mais na casa presos de regime semiaberto. A ideia é instalar no local, no bairro Teresópolis, em Porto Alegre, dois novos projetos: o escritório social e uma central de penas alternativas à prisão.
O projeto, que levaria ao fim um trabalho mantido desde 1942 pela assistente social Maria Ribeiro da Silva Tavares, é refutado pela diretoria da Fundação Patronato Lima Drummond e também por juízes que atuam na execução de penas.
Conforme o secretário e Administração Penitenciária, Cesar Faccioli, um acordo está sendo construído para "ressignificar os serviços relevantes" que o patronato tem prestado.
— Houve apontamentos do Conselho Penitenciário (Conspen) indicando que não é papel do patronato gerenciar presos de regime semiaberto. O foco tem de ser voltado ao egresso do sistema. Não queremos perder essa parceria e, por isso, estamos buscando uma solução para reformular o trabalho — diz.
Para Faccioli, o Estado tem carência de política pública para atender aos egressos. A fundação reclama que desde o ano passado já há um enfraquecimento no trabalho do patronato, já que a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) estaria deixando de enviar novos presos para a casa: são 76 vagas e só cerca de 40 estão preenchidas no momento.
— Nossa preocupação institucional com essa política de governo é o grave risco à segurança pública, sem nenhum interesse econômico direto de nossa parte, pois o tratamento penal é custeado pela fundação. O que buscamos é dar seguimento ao legado de dona Maria Tavares, de tratamento penal humanista e de conquista de menores índices de reincidência em nosso Estado — diz Nício Lacorte, presidente da Fundação Patronato Lima Drummond.
Sobre os apontamentos, que indicariam que a função do patronato não é a que ele executa há décadas com anuência de sucessivos governos, GZH questionou o Conselho Penitenciário sobre o motivo de esse "desvio de função" nunca ter sido registrado nas inspeções.
— Esse apontamento nunca foi feito antes porque o patronato era inspecionado como uma casa subordinada à Susepe, que funcionava com aval do governo. Agora, esse olhar mudou. Desde 2017, a casa estava funcionando sem ter convênio escrito com o governo, era uma convenção tácita. E isso não pode ocorrer — explica o presidente do Conspen, Renato Cramer Peixoto.
O convênio previa a relação entre a entidade e o governo para que presos cumprissem penas de regime semiaberto no local, cedido pela fundação, e com manutenção e funcionários pagos pelo governo.
Segundo Peixoto, inspeção feita em dezembro de 2019 visava analisar as condições para que novo convênio, nos moldes dos anteriores, fosse firmado.
— Nosso parecer foi pela negativa, indicando que o patronato funcione como determina a Lei de Execuções Penais, ou seja, atendendo a egressos e penas alternativas. E nosso parecer foi acolhido — afirmou Peixoto.
No relatório da inspeção feita em janeiro deste ano, o juiz Roberto Coutinho Borba, do 2º Juizado da 2ª Vara de Execuções Criminais, registrou preocupação com a possível extinção de vagas do Patronato Lima Drummond e pediu informações à Seapen.
Depois de escrever sobre a carência de vagas para o regime semiaberto, o magistrado chegou a definir como "lamentável" o possível encerramento das atividades da casa. Também solicitou que, caso o fechamento seja decidido, a secretaria informe um prazo para a medida, a fim de permitir a regularização da situação dos apenados que ainda estão lá. Conforme a Susepe, atualmente, há 675 vagas de regime semiaberto na Região Metropolitana, ocupadas por 577 apenados. Outros 2,4 mil condenados estão em casa usando tornozeleira eletrônica.
O juiz Sidinei Brzuska, que atuou por 23 anos na execução de penas, também é contra a mudança que o governo pretende:
— Se o governador Eduardo Leite se inteirar do que Maria Tavares fez pela segurança pública do Estado com aquela casa, jamais fecharia as vagas para apenados.
Novos projetos para o Patronato Lima Drummond
Escritório social
Equipamento fomentado desde 2016 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que aposta na articulação entre Executivo, Judiciário e sociedade civil para qualificar o retorno de egressos do sistema prisional à sociedade. Para gestores do sistema prisional gaúcho, o atendimento ao egresso vai minimizar os efeitos da prisão, possibilitando a adoção de medidas ressocializadoras e inclusivas a essa população vulnerável, contribuindo para a diminuição do contingente da massa carcerária.
Central integrada de penas alternativas
Tem por finalidade contribuir com o fortalecimento da política de alternativas penais, redução da população carcerária no Estado e na promoção de uma sociedade na qual predomine a resolução de conflitos por meios restaurativos em prol de uma cultura de paz, tendo a prisão como medida excepcional. Também foca na manutenção dos laços familiares e sociais da pessoa em cumprimento de alternativas penais. Compete às Centrais Integradas de Alternativa Penal desenvolver as seguintes modalidades:
- Penas restritivas de direitos
- Transação penal e suspensão condicional do processo
- Suspensão condicional da pena privativa de liberdade
- Conciliação, mediação e técnicas de justiça restaurativa
- Medidas cautelares diversas da prisão
- Medidas protetivas de urgência que obrigam homens autores de violências contra as mulheres
A história do Patronato Lima Drummond
Foi fundado em 1942 pela assistente social Maria Ribeiro da Silva Tavares. Oriunda de uma abastada família de pecuaristas de Pelotas, mãe de dois filhos e viúva, ela foi a primeira mulher a ser autorizada a entrar em uma prisão no Estado — a Casa de Correção, onde começou a fazer o trabalho de recuperação de criminosos.
Logo depois, pulou para a rua, comandando os primeiros grupos de presos autorizados a trabalhar fora da prisão. A partir daí, sua história se mistura com a do patronato, onde viveu por décadas e conhecia cada apenado pelo nome. Apenado, não. Anjos, que era como Maria Tavares os definia. Em 2014, a assistente social morreu aos 102 anos.